Para além da variedade de marcas esportivas presentes no mercado hoje, surpreende a gama de produtos com funções específicas que essas empresas oferecem. “Obviamente, há aqueles itens supérfluos. Mas também tem muita tecnologia capaz de fazer a diferença no treino”, avalia Antonio Herbert Lancha Jr., profissional de educação física da Universidade de São Paulo (USP). Ele dá o exemplo das roupas com sistema de controle de temperatura, que ajudam a dissipar o suor. “Assim, evitam a interferência da temperatura e da umidade no rendimento”, explica.
Mas até quem não é superligado em performance pode ser impactado pela escolha do vestuário esportivo na rotina — especialmente se estiver saindo do sedentarismo. “Qualquer peça que cause incômodo é um motivo a mais para deixar de se exercitar”, observa o médico do esporte Jomar Souza, da Sociedade Brasileira de Medicina do Exercício e do Esporte (SBMEE). Isso vale para a camiseta que não ventila, o top que não dá suporte aos seios ou o calçado que aperta o dedão.
Quando o desconforto é intenso, perde-se até a concentração na atividade, como revela uma experiência da Universidade de Toronto, no Canadá. Ao avaliar 80 mulheres de 18 a 35 anos, os profissionais notaram que aquelas designadas a vestir roupas justas demais focavam menos na execução da tarefa visual-motora do que as participantes com peças soltinhas. Para os autores da pesquisa, não há nada errado em malhar com roupa colada. Porém, em uma parcela da população, isso pode desviar a atenção do movimento e atrapalhar o desempenho. Mais do que estilo, fazer boas escolhas garante plena adesão a uma vida ativa. Então, que tal explorar esse universo item por item?
Relógios inteligentes
Há inúmeros modelos, com diversas funções — desde mostrar gasto calórico até monitorar a frequência cardíaca. Para Cléa Colombo, presidente do Grupo de Estudos em Cardiologia do Esporte da Sociedade Brasileira de Cardiologia, embora não seja um item essencial, esse tipo de dispositivo auxilia na análise da saúde e também da evolução do treino. “O relógio consegue dar uma ideia se, durante o exercício, você está na faixa de intensidade que deseja”, exemplifica.
Se for comprar, vale rastrear quais são voltados aos esportes, que tendem a trazer dados mais confiáveis — e, mesmo assim, é bom ter em mente que a acurácia não é perfeita.
O profissional de educação física Ragami Chaves, pós-doutorando na Universidade Federal do Paraná (UFPR), acredita que a função mais bacana desses relógios é a de medir os passos. “Às vezes a pessoa treina, mas passa o dia sentada”, declara. E tal hábito pode botar tudo a perder.
Top
Pesquisadores da Universidade de Wollongong, na Austrália, calculam que até 70% das mulheres sentem desconforto nos seios por causa de exercícios que envolvem correr e pular — e isso faz com que muitas reduzam ou desconsiderem a prática esportiva. Daí a importância de comprar o top certo.
A marca Track&Field, por exemplo, tem modelos próprios para cada tipo de atividade — algo visto como essencial pelos experts australianos. Afinal, enquanto a musculação traz baixo impacto, a corrida exige atenção redobrada. “Garantimos o suporte por meio de alças mais largas e resistentes, e utilizamos tecidos de corpo e forro com maior compressão e regulagem”, informa a companhia.
O médico Jomar Souza lembra que costumam ocorrer dor e aumento no volume dos seios nos períodos pré-menstrual e menstrual. “Por isso, o ideal é contar com um top exclusivo para essa fase”, orienta. E nada de sutiã! Seu tecido não é feito para esporte.
A seguir, veja algumas questões que devem ser levadas em consideração ao escolher a peça:
Atividade: Ao fazer exercícios de alto impacto e com saltos (como corrida), o top deve dar bastante suporte. Já na musculação, na ioga e no pilates, os seios não se mexem tanto.
Idade: Com o passar dos anos, a elasticidade da pele diminui, interferindo no apoio dado às mamas. Logo, mulheres mais velhas precisam de melhor sustentação.
Tamanho dos seios: Como dá para imaginar, peitos maiores são mais pesados e, em consequência, demandam tops que tenham um sistema de suporte mais aprimorado.
Tipo de tecido: O acessório deve ser feito de um material que permita a evaporação do suor, mantendo a pele fresca — e sem causar irritação. É imprescindível que seja elástico.
Perfeito de cara: Evite comprar o top pela internet. E, ao prová-lo, não caia no papo do vendedor de que a peça se ajustará melhor com o decorrer do tempo. Tem que servir na hora.
Calças e bermudas
Para quem corre, os shorts mais ajustados trazem vantagens. “Eles impedem o atrito de uma perna com a outra, reduzindo o risco de lesão”, pontua Lancha Jr. O pesadelo aqui são as assaduras, favorecidas ainda pela transpiração e pelo movimento repetitivo.
Outra recomendação é inclusive que o tecido seja respirável. “Ele facilita a eliminação do suor, evitando a umidade e o mau cheiro”, afirma Julia Sakai, especialista de produtos da marca Under Armour. Para outros treinos, os shorts podem ser mais folgados. Ao escolher a calça, lembre-se de que ela precisa respeitar a amplitude dos movimentos — caso contrário, há o perigo de rasgar.
Hoje muitos modelos têm uma tecnologia de compressão. Para o médico Bruno Naves, presidente da Sociedade Brasileira de Angiologia e de Cirurgia Vascular (SBACV), eles são bem-vindos a atividades intensas. “É como se a musculatura ganhasse apoio. Aí fica mais eficiente”, justifica.
