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Índice glicêmico: na montanha-russa do açúcar

Cientistas acabam de realizar uma revisão sobre essa medida que aponta quanto um alimento faz o açúcar subir no sangue. Afinal, como ela mexe com a saúde?

Por Regina Célia Pereira
Atualizado em 30 nov 2021, 13h04 - Publicado em 30 nov 2021, 13h04
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  • Há temas, no universo da nutrição, que parecem seguir o movimento de um carrossel. Eles vão e vêm de tempos em tempos, ainda mais se o assunto girar em torno de peso, dieta e ingredientes como o açúcar. Com o índice glicêmico, o IG, tem sido assim.

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    Entre idas e vindas, críticas e defesas, essa medida da velocidade com que o corpo transforma em glicose um alimento já esteve atrelada a regimes da moda, mas não perdeu seu alicerce científico.

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    O conceito, para continuarmos nas metáforas do parque de diversões, remete a uma montanha-russa, com as subidas e descidas dos níveis de açúcar no sangue. Afinal, o IG é uma classificação criada para mensurar o efeito de itens ricos em carboidratos (de frutas a doces) na glicemia.

    Tem tudo a ver com o ritmo de entrada das moléculas de glicose geradas pela digestão nas nossas células. Se isso for ligeiro, o IG é alto. É vagaroso? O número é baixo. De modo geral, produtos refinados, feitos de farinha branca, caem no primeiro grupo. No segundo, entram os itens integrais, redutos de fibras.

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    No cenário ideal, o fornecimento de glicose para as células deve ser gradual. Isso ajuda a modular a liberação de hormônios, como a insulina, e os sinais cerebrais da saciedade. Se esse processo ocorre em alta velocidade, o tempo todo, o corpo tende a pegar um atalho para a obesidade e o diabetes.

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    Colocando desse jeito, parece fácil e, por que não, uma fórmula mágica para emagrecer. “Mas não se trata de algo tão simples, já que muitas variáveis precisam ser consideradas no cálculo do IG”, pondera a nutricionista Eliana Bistriche Giuntini, do Centro de Pesquisa em Alimentos (FoRC) da Universidade de São Paulo (USP).

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    A estudiosa integra a equipe responsável pela Tabela Brasileira de Composição de Alimentos (TBCA), que traz, entre outras informações, dados do impacto glicêmico de comes e bebes. Segundo ela, interpretações erradas ou descontextualizadas do IG podem levar a escolhas inapropriadas.

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    Doce glossário

    Entenda o significado dos termos que protagonizam esta reportagem

    Vejamos: frutas como a melancia costumam despontar na parte superior dos gráficos de índice glicêmico, sendo frequentemente injustiçadas com a pecha de poços de açúcar. “Mas não dá para tachar determinados alimentos e excluí-los definitivamente do cardápio”, defende a nutricionista Maristela Strufaldi, da Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD).

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    A palavra-chave aqui é contexto, e, dentro dele, Maristela sublinha que precisamos levar em conta a chamada carga glicêmica, uma medida que combina o IG à quantidade de carboidrato consumida. Resumindo: além da velocidade, a carga também pesa.

    Outras questões influem na medida do IG: modo de preparo, formulação pela indústria e até o clima e o terreno onde o alimento foi cultivado. E todos esses fatores são acatados numa revisão recém-publicada no periódico The American Journal of Clinical Nutrition, que lista e atualiza mais de 4 mil itens, entre naturais e processados, com base no índice glicêmico.

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    “A nova tabela poderá auxiliar nas pesquisas sobre o elo entre a resposta metabólica aos alimentos e o risco de desenvolver doenças como diabetes tipo 2, males cardiovasculares e tumores como os de mama”, diz Jennie Brand-Miller, Ph.D. em nutrição e coautora do trabalho.

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    Lá se vão 40 anos desde que cientistas canadenses se lançaram a medir a velocidade de conversão dos alimentos em glicose e a difundir o IG. No centro das atenções, sempre estiveram as fontes de carboidrato. São elas que se transformam mais rapidamente em açúcar dentro do organismo.

    “O carboidrato leva de 15 minutos a duas horas para ser absorvido, enquanto a proteína varia de três a quatro horas e a gordura pode chegar a cinco horas”, compara a nutricionista Natalia Barros, mestre em ciências pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

    Repare aí que alguns carboidratos demoram mais e outros menos para desintegrar e virar energia. “Sobre essa disparidade, diversos fatores interferem, como a estrutura molecular do alimento”, esclarece a nutricionista Ticiane Bovi, pesquisadora da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

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    E lá vamos nós revisitar alguns conceitos das aulas de química. O carboidrato do tipo simples reúne um menor número de moléculas de glicose — a sacarose do açúcar branco é um exemplo. Essa turma chega mais depressa às células, tendo, assim, IG elevado.

