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Quando a dieta dispara a acne

Ainda que o cardápio não possa levar toda a culpa, uma nova pesquisa reforça o elo entre certos ingredientes com o pipocar de cravos e espinhas

Por Regina Célia Pereira
Atualizado em 28 fev 2023, 18h01 - Publicado em 19 fev 2021, 13h56

Junte um bocado de estresse com a falta de sono ou o cigarro, acrescente desequilíbrios hormonais, sedentarismo e um menu repleto de ultraprocessados — ou seja, comida muito açucarada, refrigerantes, embutidos, salgadinhos engordurados, entre outros. Sem dúvida uma combinação que traz repercussões ruins ao corpo todo, incluindo, é claro, o maior dos nossos órgãos, a pele. Se a essa fórmula adicionarmos a escolha inadequada de cosméticos e o uso da máscara protetora contra o coronavírus por horas e horas (algo necessário, convém frisar), espinhas e cravos tendem a dar as caras.

Apontada como a queixa mais recorrente nos consultórios de dermatologia no país, a acne ocorre principalmente na adolescência, devido às ebulições hormonais. Ultimamente, entretanto, nota-se um aumento da prevalência na população adulta, sobretudo entre as mulheres. Apesar do forte componente genético por trás do quadro, as condições listadas acima ajudam a entender os motivos da alta de casos. Soa a clichê, mas são efeitos dos atropelos dos tempos modernos.

Uma revisão de estudos, realizada por médicos da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), confirma o estilo de vida como desencadeante para o que se chama de “acne da mulher adulta”. “Por isso, o manejo requer diferentes estratégias a fim de atenuar o problema”, argumenta a dermatologista Ediléia Bagatin, líder do trabalho e coordenadora do Departamento de Cosmiatria da Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD).

A acne é definida como uma doença crônica multifatorial, relacionada com alterações na composição da gordura liberada pelas glândulas sebáceas, além de aumento nessa produção. Tal descontrole favorece a proliferação das bactérias Cutibacterium acnes, ativando uma reação do nosso sistema imune — o resultado é a inflamação. Surgem lesões, pontos de pus, inchaço e vermelhidão. Mas as consequências vão além da estética: não raro há impacto na autoestima e na saúde psicológica. Daí a urgência no tratamento.

Para isso, entram em cena desde medicamentos até loções, passando por sabonetes especiais e ajustes na rotina. Só não deve haver espaço para proibições e tabus. “Ao contrário do que muita gente pensa, o chocolate não precisa ser abolido”, exemplifica a dermatologista Máira Astur, da Unifesp. Dentro de um contexto equilibrado e recheado de boas escolhas, há lugar para o doce. A médica acredita que é fundamental desfazer mitos e escapar de generalizações. “As prescrições são individualizadas, tendo como base exames e a sensibilidade de cada paciente”, defende.

Embora a literatura científica some dezenas e dezenas de evidências, a verdade é que ainda reinam controvérsias quando a questão envolve especificamente a influência do padrão alimentar sobre a pele. Recentemente, um grupo de cientistas franceses revolveu ir atrás de respostas. Para a pesquisa, batizada de NutriNet-Santé, 24 452 voluntários completaram um questionário online. Eles responderam sobre a ocorrência de espinhas no passado e no presente e ainda detalharam seus hábitos à mesa. É o que os experts chamam de estudo observacional, que ajuda a levantar hipóteses.

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A partir dos dados coletados, eles notaram uma relação significativa entre a presença de acne e o consumo de alimentos ricos em gorduras, bebidas e outros itens açucarados, além de leite e derivados. Os resultados foram publicados no conceituado periódico JAMA Dermatology. “Trata-se de uma revista importante, e o trabalho engloba um número grande de participantes. Mas devemos ressaltar que os voluntários podem ter confundido o conceito de acne, já que muitas doenças de pele têm características parecidas”, pondera a professora Ediléia, que menciona ainda equívocos comuns quando os indivíduos descrevem a própria dieta nesse tipo de estudo. Mesmo que sejam necessárias mais pesquisas para bater o martelo, não custa reforçar que o zelo com o cardápio é bem-vindo em todos os contextos e favorece o organismo inteiro. E a saúde vai se refletir no espelho.

