Avocado: a grandeza nutricional do pequeno abacate
Seu tamanho menor em comparação com os outros abacates é compensado pelo alto valor nutricional. Entenda por que a fruta virou o novo alimento funcional
Há quem diga que a nossa predileção pela “vitamina” de abacate tem o dedo de dom João VI (1767-1826). É que o monarca recebeu as primeiras mudas da espécie e as plantou no Jardim Botânico, no Rio de Janeiro. O presente, vindo da Guiana Francesa, era de uma variedade mais aquosa, perfeita para ser misturada com um pouco de açúcar.
Desde então, abacateiros se espalharam pelos quintais do Brasil e, diferentemente da maioria das cozinhas pelo mundo, o fruto foi designado para as receitas doces. Alguns séculos depois, os brasileiros têm se aventurado a experimentar o alimento em pratos salgados e querem tirar proveito da aura saudável que ele ganhou.
Nesse sentido, quem faz bonito é um tipo específico de abacate, conhecido como avocado, mas que, pela certidão de nascimento, leva o sobrenome Hass. “Menorzinho, ele tem consistência firme e não desmorona facilmente quando fatiado, laminado ou cortado em cubos”, descreve a nutricionista Ana Paula Gines Geraldo, coordenadora do Projeto Cozinhando com Ciência, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
“O sabor também é mais suave, pouco adocicado”, completa a nutricionista Kristy Soraya Coelho, do Centro de Pesquisas em Alimentos da Universidade de São Paulo (FoRC-USP). Fora ser degustado in natura, o avocado é boa pedida em saladas, sanduíches e como acompanhamento de carnes e pescados, por exemplo.
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Se estamos conhecendo melhor o pequenino agora, o mundo já o elegeu faz tempo. “O Hass é a variedade de abacate mais comercializada no planeta”, conta o engenheiro-agrônomo, doutor e pesquisador Tadeu Graciolli Guimarães, da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, a Embrapa Cerrados. Só nos Estados Unidos, o consumo triplicou desde o início dos anos 2000, segundo o Departamento de Agricultura de lá.
Na década passada, uma combinação de torrada com a fruta, batizada de avocado toast, passou a desfilar nas redes sociais e tornou-se a queridinha dos millennials, os nascidos entre 1980 e 1996. “Em cidades cosmopolitas como Nova York, Amsterdã e Londres, existem estabelecimentos dedicados especialmente ao avocado”, relata Brendon Peters, que, assim como dom João, implantou a novidade em terras brasileiras com seu restaurante Avoca, que fica no também cosmopolita Beco do Batman, na Vila Madalena, em São Paulo.
Não bastassem os predicados culinários, o Hass arrasa quando o assunto é saúde. “Ele tem alta densidade nutricional”, sintetiza a nutricionista Camile Zanchett, professora da Universidade do Vale do Itajaí (Univali), em Santa Catarina. Significa que concentra vitaminas, minerais, fibras, compostos antioxidantes e gorduras boas, sobretudo a monoinsaturada, entre outros componentes indispensáveis para o funcionamento do organismo.
Tudo isso, junto e misturado, aparece em uma revisão de 19 estudos recém-publicada na revista científica Nutrients. Ela comprova que o fruto tem atributos de proteção contra doenças cardiovasculares e, quem diria, o ganho de peso. Pois é, se antes o abacate era temido pela pecha de engordativo, agora pode ser encarado como um aliado da saciedade e do controle do peso.
