Manteiga ghee: vale apostar nos seus benefícios?
A resposta não é tão simples. Saiba o que deve ser levado em conta antes de celebrar a ghee como o alimento do momento
Apesar de estar na crista da onda nutricional, não dá para dizer que a manteiga ghee é exatamente uma nova moda. Sua origem remonta a tradições milenares na Índia, onde foi apelidada de “ouro líquido”. “A população de lá a utiliza em preparações culinárias e terapêuticas há tempos”, conta a culinarista e terapeuta ayurveda Xanda Fogaça, de São Paulo.
“A ghee é vista como um alimento especial porque é fornecida pela vaca, o animal mais sagrado da Terra para o povo indiano”, completa. Na medicina tradicional hindu, a manteiga representa um santo remédio contra inflamações gastrointestinais e um elixir para a imunidade, além de parceira na purificação e na desintoxicação do corpo.
O resto do mundo demorou um pouco mais para conhecer o produto e se afeiçoar a ele. Sua hora só chegou quando a gordura deixou de ser vista como um monstro na dieta.
“A ghee vem acumulando adeptos no Brasil, e são pessoas que buscam um estilo de vida mais saudável”, analisa a engenheira de alimentos Juliana Neves Rodrigues Ract, professora da Universidade de São Paulo. “Ela é indicada por nutricionistas em substituição à manteiga tradicional e, principalmente, às margarinas, por suas supostas propriedades. Já chegou até à alta gastronomia“, diz.
Mas de onde vem seu apelo? “Durante o processo de clarificação, a manteiga ghee é derretida em banho-maria. Os resíduos vão para a superfície, formando uma camada de espuma densa. Essa é retirada várias vezes até sobrar só o óleo dourado e transparente, livre de água, elementos sólidos, toxinas e açúcares do leite“, explica Xanda.
Os intolerantes à lactose são especialmente beneficiados por isso. “Como todos os componentes sólidos, incluindo a lactose, são removidos durante a fervura, a ghee é mesmo mais indicada para quem tem esse problema“, confirma a nutricionista Clarissa Hiwatashi Fujiwara, da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (Abeso).
Só que a quantidade de resíduos descartados depende do modo de preparo. Dessa forma, em caso de intolerância severa, é melhor optar pelas versões industrializadas de ghee: “Como temperatura, tempo e velocidade de aquecimento e resfriamento são controlados com uma precisão muito maior, o produto final é mais puro e homogêneo”, justifica Clarissa.
É o puro creme… de gordura!
Como não possui água, proteínas ou carboidratos, 100% das calorias da ghee são provenientes somente de gordura mesmo. Em resumo, é um alimento com alta densidade energética – uma colher de sopa tem incríveis 120 calorias. “Por isso ela não deveria ser consumida por quem precisa perder peso”, diz o médico Francisco Tostes, da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (Sbem).
Mas é o tipo de gordura, a saturada, que gera mais debate quando o assunto é o tal ouro líquido. “Ela é reduto de triglicerídeos de cadeia média, ou TCM. Essas versões são digeridas e metabolizadas rapidamente pelo corpo. Por serem fontes de energia imediata, indico especialmente para quem pratica esportes”, diz a nutricionista esportiva Gabriela Cilla, de São Paulo.
O porém: não há consenso sobre esse efeito e, pior, existem indícios de que os TCMs podem disparar um processo inflamatório no organismo.
Então, melhor não esperar efeitos milagrosos. “Na verdade, a ghee tem ácidos graxos saturados exatamente iguais aos da manteiga convencional, que, ok, até ajudam a aumentar o colesterol bom, o HDL, mas também elevam o LDL, ruim”, pondera Clarissa. “Logo, o excesso pode contribuir para doenças cardiovasculares“, acrescenta a nutricionista da Abeso.
O que há de definido: ninguém deve consumir mais de 10% das calorias diárias em forma de gordura saturada – a ghee entra na conta, assim como a manteiga regular, a carne vermelha, o leite…
As outras propriedades e nutrientes da ghee
Mas, se o ingrediente amado pelos indianos não ajuda muito quando precisamos maneirar nos itens gordurosos, pode ser uma opção para quem deve pegar leve no sódio – mineral cujo abuso faz subir a pressão. “O teor dele na ghee é zero”, assegura a nutricionista Yasmin Gonzalez, que clinica no Rio de Janeiro. “Para isso, claro, ela deve ser feita com manteiga sem adição do ingrediente”, observa.