Sempre que se fala em comida que piora a acne, o primeiro item a ser mencionado é o chocolate — não à toa foi usado como exemplo pela doutora Máira. Pois é, o derivado de cacau carrega polêmicas. Para quem devora grandes quantidades, realmente as consequências diante do espelho podem ser desagradáveis. Em pequenas doses, entretanto, dá para incluir no cotidiano. Outra dica é dar preferência aos tipos mais amargos. A médica Marcella Garcez, da Associação Brasileira de Nutrologia (Abran), recomenda os que contêm pelo menos 70% de cacau na formulação — são eles que concentram mais substâncias protetoras.

Suspeita-se que a má fama do doce tenha surgido pela alta concentração de gordura e açúcar que algumas versões apresentam. No estudo francês, a iguaria é citada justamente por essas características. E excessos açucarados, vindos de uma dieta abarrotada de guloseimas e bebidas industrializadas, somam o maior número de evidências em relação ao agravamento das espinhas pelo rosto. Alguns estudiosos justificam o fenômeno pelo chamado índice glicêmico (IG), que classifica as fontes de carboidrato de acordo com a velocidade com que a glicose cai em nossa circulação.

Biscoitos e bolos produzidos com farinha refinada, além de refrigerantes e sucos de caixinha, são exemplos de produtos de alto IG. A nutricionista Silvia Ramos, do Conselho Regional de Nutricionistas da 3ª Região (SP/MS), explica que eles são rapidamente absorvidos no organismo, elevando, portanto, a glicemia. “Aí, o pâncreas libera grande quantidade do hormônio insulina para compensar o aumento do açúcar na corrente sanguínea”, ensina. Acontece que, se esse evento se dá rotineiramente, dispara um verdadeiro desarranjo hormonal capaz de interferir no funcionamento das glândulas sebáceas, intensificando a oleosidade da pele. Aliás, não custa salientar, o organismo inteiro é prejudicado por essa bagunça.

Além de cautela com a quantidade consumida, as combinações fazem toda a diferença nesse contexto. Para equilibrar o índice glicêmico, um truque é juntar itens de médio ou alto IG com boas fontes de fibras, porque elas desaceleram a liberação de açúcar no sangue. Para quem gosta de cozinhar, vale incluir grãos integrais nas receitas, por exemplo. Veja: especialistas jamais recomendariam banir totalmente as doçuras do menu, mesmo porque a vida ficaria muito sem graça sem as sobremesas. E proibições estão bastante ultrapassadas. O segredo, como sempre, está na parcimônia.

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“A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda o consumo de até 18,2 quilos de açúcar por pessoa ao ano, o equivalente a 50 gramas por dia. Mas, segundo o Ministério da Saúde, o brasileiro come, em média, cerca de 80 gramas diários”, contextualiza Marcella. Para a nutróloga, um dos grandes equívocos é incluir refris e outras bebidas açucaradas na rotina. “O ideal seria aprender, desde a infância, a matar a sede com água”, afirma.

Leite na mira?

Nos questionários avaliados pelos pesquisadores franceses, o consumo excessivo de laticínios também esteve ligado à aparição de cravos e espinhas. “Foi encontrada essa associação, mas ela não era tão robusta quanto o que se viu com o açúcar”, observa a nutricionista Chris Castro, especialista em estética facial da capital paulista. Segundo ela, o elo se dá, de fato, entre aquelas pessoas com certa predisposição à acne e que já não têm boa aceitação ao leite e seus derivados, caso dos intolerantes à lactose.

Outros estudos já mostraram que os lácteos, incluindo os desnatados, podem colaborar para o incremento na produção do fator de crescimento insulínico-1, substância conhecida pela sigla IGF-1. Ela seria capaz de estimular hormônios andrógenos, que, por sua vez, interferem na fabricação de sebo na pele. “Muitos pacientes relatam o aumento de acne, sobretudo na região das costas, ao iniciarem a suplementação com whey protein, que é a proteína do soro do leite”, ilustra a nutricionista Ana Beatriz Barrella, do Departamento de Ginecologia do Esporte da Unifesp.