    Já nos carboidratos complexos, conhecidos tecnicamente como polissacarídeos, a quantidade é maior. Daí que eles precisam ser quebrados diversas vezes para entregar glicose às células. O processo tende a ser mais lento — e o IG, mais baixo.

    Um ícone entre os carboidratos complexos são os cereais integrais, que estão bem na fita pelo seu teor de fibras. Elas desaceleram o processo digestivo e atenuam o impacto glicêmico.

    Essa é uma das justificativas de por que dez em cada dez especialistas aconselham a inclusão de fontes de fibras na dieta — ou seja, comer mais grãos, frutas e hortaliças (com casca, talo e bagaço, se possível). Os alimentos fibrosos ajudam a pisar no freio da glicemia e de uma cascata de reações metabólicas. Do contrário…

    “Quanto mais rápida a absorção, maior será a liberação de insulina pelo pâncreas, numa tentativa de equilibrar os níveis de açúcar no sangue”, explica a médica Maria Fernanda Barca, da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (Sbem).

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    Acontece que, quando esse fenômeno se repete de modo corriqueiro e exaustivo, o pâncreas fica sobrecarregado e vai entregando os pontos — via quase certa para o diabetes — e o corpo passa a acumular a energia desperdiçada na forma de gordura. Não é por menos que estudos associam menus em que predominam itens de baixo IG a um menor risco de obesidade e diabetes tipo 2.

    Tal conexão fez e ainda faz muita gente banir batata, polenta, biscoitos, pão francês, arroz branco e até algumas frutas. Mas aí mora o engano. “Não se faz refeição com um só tipo de alimento. É a combinação de vários ingredientes que dá sinergia”, afirma a nutricionista Maria Cecília Corsi, à frente do Cecília Corsi Food Coach, na capital paulista.

    Embora tenham se passado décadas das experiências canadenses que resultaram no IG, cálculos e atitudes equivocadas permanecem. Daí a relevância de revisões e novas tabelas capazes de desanuviar os pontos emaranhados.

    Essa (re)classificação requer enorme esforço e demanda tempo, recursos e pessoal treinado. A nutricionista Eliana Giuntini resume a ópera para VEJA SAÚDE. Primeiro, a comida passa por análises laboratoriais que destrincham a quantidade e o tipo de amidos e açúcares presentes.

    Num segundo momento, pelo menos dez voluntários saudáveis ingerem glicose como padrão de referência. Depois, para o ensaio clínico, são convidados a consumir 25 gramas do carboidrato disponível do alimento examinado. Então, a glicemia deles é medida em jejum e depois de 15, 30, 45, 60, 90 e 120 minutos da ingestão. A partir dessas medições, são realizadas as contas que rendem o IG. Imagine agora repetir esse procedimento em milhares de itens.

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    A rota da glicose pelo organismo

    Como um alimento se transforma em glicose e leva energia para as células

    Só que não dá para jogar tudo nas costas da comida. Embora o IG ajude a navegar, precisamos considerar o estado do navio, sobretudo se a ideia é mudar a alimentação diante de doenças crônicas. O navio, no caso, é o nosso corpo.

    De acordo com Ticiane, questões como idade, percentual de massa muscular, oscilações hormonais e prática de exercícios influenciam a resposta glicêmica no organismo. As condições do aparelho digestivo também. Assim como a presença de distúrbios (e seus respectivos tratamentos) que repercutem diretamente nas taxas de açúcar no sangue, caso do diabetes.

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    Diante disso, o endocrinologista Carlos Eduardo Barra Couri, da USP de Ribeirão Preto, enfatiza que as condutas, inclusive dietéticas, precisam ser individualizadas. “Há pacientes com diabetes que apresentam um quadro chamado neuropatia gastrointestinal, que altera a velocidade de absorção da glicose”, exemplifica o médico.

    Quando as particularidades são consideradas, o IG se torna uma bússola mais confiável. “Todo o contexto interfere na capacidade e no tempo de metabolização [a digestão e o processamento] dos nutrientes”, salienta a nutricionista Renata Juliana da Silva, coordenadora do Curso Técnico em Nutrição e Dietética Integrado ao Ensino Médio — Etec Uirapuru, em São Paulo.

    Ninguém tampouco precisa decorar uma tabela de IG ou levá-la sempre à mesa. Dá para aprender os conceitos gerais e fazer ajustes de um jeito mais saboroso. Afinal, o preparo da refeição pode alterar o índice glicêmico. Um dos principais segredos, já revelado, é incrementar os pratos com fibras.