Também há evidências do seu papel positivo na microbiota intestinal — um dos campos mais efervescentes nas ciências biológicas hoje. Pesquisas estabelecem uma associação entre o consumo do fruto, dentro do equilíbrio, e mudanças bem-vindas na composição da comunidade bacteriana do
intestino. “A presença de fibras solúveis na polpa estaria por trás desse efeito”, aponta a nutricionista Camila Guazzelli Marques, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
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Sabe-se que uma microbiota em harmonia se traduz em ganhos na absorção de nutrientes e na imunidade em geral. Pelo conjunto da obra, a fruta já é incluída no seleto grupo dos alimentos funcionais. “Esse conceito se refere ao fato de ela oferecer naturalmente quantidades expressivas de nutrientes e fitoquími cos capazes de reduzir o risco de doenças”, explica a nutricionista Natália Marques, professora da consultoria e centro de ensino VP Nutrição Funcional, na capital paulista.
Tanto é que, lá fora, existe um movimento forte de inclusão do avocado, ou de suas substâncias isoladas, como ingrediente de bebidas e snacks fitness. Mas nada como desfrutar dele na íntegra, ao vivo e em cores, para garantir sua sinergia nutricional e sensorial.
O abacateiro, de nome científico Persea americana, é nativo da região que engloba o México e parte da América Central. Era árvore sagrada e entrava em antigos rituais indígenas de iniciação, como símbolo de virilidade. Aliás, a palavra abacate vem do espanhol aguacate, que, por sua vez, deriva de ahuacatl, cujo significado, para os astecas, seria testículo. Ainda sobre questões semânticas, nos países de língua inglesa todas as variedades do fruto, inclusive as grandalhonas, são chamadas de avocado. Aqui só o Hass é tratado assim.
Quanto aos aspectos botânicos, a planta pertence à família Lauraceae, a mesma, acredite!, do louro utilizado como tempero no feijão — e saiba que, apesar de não ostentarem uso culinário, as folhas dos abacateiros também são perfumadas.
Entre os especialistas, há uma classificação por raças de abacate, respeitando sua origem geográfica. Tem a antilhana, de polpa mais aguada; a guatemalense ou guatemalteca, com um teor elevado de óleos; e a mexicana, que é menos aquosa e tem a maior quantidade de gordura entre as três. Grande parte do que é consumido no Brasil resulta de cruzamentos, sobretudo das duas primeiras raças mencionadas, que crescem bem em climas tropicais e não curtem friagem.
Fartura, quintal e breda, tipos vistosos e suculentos, são exemplos desses encontros. Já a origem do Hass tem umas pitadas de confusão. Mas conta-se que tudo começou nos idos de 1920, quando Rudolph Gustav Hass (1892-1952), um carteiro que vivia na Califórnia (EUA), decidiu abandonar as correspondências e investir nos abacates.
Depois de plantar algumas mudas, notou que os frutos produzidos eram diferentes do que esperava. Imaginou que seriam verdes e deparou com exemplares miúdos de casca escura. Depois de verificar a textura e o sabor delicado da polpa, o senhor se encantou, dando seu sobrenome ao alimento. “O Hass é um híbrido guatemalense-mexicano”, diz a agrônoma Ester Ferreira.
Tanto a ancestralidade quanto o tamanho compacto ajudam a explicar o montante oleoso do fruto. O pequenino oferta o dobro de ácidos graxos em comparação com os abacates tropicais. Contém monoinsaturados, poli-insaturados e um pouco de saturados, em um arranjo que resulta numa consistência ímpar.
“É como se fosse um queijo cremoso preparado pela natureza”, compara Peters. Além de encher a boca d’água, essa característica despertou o interesse de pesquisadores pelo globo, e eles têm esmiuçado os feitos da fruta, sobretudo em prol da saúde cardiovascular.
De acordo com a professora Camile, já existem provas de que a gordura monoinsaturada fornecida por alimentos como o avocado melhora o tecido que reveste as artérias e a capacidade de dilatação delas, um mecanismo de proteção cardiovascular. Outro efeito vantajoso está no controle dos níveis de colesterol no sangue. Isso foi constatado na tese de doutorado do nutrólogo Edson Credidio, que convidou voluntários a incluir porções de abacate na rotina, pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Claro que o mérito não é só da tal monoinsaturada. Afinal, nem só de gorduras se faz a fruta. Eis que surge aqui outro personagem na história, o beta-sitosterol. Trata-se de uma substância de estrutura química similar ao colesterol e que, por ser tão parecida, acaba disputando com ele espaço para ser absorvido no intestino.