Agora, se está buscando na ghee a solução para outras questões, como retardar a demência ou prevenir o câncer (como já foi propagado por aí), é bom saber que não há estudos conclusivos sobre essas propriedades. Hoje, o que se pode dizer com certeza é que se trata de uma opção culinária segura. Seu ponto de fumaça é mais elevado que o da manteiga convencional (252 ºC contra 177 ºC). Nesse quesito, a ghee ainda ganha do azeite de oliva extravirgem (207 ºC), do óleo de coco (177 ºC) e do óleo de canola (204 ºC).
“Significa que ela suporta temperaturas bastante elevadas por um período mais prolongado”, explica Clarissa. “Isso é positivo porque, assim, não há liberação de substâncias nocivas à saúde, como a acroleína, associada ao câncer”, descreve.
“A ghee pode ser incorporada ao menu desde que divida espaço com outras fontes de gorduras, como as insaturadas do azeite, das castanhas, do abacate…”, orienta a expert da Abeso.
Outra dica: preste atenção ao guardá-la. “No processo de preparo, a gordura é fervida e fica em contato com o oxigênio do ar. Ou seja, é exposta a dois fatores que desencadeiam sua oxidação”, nota Juliana. “E o processo de degradação continua ainda mais rapidamente se o produto receber luz”, avisa.
O ideal, portanto, é manter a ghee em armário fechado. Ela não vai derreter – a menos que você coloque no pão quentinho, como qualquer manteiga que se preze.
Manteiga ghee versus convencional
Os dois produtos empatam em muitos aspectos – mas a ghee perde no quesito calorias. “Ela não contém proteínas lácteas e lactose, por isso é 100% gordura. O que aumenta um pouco sua densidade calórica, isto é, a relação de calorias por grama do alimento”, ensina a nutricionista Clarissa Fujiwara.
Mas a discrepância não é tão grande: uma colher de sopa de ghee fornece cerca de 120 calorias, enquanto a manteiga tradicional, 102.
A versão indiana ganha quando o foco é sódio, o mineral que, em excesso, eleva a pressão: zero miligrama na porção. Se preferir a comum, basta comprar a opção sem sal. Confira abaixo uma comparação de nutrientes (os valores correspondem a 100 gramas dos alimentos):
Energia
Manteiga ghee – 900 cal
Comum sem sal – 717 cal
Proteínas
Manteiga ghee – 0 g
Comum sem sal – 0,8 g
Gorduras
Manteiga ghee – 100 g
Comum sem sal – 81 g
Carboidratos
Manteiga ghee – 0 g
Comum sem sal – 0,06 g
Fibras
Manteiga ghee – 0 g
Comum sem sal – 0 g
Sódio
Manteiga ghee – 0 mg
Comum sem sal – 11 mg
O passo a passo para obter a ghee na sua própria cozinha
1. Coloque a manteiga sem sal em um recipiente de vidro ou pedra e leve para derreter em banho-maria.
2. Use o fogo baixo para não queimar – não precisa mexer. Ao levantar fervura, tire a espuma suspensa com uma colher.
3. Repita o processo até que sobre só um líquido claro e sem impurezas. Desligue o fogo, deixe esfriar e coe com um pano fino.
4. Coloque em um pote de vidro fechado. Leve ao freezer até endurecer. Aí, pode guardar fora da geladeira por até três meses.
O que você deve considerar ao levar a ghee para as receitas diárias
1. Não é preciso adaptar a medida. “Mesmo com mais gordura, a ghee deve ser usada na mesma proporção que a manteiga normal”, diz Yasmin.
2. Mas é válido não perder as calorias de vista: a ghee tem mais energia que a mesma quantidade em gramas da manteiga tradicional.
3. A ghee é mais estável e não libera toxinas quando aquecida em altas temperaturas. Por isso, é melhor para fritar e grelhar os alimentos.
4. O sabor e a textura da manteiga indiana não sofrem alterações quando ela é cozida. Mesmo assim, não agrada o paladar de todo mundo.