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Café da manhã: quem precisa dele?

Estudo contesta a história de que tomar café da manhã é essencial para manter a fome e o peso sob controle. Veja se é hora de rever o papel dessa refeição

Por Thaís Manarini
Atualizado em 25 jul 2019, 12h51 - Publicado em 22 jun 2019, 10h35

Em seu dia a dia, a médica Flavia Cicuttini, professora de reumatologia da Universidade Monash, na Austrália, cuida de muita gente com artrose, problema marcado por desgaste e dor nas articulações. Sabe-se que o quadro é crônico e nutre relação íntima com o ganho de peso. Logo, evitar ou eliminar os quilos a mais é uma das medidas mais importantes para controlar o suplício das juntas. “Com o passar dos anos, fiquei impressionada com o número de pacientes que buscavam ajuda para emagrecer e eram aconselhados a tomar café da manhã“, conta Flavia. “Alguns deles se sentiam obrigados a fazer essa refeição, mesmo sem vontade alguma”, completa. Foi aí que surgiu uma pulga atrás da orelha da especialista: o desjejum seria, assim, tão indispensável?

Segundo a médica, a fama dessa refeição é respaldada por vários estudos observacionais, desses que seguem as pessoas e seus hábitos por um tempo. Muitos apontam que quem adere ao café da manhã tende a ser mais magro. “Só que podem existir outras diferenças entre esses indivíduos e aqueles que pulam a refeição”, pondera Flavia. “Talvez eles tenham um padrão de alimentação mais saudável como um todo”, exemplifica.

Para tirar a história a limpo, ela e um time de colegas resolveram revisar tudo que a ciência diz a respeito. E focaram nas pesquisas que minimizavam o efeito de outros fatores do estilo de vida no peso — afinal, o foco era o café da manhã. Chegaram, então, a 13 estudos.

“Descobrimos que quem comia de manhã costumava ingerir 260 calorias extras por dia e ganhava, em média, 0,44 quilo”, revela. E sabe aquele papo de que colocar algo no estômago logo cedo aceleraria o metabolismo? Não encontraram vestígios disso.

Na revisão, também faltaram provas de que os adeptos do desjejum se tornam menos propensos a episódios de gula mais tarde — algo que ajudou a abrilhantar a reputação do café da manhã e sedimentar seu pretenso título de refeição mais importante do dia.

Por que o café da manhã não seria obrigatório

Para a médica australiana, o conjunto de evidências indica que não há por que encorajar toda a população, sem exceção, a incluir o café da manhã na rotina com o intuito de driblar o ganho de peso e derrotar a obesidade. “Agora, se o indivíduo gosta desse hábito, tudo bem. Está claro que algumas pessoas sentem necessidade de comer de manhã e outras não”, afirma.

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A nutricionista Pamela Vitória Salerno, colaboradora da Associação Brasileira de Nutrição, concorda: “Se não há apetite nesse momento e as demais refeições são equilibradas, não faz sentido forçar o café da manhã”.

Porém, a profissional brasileira, assim como outros experts ouvidos para a reportagem, tem ponderações em relação aos achados da revisão. O primeiro ponto diz respeito ao déficit de qualidade dos estudos incluídos na compilação — algo reconhecido pelos próprios autores no artigo, publicado no The British Medical Journal. Alguns se baseiam em registros alimentares feitos pelos voluntários durante sete dias, período considerado curto demais.

Fora isso, a maior parte dos dados vem de países desenvolvidos, como Estados Unidos e Reino Unido. Segundo a nutricionista Luciana Rossi, professora da Universidade Anhembi Morumbi, na capital paulista, o café da manhã nesses locais é bastante diferente do nosso. “É possível que ele não propicie saciedade, o que elevaria a ingestão de calorias mais tarde”, raciocina.

Luciana vai além: “O aumento de 0,4 quilo detectado pela revisão é algo ínfimo”. Para ela, essa é uma variação normal de balança, que pode ocorrer em um mesmo dia — ir ao banheiro (ou ficar travado) e ingerir mais (ou menos) água influenciam nessa flutuação, por exemplo.