Resultado: parte do colesterol fica de fora e não cai na circulação. Pensa que acabou? A blindagem pelos vasos não para por aí. “O avocado é rico em minerais como o potássio, que ajuda no controle da pressão arterial”, salienta Natália. Acrescente-se ainda um desfile de fitoquímicos, compostos de nomes meio esquisitos, caso dos ácidos hidroxicinâmicos, flavonoides, proantocianinas, carotenoides e alcaloides, que foram elencados numa análise publicada na revista técnica Food Research International.
Vários integrantes dessa turma têm alta capacidade antioxidante e defendem o tapete celular que recobre nossas artérias. E não só elas. Porque, além das coisas do coração, digamos que o avocado tem outros terrenos a agraciar. Estudos sugerem, por exemplo, um efeito no cérebro, particularmente no humor.
Entre os componentes do fruto envolvidos nisso, estariam a glutationa, que promove relaxamento, e as vitaminas do complexo B, caso da B6, que servem de matéria-prima para a serotonina e outros neurotransmissores do bem-estar. Não é por menos que há quem indique consumir um pouco de avocado no jantar ou meia hora antes de ir para a cama.
Lígia Falanghe Carvalho, presidente da Associação Abacates do Brasil, cresceu em meio aos abacateiros, já que seu pai, Paulo Carvalho, fundador da Jaguacy Brasil, é pioneiro no cultivo do Hass no país, especificamente em Bauru, no interior paulista.
“Quando criança, não ligava muito para o avocado. Foi só depois de adulta que passei a consumir com maior frequência”, relata. Já sua filha, Maya, aprecia o alimento desde pequena. “Come até misturado ao arroz com feijão”, diz Lígia.
O médico Edson Credidio também é fã. “Para o doutorado, minha orientadora sugeriu outros alimentos, mas escolhi o fruto por ser o meu favorito e também por achar que era menosprezado”, revela. Colheu excelentes resultados em suas pesquisas, e, como a maioria dos brasileiros, ainda prefere o abacate como sobremesa mesmo.
Um dos trunfos do avocado é o sabor mais suave, que combina tanto com preparos doces como salgados. Só que isso pede uma cautela: não abusar do açúcar, do sal ou outros temperos. Pensando na sobremesa, em vez de carregar nas colheradas, uma sugestão é juntá-lo a ingredientes naturalmente mais adocicados. “A banana-nanica madura é perfeita”, ensina Camile. Com a mesma finalidade, a professora Ana Paula sugere tâmaras secas, que ainda aumentam a oferta de nutrientes.
O cacau é mais um companheiro bem-vindo, que acrescenta cores e sabores. Eloi Moreira, chef de cozinha mineiro que transita por Belo Horizonte e São Paulo, criou algumas delícias a partir da combinação. “Além de um brigadeiro de colher, faço sorvete vegano, e em ambos o avocado entra com a cremosidade necessária”, descreve.
Outro parceiro sempre presente é o limão — e não só pelo gostinho e pelo perfume. “O ácido ascórbico da fruta ajuda a combater aquele escurecimento do abacate”, explica Kristy. É que alterações nos tons esverdeados da polpa tendem a surgir com o passar do tempo.
No cardápio salgado, há um festival de opções. O chef Eloi utiliza o avocado em ceviches, peixes defumados, saladas, sopas frias e, não poderia faltar, no guacamole, a receita de origem mexicana que traz o abacate e um toque cítrico ao paladar.
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Na mesa do café da manhã, quem forma uma bela dupla com o Hass é o ovo. Isso mesmo! Seja pochê, seja mexido, ou mesmo junto ao fruto fatiado, temos uma combinação de sabores e nutrientes fantástica. Adicione a torrada por baixo e você tem o avocado toast, que virou mania mundial.