De qualquer maneira, a retirada dos laticínios da dieta jamais deve ser feita sem orientação de um profissional. Afinal, esse grupo é o melhor fornecedor de cálcio. E os especialistas avisam que, para evitar a temida osteoporose, é imprescindível que o esqueleto acumule o mineral até os 30 anos, porque há perdas acentuadas depois dessa idade.

alimentos que causam acne
(Fotos: Bonchan/Getty Images (pastel), Alex Silva (donut) e Dulla (queijo)/SAÚDE é Vital)

Na pesquisa francesa, as fontes de gordura não escaparam da berlinda. De novo, o chabu está atrelado à abundância. O tipo saturado e a trans, que aparecem na banha de porco, na picanha, no coco, nos salgadinhos, nos sorvetes cremosos e nos biscoitos, merecem um capítulo à parte. Há sinais de que altas doses dessas versões podem atrapalhar a captação de glicose e, quando esse mecanismo se repete incansavelmente, sobe o risco de se criar uma resistência à ação da insulina — o hormônio que tira o açúcar de circulação. Um processo perigoso, que pode interferir na atuação de glândulas espalhadas pelas superfícies do corpo, disparando inflamação e produção de sebo.

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Mirando a classe das gorduras insaturadas, Chris Castro ressalta um erro comum nos pratos: a falta de equilíbrio entre os ômegas 3 e 6. O que se nota é uma grande desproporção a favor do 6, até porque ele está em óleos vegetais, como o de soja e o de milho, comuns na cozinha. Já o ômega-3 é encontrado em pescados, como a sardinha, e em sementes, caso da chia e da linhaça. Esse desarranjo é corriqueiro no que os experts chamam de “dieta de padrão ocidental”, marcada pela predileção por itens ultraprocessados. A sugestão é buscar a harmonia dos ômegas, incrementando o cardápio com os já mencionados peixes e grãos, e reduzindo as frituras, por exemplo. Não faltam pesquisas demonstrando o efeito anti-inflamatório do ômega-3.

Para o bem da pele

Sem deixar de lado o bom senso, o menu ainda deve contemplar as gorduras monoinsaturadas do abacate, das castanhas e, claro, do azeite de oliva, a estrela maior da dieta do Mediterrâneo. Não tem jeito: ela nunca fica de fora nos assuntos de nutrição. Um estudo italiano atesta os poderes desse estilo de cardápio contra a acne. Lembrando que ele é considerado Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade pela Unesco, e que vai muito além do prato — contempla cultura, ambiente, atividade física, numa mistura saborosa e de qualidade. A sinergia de elementos protetores ajuda a explicar sua boa fama. “Não se deve focar em um ou outro alimento, mas sim em um contexto”, assinala a nutricionista Natália Barros, de São Paulo.

A exemplo dos povos que vivem às margens do Mar Mediterrâneo, abrir espaço para hortaliças, frutas, verduras, grãos e pescados faz muito pela saúde da cútis. A professora Ediléia relembra um antigo trabalho, publicado no periódico JAMA Dermatology, que aponta essa relação a partir da análise de populações que viviam nas ilhas da Papua-Nova Guiné e no Paraguai. Ora, privilegiar vegetais em todas as refeições garante o aporte de compostos benéficos, entre os quais os flavonoides. Dentro dessa classe de fitoquímicos, há uma lista de cúmplices, que vai de ácido gálico e catequinas até antocianinas. Frutas como uva, mirtilo, açaí, jabuticaba, amora, cereja, entre tantas berries, são aliadas da vitalidade cutânea.

Capriche em cenoura, mamão, abóbora, pêssego e outros ingredientes alaranjados para assegurar os carotenoides. “Há evidências de seu desempenho positivo como coadjuvantes no tratamento da acne”, esclarece a nutricionista Ana Beatriz. Tanto os flavonoides quanto os carotenos têm poder antioxidante. Significa que atenuam os estragos causados pelos radicais livres, moléculas que precisam roubar elétrons para se estabilizar e, no meio do caminho, provocam uma cascata de distúrbios nas membranas, no DNA e em outras estruturas das células. É estrago por todo canto!