A bióloga Ana Bonassa, do Instituto de Química da Universidade de São Paulo, frisa ainda que não dá para perder de vista a existência de outros tantos estudos que vão na direção oposta. “Eles indicam que pular o café está relacionado ao sobrepeso, à obesidade e à maior incidência de diabetes tipo 2″, lista.

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Ignorar a primeira refeição do dia não deixa de ser a continuação de um jejum iniciado na hora em que vamos dormir. E, de acordo com Ana, que estudou o impacto do hábito em animais, há indícios de que o pior momento para ficar de estômago vazio seria justamente após acordar. “Nossa fase ativa é de dia”, ensina.

Se for para escolher, ela afirma que compensa mais pegar leve à noite, quando o organismo está se preparando para repousar. Por falar nisso, a nutricionista Pamela nota que a falta de fome cedinho talvez seja até reflexo de um jantar pra lá de pesado. “Essa refeição pode acabar compensando e até multiplicando as calorias que seriam ofertadas de manhã”, avisa.

Embora a revisão australiana não tenha identificado sinais desse comportamento em quem não faz questão do café, trata-se de um risco apontado pelos especialistas. “Há tendência de consumir mais alimentos nas refeições seguintes e também de realizar as escolhas com base na fome”, afirma a nutricionista Fabiana Pastich, professora da Universidade Federal de Pernambuco. E todo mundo sabe o que acontece quando o olho é maior do que a boca…

Não é o fim do mundo pular a refeição se:

  • A sensação de fome é zero — e a dieta como um todo está equilibrada.
  • Ao comer algo nesse período do dia você se sente nauseado.
  • Por causa do seu turno de trabalho, a hora de acordar é praticamente colada no almoço.

Quando vale apostar no café da manhã

  • Você simplesmente curte realizar essa refeição.
  • Sente indisposição se não coloca algo no estômago logo cedo.
  • Percebe que isso ajuda a controlar melhor a fome e o desejo por tranqueira ao longo do dia.

Questão de perspectiva

Para a nutricionista Fabiana Poltronieri, do Centro Universitário FAM, em São Paulo, não faz sentido discutir se o café da manhã é vantajoso sem considerar o que vai à mesa. Ora, um pãozinho integral com queijo e café com leite é muito superior a uma tigela de cereal açucarado acompanhada de achocolatado de caixinha, por exemplo.

Quem compartilha dessa opinião é a endocrinologista Flavia Prodam, da Universidade de Piemonte Oriental, na Itália. “Acredito que o café da manhã deve ser incentivado na população em geral, começando na infância. Mas devemos ensinar o que é uma refeição saudável”, resume.

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A médica não citou a infância à toa: recentemente, ela estudou o impacto do café entre os mais jovens e chegou a conclusões interessantes.

Boas pedidas matinais

Ovo: esbanja proteínas, ótimas para construir músculos e saciar. Priorize o mexido e a omelete, que exigem pouco óleo.

Café com leite: dá aquele gás para começar o dia.

Aveia: é fonte de fibras, que propiciam saciedade e ajudam a controlar o colesterol e a glicemia. Casa bem com frutas e iogurte.

Pão integral: possui carboidratos que não geram picos de açúcar no sangue. Combine com uma fatia de queijo magro, tipo ricota ou cottage.

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Iogurte: é fonte de cálcio e de proteínas. A melhor opção é o natural. Frutas, granola caseira e um tiquinho de mel ajudam a adoçá-lo.

Tapioca: é pobre em gordura. Mas tem carboidrato simples, que faz a glicose disparar. Inclua recheio, como queijo, para evitar isso.

Frutas: são um combo nutritivo, com carboidratos, fibras, vitaminas e minerais. Hora perfeita para entrar na rotina.

Suco natural: hidrata e nutre. Mas, em formato líquido, as fibras das frutas vão embora e o açúcar fica concentrado. Melhor não abusar, tá?