Começar o dia assim pode ser um jeito gostoso de prolongar a saciedade — e não ficar petiscando ou tendo ataques de gula mais tarde. A parceria com o ovo reúne gordura, proteína e fibra, trinca que desacelera o esvaziamento do estômago e favorece o controle do apetite, acionando toda uma rede de hormônios envolvidos com a fome.
Isso não é passaporte para excessos. Lembre-se de que o avocado continua sendo calórico. Quanto comer por dia? “É difícil recomendar uma quantidade, tudo depende do cotidiano de cada um, das atividades e do perfil do organismo”, afirma Camila Marques. Para encaixá-lo na dieta, portanto, a sugestão é manter o equilíbrio, respeitando gostos e quantidades. A fruta pode aparecer desde cedo até o jantar. Na entrada ou no prato principal.
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Reparou que todas as receitas citadas até aqui são de preparos frios? Por que será? Cozinheiros aconselham não levar o abacate ao fogo. O calor provoca reações químicas que podem deixá-lo com sabor amargo.
A culpa estaria numa substância conhecida como feofitina, que é produto da degradação da clorofila (aquela que dá a cor verde ao fruto). Além do rastro amargoso, ela interfere na coloração: do amarelo ou esverdeado, a polpa fica amarronzada e nada apetitosa.
Enquanto Moreira sugere acrescentar o avocado só ao final de pratos quentes, Kristy lembra que o ideal é sempre consumir o fruto logo após aberto para obter seu frescor sensorial.
Na hora das compras, alguns macetes auxiliam. A capa escura do Hass anuncia que ele está maduro: nuances arroxeadas, quase negras, avisam que o exemplar está no ponto. Você pode até apalpar suavemente (nunca apertar!) e olhar para eventuais machucados. O melhor é o fruto estar firme, nem mole, nem duro demais. E nem tente arrancar o cabinho em sua extremidade. Basta uma fresta para o alimento iniciar seu processo de deterioração, alerta Lígia.
Na feira ou em casa, não dá para bobear. Afinal, ninguém vai querer desperdiçar o que o chef Eloi chama de “iguaria”, esse pequeno e grande presente da natureza.
FAMÍLIA LATINA
Acostumados com os abacatões de casca verde, lisa e lustrosa conhecidos como tropicais ou manteiga, há quem estranhe a aparência do Hass, o avocado. Além de ser o menor de todos, quando maduro é envolvido por uma capa grossa, escura e toda enrugada. Ele e os demais abacates vêm do mesmo berço, que é latino-americano. Os tipos mais populares hoje derivam de três raças, a mexicana, a guatemalteca e a antilhana. “As diferenças entre as variedades se dão pela constituição genética de cada uma”, diz a agrônoma Ester Ferreira, da Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (Epamig). “Fazendo uma analogia, é como uma família, com irmãos que se distinguem entre si”, comenta.
A CULTURA DO AVOCADO
O abacate Hass é o mais procurado e consumido no mundo — Brasil é exceção
A Origem O pequenino surgiu nos EUA e é resultado do cruzamento de variedades provenientes do México e da Guatemala.
A Árvore Abacateiros têm potencial para crescer até 30 metros, mas, em plantios comerciais, alcançam de 3 a 5 metros de altura.
A Produção O México é o principal exportador de Hass. República Dominicana, Colômbia, Chile e Peru também aparecem no ranking dos produtores.
O Consumo Mexicanos também são os maiores fãs de todos os tipos de abacate. No topo dessa lista também estão os Estados Unidos, sobretudo a Califórnia
O Mercado Após os reveses da pandemia, observa-se uma expansão global, com aumento na demanda, principalmente na Europa.
O Brasil A maior parte do abacate Hass plantado aqui é destinada à exportação, mas o consumo nacional começa a ganhar fôlego.