Para completar, quanto maior a variedade de vegetais, mais fibras. Elas contribuem para a digestão e, com isso, promovem a eliminação de toxinas do organismo, processo que se reflete na pele. Tudo a ver com a microbiota intestinal. Natália explica que o termo refere-se à comunidade de micro-organismos que habitam nosso intestino — para ela ficar em paz, é crucial que as bactérias do bem prevaleçam sobre as patogênicas. “Para ajustar esse ecossistema, a dica é eleger ingredientes in natura e minimamente processados”, orienta. Os alimentos probióticos e prebióticos sobressaem nesse sentido. Enquanto a primeira turma fornece as desejadas bactérias, a segunda cumpre o papel de nutri-las, o que auxilia em sua multiplicação e perpetuação. Aveia, aspargos, cebola e chicória, além de kefir, kombucha e leites fermentados, são opções interessantes para alcançar esse ajuste fino.

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Não param de surgir indícios de que esse cuidado com a microbiota interfere na produção de substâncias pró-inflamatórias e contribui para a eficácia do tratamento da acne, reduzindo a oleosidade e atenuando as lesões. Se o que entra no prato agrega muitos pontos, o que enche o copo não é menos valioso para combater espinhas e cravos. Estima-se que 70% do nosso organismo é pura água. Assim, qualquer déficit é prejuízo na certa. Em nome de uma pele equilibrada, que tal aderir à recomendação de beber cerca de 2 litros diariamente? No fim das contas, são arranjos que agradam o corpo inteiro — e o maior órgão de todos vai deixar isso bem evidente.

alimentos que evitam a acne
(Foto: Alex Silva/A2 Estúdio)

Acne versão 2.0

Mais comum na adolescência, a acne pode persistir em quem já passou dessa fase, especialmente na ala feminina — o risco é maior para quem tem a síndrome do ovário policístico. Daí ser denominada acne da mulher adulta. Estima-se que atinja 16 milhões de brasileiras, e a média de idade seja de 34 anos. Nessa fase, um diferencial é que as glândulas sebáceas também são capazes de fabricar hormônios andrógenos, turbinando a oleosidade.

Sem falar que exibem maior atividade de certos receptores celulares na pele. Chamados de TLR-2, eles fazem parte do sistema imunológico. E, quanto mais ativos, maior a resposta inflamatória. As espinhas tendem a surgir na região da mandíbula, queixo e pescoço, o que difere dos adolescentes — neles, elas aparecem na testa, nariz e bochechas.

Emoções à flor da pele

Não bastasse o incômodo trazido pela inflamação, que muitas vezes deixa a região dolorida, as espinhas têm potencial de abalar a autoestima. Tanto adolescentes como adultos podem inclusive encarar dificuldades na vida social. Para a dermatologista Shirlei Borelli, pesquisadora do Centro de Estudos do Envelhecimento da Unifesp, é preciso ter cuidado com radicalismos à mesa para não agravar o impacto emocional. “O paciente não deve se sentir culpado quando come um bombom”, exemplifica a médica.

A abordagem deve ser delicada. Alguns sentimentos, caso da angústia ou preocupação excessiva, são capazes de levar ao aumento de cortisol — o hormônio do estresse — e trazer outras alterações que intensificam as manifestações da doença.

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Siga de máscara

Além de trazer à tona diversos temores, a pandemia de Covid-19 acentuou a preocupação com a pele. É que as máscaras, obrigatórias para reduzir a transmissão do vírus, acabam promovendo a oleosidade. Isso leva à proliferação bacteriana e, claro, ao surgimento de espinhas.

Aos que já apresentam acne, mas precisam do acessório por longos períodos — caso de profissionais de saúde —, a dica da dermatologista Máira é trocá-lo a cada três horas e reforçar a rotina de cuidados. São indicados sabonetes especiais, além de produtos de ação adstringente e secativa. Em algumas situações, recomendam-se medicamentos a fim de combater as inflamações e prevenir cicatrizes. O que não dá é para abandonar a máscara.

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