Itens que transformam a refeição matinal em uma possível armadilha

Bolos recheados: o bolinho simples de fubá ou de milho cai bem de manhã. Mas coberturas e recheios desequilibram totalmente a receita.

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Achocolatado: tanto o chocolate em pó como a bebida pronta na caixinha têm bastante açúcar. Experimente colocar cacau em pó no leite.

Cereais matinais: a maioria carrega açúcar de sobra. Uma troca legal: granola feita em casa, com aveia, oleaginosas e sementes.

Creme de avelã: pede moderação porque é cheio de gordura e açúcar. Como opção, dá para buscar geleias pouco açucaradas.

A importância do café da manhã para crianças e diabéticos

A Flavia da Itália também conduziu uma revisão: na sua análise foram incluídas pesquisas que, no total, envolveram 286 804 crianças e adolescentes de 33 países. “Pular o café foi associado com sobrepeso e obesidade em 94,7% dos indivíduos que tinham esse hábito”, revela.

Curiosamente, o comportamento também mostrou ligação com um pior perfil de colesterol e pressão arterial, além de alterações no corpo capazes de levar ao diabetes. Segundo Flavia, a enxurrada de problemas pode ter a ver com o maior índice de massa corporal dos pequenos e com a qualidade preocupante da alimentação.

Para a outra Flavia, a autora da investigação australiana que contesta o café como estratégia para prevenir a obesidade, há grupos que de fato devem ser encorajados a quebrar o jejum de manhã. “Se as crianças forem à escola com fome, isso pode dificultar a concentração”, ilustra.

Não para por aí. A nutricionista Luana Monteiro, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, lembra que é nessa refeição que nutrientes-chave são enviados para dentro do organismo. “Em estudo, vimos maior aporte de cálcio e vitamina A entre as crianças que tomavam café da manhã.”

Outra turma que precisa encarar o desjejum como regra é a de quem tem diabetes, especialmente se faz uso de insulina. “Nesse caso, pular o café pode ocasionar hipoglicemia”, alerta a endocrinologista Bibiana Prada de Camargo, da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica.

O quadro, caracterizado pela queda brusca de açúcar no sangue, leva a tontura e confusão mental. “Ao fazer o café da manhã, a tendência é comer menos no resto do dia e ter um melhor controle glicêmico”, nota Bibiana.

Para quem se exercita de manhã, barriga vazia também deveria estar fora de cogitação. Segundo Luciana Rossi, o jejum pode resultar até na perda de massa muscular.

A grande questão é que a escolha de tomar ou não o café recai no foro pessoal. Só não deixe de sentir e respeitar seu corpo e trazer as opções mais saudáveis para a mesa.

O desjejum brasileiro varia de Norte a Sul

Chimia: herança alemã, faz sucesso no Sul. É uma pasta de fruta que se espalha no pão — lembra uma geleia.

Pão de queijo: adorado no Sudeste e no Centro-Oeste, pode substituir o pão. Mas sem exageros, por causa da gordura.

Cuscuz de milho: esse é figurinha carimbada no café de Norte e Nordeste. Que tal ovo cozido para acompanhar?

Tucumã: lascas da fruta vão para dentro do pão com queijo coalho. É o x-caboquinho, símbolo da Região Norte.

O que chama a atenção dos brasileiros no café da manhã gringo

Espanha: a artesã Marina Domingues percebeu um gosto especial pela flauta de jamón, uma baguete de presunto.

Austrália: a arquiteta Márcia Zupo cita uma pasta salgada e amarga à base de cevada que se passa no pão tostado.

Finlândia: a pedida é o pouridge, um mingau de aveia com frutas vermelhas, conta Felipe Lopes, engenheiro ambiental.

Japão: ocidentalizou o café, observa a estudante Aline Ibelli. Mas o chá-verde e o missoshiro (uma sopa) resistem.

Argentina: a estudante Priscila Ferreira nota que café com leite e medialuna (um tipo de croissant) são um clássico.

Estados Unidos: em Nova York, a designer Fernanda Didini destaca o bagel (um pão) com o café comprados na rua.

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