    “Ingredientes como a chia e o psyllium vão bem nas mais diversas receitas, até mesmo em sucos”, recomenda Maria Cecília. Farelos de aveia enriquecem saladas e bolos. Brócolis e vagens levantam o moral do arroz.

    Outra tática é caprichar nas combinações, ou seja, casar os carboidratos com boas fontes de proteína e gordura (queijos, pescados, carnes magras, castanhas, azeite etc.) — elas equilibram o processo de digestão e o aporte de nutrientes.

    O endocrinologista Airton Golbert, professor da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre e ex-presidente da Sbem, só avisa para não errar a mão nas doses. “É importante acertar nas escolhas, mas sem acarretar um excesso de calorias”, justifica.

    + LEIA TAMBÉM: Tamanho (do prato e das porções de alimento) é documento

    Maristela Strufaldi pede que se monitore o tempo ao fogo. “Cozinhar demais abranda as fibras, modifica as moléculas de carboidrato e torna a absorção pelo organismo mais veloz”, ensina. Sem contar as perdas ao paladar: tudo fica mais molenga e com aquela textura pouco apetitosa.

    Procurar manter a integridade dos alimentos, por sinal, é uma dica para jamais esquecer. Veja o caso do feijão. Preso dentro do grão, pela casca, seu amido fica encapsulado e sofre menos ação enzimática durante a digestão. Mas, quando é batido no liquidificador para virar sopa, o conteúdo fibroso cai e a disponibilidade do carboidrato aumenta. Não se trata de abdicar do caldinho, mas, se optar por ele, lembrar-se de recrutar aliados em matéria de IG, caso de couve, queijo e ovo de codorna.

    E tem que ficar esperto com as pegadinhas do índice glicêmico. A nutricionista Tarcila Campos, do Centro Especializado em Obesidade e Diabetes do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, em São Paulo, dá o exemplo da batata. “A frita tem o IG mais baixo do que a cozida”, observa. Devido ao óleo da receita, a digestão demora um tanto, daí a pontuação mais baixa na tabela. “É apenas uma amostra de que essa classificação nem sempre é sinônimo de qualidade”, diz.

    “Por tantos detalhes, não se deve isolar o conceito, mas somá-lo a outros conhecimentos e ferramentas”, interpreta Maria Cecília. É assim que o IG garante uma viagem mais suave, sem sustos na montanha-russa do açúcar.

    Erros e acertos na gangorra glicêmica

    Práticas bem-vindas e outras desaconselhadas pelos nutricionistas

    [Evite] Comer na mesma refeição só fontes de carboidrato 
    Quando o prato junta alimentos como batata cozida e arroz branco, entre outros, a digestão costuma ser muito rápida, com a subida nos níveis de glicose.

    [É o ideal] Conjugar carboidratos com fontes de proteínas e boas gorduras
    Incluir pescados, queijos e carnes magras, além de castanhas, ajuda a modular a absorção do açúcar e reduz o impacto glicêmico da refeição.

    [Evite] Ficar horas e horas de jejum
    A privação de energia pode desestabilizar os níveis de glicose e o resultado tende a ser dor de cabeça, cansaço, desânimo, tontura, entre tantas
    outras chateações.

    [É o ideal] Fazer lanchinhos entre as refeições principais
    Auxilia a equilibrar a glicemia ao longo do dia, mas atenção com as combinações. Frutas com cereais, iogurtes com sementes ou pães com queijos magros são opções.

    [Evite] Abusar dos sucos
    Entornar bebidas doces, sobretudo sem acompanhamentos, dispara a taxa de açúcar no sangue. Com isso, a fome também pode vir ligeira um tempinho depois.

    [É o ideal] Privilegiar frutas in natura
    Quanto mais íntegro o vegetal, maior a presença de fibras. E elas estão entre os agentes que trabalham para que a glicose caia na circulação mais lentamente.

    + LEIA TAMBÉM: Frutas contra o diabetes

    Apertem os cintos, o índice glicêmico subiu!

    Veja a classificação dos alimentos segundo o índice glicêmico (IG). Considera-se IG baixo quando é menor que 55; médio, entre 56 e 69; e alto, de 70 em diante

    CAFÉ DA MANHÃ

    DICA: Que tal incluir sementes (abóbora, girassol, chia) e queijos magros (cottage, minas) no seu café da manhã? Isso realmente ajuda no equilíbrio glicêmico

    ALMOÇO

    DICA: Priorize itens ricos em fibras no cardápio, já que elas colaboram para modular as taxas de glicose no sangue. Só não se esqueça de beber água ao longo do dia

    JANTAR

    DICA: Combinar fontes de carboidratos com alimentos que ofereçam proteínas e boas gorduras é regra básica para evitar elevações bruscas dos níveis de glicose no sangue

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