Bonés
Na pandemia do coronavírus, uma porção de gente passou a se exercitar ao ar livre. Mas, de dia, o hábito requer cuidados especiais, como o uso de bonés. “Vemos muitos casos de câncer no couro cabeludo, principalmente em quem tem menos cabelo”, avisa Caio Lamunier, dermatologista do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (Icesp).
Ora, a radiação vai imediatamente na cuca — e ali não dá para passar protetor solar direito. “A face também precisa ser protegida”, reforça o médico, lembrando a possibilidade de surgimento de tumores no nariz e canto dos olhos. Como o filtro solar escorre com o suor, a aba de bonés e viseiras gera uma sombrinha pra lá de providencial.
O oftalmologista Wallace Chamon, do Conselho Brasileiro de Oftalmologia, aponta que certas doenças oculares, como a catarata, são ligadas à maior exposição solar. Mais uma razão para recorrer a bonés, viseiras e até óculos esportivos. “Eles evitam o sol direto nos olhos”, crava.
Tênis
Segundo o ortopedista Pedro Baches Jorge, da Clínica SO.U, em São Paulo, três fatores devem guiar a busca pelo calçado perfeito: prevenção de lesões, performance e conforto. “Tudo de acordo com o esporte praticado”, acrescenta. Para ele, é indispensável chegar ao melhor modelo possível. “Se a escolha for ruim e surgir qualquer sintoma, como uma tendinite lateral, a pessoa já vai desanimar”, relata.
Descobrir o tipo de pisada facilita, mas Baches ressalta que há muitas variáveis nesse aspecto, já que o pé se divide em três áreas e cada uma pode ter vários formatos. “Na dúvida, opte por um modelo neutro, que atende a maior parte da população”, orienta Souza.
Na hora da compra, o mais indicado é visitar a loja pessoalmente — e no fim do dia, quando o pé está inchadinho, o que também ocorre ao se exercitar. “É importante provar os dois lados, já que dificilmente os pés são de tamanhos iguais”, informa Souza. Fuja de modelos muito apertados.
Cabe lembrar que o tipo de atividade define atributos básicos que o tênis deve ter. Veja alguns exemplos:
Bicicleta: Para não escorregar, opte pela sola antiderrapante. No nível avançado, o desempenho melhora ao andar clipado — com a sapatilha presa ao pedal. Mas isso requer experiência!
Caminhada e corrida: O calçado precisa dispor de um sistema de amortecimento eficiente, que devolve a energia ao corpo após a pisada. O tecido não pode deixar a área abafada.
Musculação: Conforto é palavra de ordem, já que o impacto aqui não é preocupante. Uma base mais larga é desejada, já que proporciona estabilidade e menor perigo de entorses.
Esportes de quadra: Como há muitos piques, deve ter controle de tração — isto é, prender o pé no solo, mas sem travar. Outras minúcias, como altura do cano, dependem da modalidade.
Meia
É interessante estar com ela na hora de provar o tênis. Afinal, a dupla exige sintonia. Sem esse ajuste fino, o pé pode sair abalado. A dermatologista Juliana Toma, da capital paulista, cita o risco de surgirem calos e bolhas — encrencas capazes de afastar o indivíduo do treino.
Se a meia não for de um tecido respirável, outro tormento comum é a micose, a infecção fúngica popularmente chamada de frieira. “Materiais que seguram a transpiração não são apropriados”, ensina Juliana. Em atividades intensas e longas, como uma maratona, a versão de compressão traz vantagens. “Ela melhora a circulação do sangue e contribui para a recuperação”, descreve o presidente da SBACV.
Já convive com as varizes, aquelas veias tortuosas e dilatadas? Aí a meia de compressão é aliada em qualquer esporte. “Primeiro, o indivíduo deve deitar com as pernas pra cima por uns dez minutos para esvaziá-las. Só depois veste a meia”, orienta Naves. O modelo pode ser 3/4, que não vai até o joelho.
Camiseta
Há incontáveis modelos, mas obrigatório mesmo é que a peça auxilie na evaporação do suor. “Isso evita possíveis quadros de hipertemia, quando a temperatura sobe demais”, descreve Souza. A marca Track&Field dá mais uma razão para investir na tecnologia: a roupa encharcada de suor fica pesada, atrapalhando a mobilidade.
Agora, se a camiseta será mais larguinha ou colada, aí é do gosto do freguês. “Produtos mais justos devem ter elastano nos dois sentidos do tecido para favorecer os movimentos”, repara Julia, da Under Armour. Até porque, como bem lembra Chaves, há a tendência de o músculo inchar durante atividades como a musculação.
Nos dias frios, para quem malha na rua, a melhor opção é a jaqueta corta-vento. “O maior benefício é amenizar a sensação térmica”, nota Julia. Muitas possuem detalhes refletivos, que dão segurança à noite. A Track&Field tem uma versão que vira até uma minibolsa, e pode ser presa ao braço.
Sob o sol
Embora uma camiseta comum já nos proteja em certa medida dos raios solares — prova disso são as marcas que ficam nos braços e no pescoço —, há peças que apresentam tecnologia especial para essa blindagem. Por isso, são mais eficientes. “Elas realmente bloqueiam a radiação, e sem nos deixar com muito calor”, avalia Lamunier. Assim, para exercícios de dia, ao ar livre, compensam muito. De qualquer forma, o conselho do médico é evitar a exposição ao sol entre 10 e 16 horas, período de alta incidência de raios ultravioleta que queimam mais a pele.