Eu tinha uns 8 anos quando pisei pela primeira vez em uma quadra de vôlei, impulsionada pelo tédio das férias em um clube no interior de São Paulo. O que seria um passatempo de verão virou parte da minha agenda, incluindo campeonatos por cidades vizinhas. Ao mudar para a capital, quatro anos depois, continuei me dedicando ao esporte — às vezes até demais, confesso.
Foi assim até passar no vestibular. Embora tenha entrado no time da faculdade, os horários dos treinos não combinavam com as obrigações da vida adulta. Para não ficar parada, o jeito foi me matricular em uma academia de ginástica. Mas nada do que fiz nesse ambiente me deu a alegria que sentia ao vestir a joelheira e tocar numa bola.
Minha história de infância ativa bate com a de muita gente — afinal, essa é a época em que costumamos ter contato com as mais diversas práticas corporais (pelo menos deveria ser assim). A diferença é que, passada essa fase, os obstáculos para manter ou adaptar a atividade favorita faz uma boa parcela achar o sofá mais atraente. Tem até quem procure outro tipo de exercício, mas o realiza a contragosto. Ainda mais depois de um dia cansativo de trabalho.
O resultado está nas taxas alarmantes de sedentarismo, como indica uma pesquisa recente da Organização Mundial da Saúde. Após avaliar 168 países, a entidade concluiu que o Brasil figura entre os campeões de inatividade física. Nada menos do que 47% da nossa população não se movimenta de maneira suficiente.
Um dos motivos mais citados pela turma que abandona um exercício (ou nem tem o ímpeto de iniciá-lo) é a falta de tempo. “Mas o tempo, na verdade, é emocional. Tanto é que, quando precisamos marcar coisas importantes, ele aparece”, provoca Nuno Cobra Jr., consultor em qualidade de vida e treinamento integral, de São Paulo.
“Logo, essa desculpa vem denunciar que o treinamento físico não vale a pena por si só. É uma pílula ruim que precisamos tomar”, nota o autor do livro O Músculo da Alma (Editora Voo).
Para o profissional de educação física Antonio Herbert Lancha Jr., professor da Universidade de São Paulo (USP), o problema é que estamos inseridos em uma cultura em que se dedicar a um exercício é, muitas vezes, encarado como um castigo.
“As pessoas associam tanto comer quanto engordar a pecados. Aí vem a atividade física como forma de punição”, interpreta.
Mas por que alguns indivíduos desenvolvem verdadeira paixão pelos exercícios? Estudos publicados nos últimos tempos sugerem que parte dessa relação de amor (ou ódio) tem dedo do DNA.
Um desses trabalhos vem da VU Universidade Amsterdã, na Holanda, onde pesquisadores recrutaram 115 pares de gêmeos idênticos, 111 pares de gêmeos não idênticos e 35 de seus irmãos não gêmeos, além de outros seis pares de irmãos não gêmeos.
Enquanto se exercitava, esse grupo todo preenchia uma escala para definir suas sensações. Então, os cientistas compararam a resposta afetiva aos exercícios entre os irmãos e concluíram que, em certa medida, ela pode ser herdada.
Mas não vá pensando que tudo bem jogar a culpa pela aversão à atividade física nos genes e relaxar de vez diante da TV e do celular. De acordo com Lancha Jr., esse aspecto não é determinante na história. O que os estudiosos desejam reforçar com essas descobertas é que tentar estimular pessoas diferentes da mesma maneira pode simplesmente não funcionar.
Para o grupo de pesquisa holandês, alguém mais hostil à atividade física precisa ver os aspectos apetitosos do treino enfatizados — está aí uma das chaves para gerar engajamento.
Só que o modelo atual de ginástica nem sempre facilita. “Muitas vezes, a própria abordagem profissional é errada. Ela leva o aluno a uma experiência que, no dia seguinte, provoca bastante dor”, observa o profissional de educação física Hassan Elsangedy, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). E é essa memória negativa que gruda na cabeça.
Gosto que vem da infância
Quando a atividade física é inserida desde cedo, a chance de ser um hábito na fase adulta dispara. Mas alguns detalhes são imprescindíveis para a garotada de fato curtir se mexer.
“Os pais devem evitar uma cobrança exagerada por desempenho”, exemplifica o profissional de educação física Gustavo Aires de Arruda, da Universidade de Pernambuco (UPE).
Além disso, ele pede cautela com comparações. “As crianças podem ter a mesma idade, mas serem diferentes em termos biológicos”, ensina.
E, por mais que o pequeno demonstre talento especial para uma modalidade, deve ser exposto a várias práticas. “Até para criar um repertório e facilitar a adesão no resto da vida”, justifica Arruda.