Qual adoçante é o melhor?
Em tempos de luta pela redução no consumo de açúcar, novos produtos chegam ao mercado e levantam a dúvida sobre qual a escolha ideal
Por que falar de adoçantes? No ano passado, o Brasil assumiu alguns compromissos com a Organização Mundial da Saúde (OMS), como frear o consumo de bebidas açucaradas e também reduzir o teor do ingrediente doce em alimentos industrializados. A marcação cerrada tem motivo. Pesquisas divulgadas nos últimos anos mostram que o brasileiro nutre afeição especial por açúcar. Tanto que não consegue se contentar com a dose considerada adequada pela OMS, ou seja, 10% da ingestão calórica diária.
Isso significa que, em uma dieta de 2 mil calorias, o desejável seria consumir até 50 gramas do ingrediente – o valor não contempla o açúcar natural dos alimentos. Só que uma mísera latinha de refrigerante já oferta 37 gramas da substância. Logo, ultrapassar a meta é fácil, fácil, o que eleva a propensão a cárie, ganho de peso, diabetes e doenças cardíacas.
Agora, imagine poder usufruir do sabor adocicado sem se preocupar com calorias e essa lista de problemas? É o que prometem os adoçantes, produtos que estão cada vez mais em alta. Um estudo recente, publicado no Journal of the Academy of Nutrition and Dietetics, constatou que, nos últimos dez anos, o consumo desses itens aumentou 200% entre crianças e 54% entre os adultos nos Estados Unidos. Hoje, eles são usados com regularidade por 25% dos pequenos e 41% das mulheres e dos homens americanos.
No Brasil não temos um levantamento parecido, mas estima-se que seguimos essa toada de crescimento. Até porque não falamos só da gotinha ou do pó adicionados ao café. “Os adoçantes estão em vários produtos industrializados”, observa a nutricionista Ana Paula Gines Geraldo, professora da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
Ela conta que, em um trabalho realizado no Núcleo de Pesquisa de Nutrição em Produção de Refeições, de 4 539 alimentos comercializados em um mercado de Florianópolis, 13% possuíam algum tipo de edulcorante – o nome oficial da substância que dá dulçor. Desses, 90% ainda levavam açúcar na composição. “Por isso, consumimos mais adoçantes do que imaginamos”, diz.
Outro sinal de que a categoria está em expansão é a chegada maciça de novos produtos, como o xilitol, proveniente do milho, e a taumatina, retirada de uma fruta da África Ocidental.
A relação entre adoçantes e obesidade
Embora o momento seja favorável à popularização desse grupo, vira e mexe algum experimento contesta sua segurança para a saúde. No ano passado, o jornal científico da Associação Médica Canadense publicou uma revisão de 37 estudos que identificou, por exemplo, uma possível associação entre adoçantes e um maior índice de massa corporal, o famoso IMC.
Verdade seja dita, não é a primeira vez que eles são culpados de facilitar o ganho de gordura. Um dos mecanismos mais debatidos nesse sentido tem a ver com o estímulo de uma confusão no organismo. “Ao consumir adoçantes, temos a percepção do gosto doce, mas não há açúcar para o corpo processar. E há evidências, em animais e humanos, de que isso pode reprogramar o metabolismo de tal maneira que favoreceria o ganho de peso”, explica a bioquímica Meghan Azad, da Universidade de Manitoba, no Canadá, uma das autoras da revisão.
Essa história, porém, ainda está no campo da teoria. “Por enquanto, não há nada comprovado sobre isso”, afirma a farmacêutica Helena Maria Andre Bolini, professora da Faculdade de Engenharia de Alimentos da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). O mesmo é dito sobre outra hipótese ventilada nesse caso: a de que a microbiota, o conjunto de bactérias do nosso intestino, induziria o acúmulo de gordura corporal quando os edulcorantes entram em cena. “Outros estudos rebateram essa suspeita. Por isso, precisamos de mais informações”, aponta Helena.
Os experts reforçam que muitas pesquisas nessa área são observacionais, isto é, com base no que as pessoas relatam comer – na revisão canadense, por exemplo, 30 trabalhos eram desse tipo. Nesse modelo de estudo, os cientistas traçam prováveis associações, como “quem consome mais adoçantes tende a apresentar um peso maior”.
O problema é que a ligação pode ser culpa de uma causalidade reversa. “Às vezes, a pessoa já estava com sobrepeso e decidiu usar esses produtos”, traduz a endocrinologista Maria Edna de Melo, da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia de São Paulo (Sbem-SP). Ou, ao investir em sucralose, estévia e afins, há quem se sinta mais tranquilo para abusar de alimentos calóricos.
Não dá para perder de vista que a maioria dos estudos é realizada com animais e doses altíssimas das substâncias e, quando contam com seres humanos, envolvem poucos voluntários. São fatores que impossibilitam, pelo menos agora, a conclusão categórica de que os adoçantes trazem riscos à saúde.
“Não é que essas pesquisas devam ser invalidadas. Mas temos que observar com muito critério se as interpretações podem ser passadas para a população em geral”, analisa a nutricionista Clarissa Hiwatashi Fujiwara, da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (Abeso). “De qualquer forma, são dados que não podem ser ignorados”, comenta Ana Paula.
Os limites para cada tipo de adoçante
A questão é que há um alto número de pesquisas atestando a segurança da classe – não à toa, há tanta opção no mercado. De olho em todo esse material, um comitê internacional estabelece as doses máximas de ingestão de cada um. Segundo declaração da marca Zero-Cal, uma pessoa de 60 quilos pode consumir 60 sachês de aspartame ao dia, por exemplo. “No caso da sucralose, o limite para alguém de 70 quilos é de 500 gotas”, informa a nutricionista Elaine Moreira, consultora da Linea Alimentos.
Esse valor só não é estabelecido para a taumatina, adoçante natural que foi empregado pela primeira vez no Brasil em produtos da Flormel. “Ela pode ser usada de forma ilimitada. Mas, na prática, só aplicamos um pouco, porque ela adoça bem mais que o açúcar”, conta Alexandra Casoni, diretora-geral da empresa.
Embora seja necessário esforço para atingir os níveis arriscados, ninguém estimula o uso indiscriminado de adoçantes. Inclusive, se um indivíduo estiver com o peso legal e não exceder na ingestão de açúcar, nem teria motivo para só investir nesses produtos. Eles seriam um recurso mais válido para quem exagera no ingrediente doce e, claro, para as pessoas com diabetes.
“Os adoçantes não são essenciais no tratamento da doença, mas podem favorecer o convívio social e a flexibilidade do plano alimentar”, analisa a nutricionista Tarcila Beatriz Ferraz de Campos, vice-coordenadora do Departamento de Nutrição da Sociedade Brasileira de Diabetes.
Além de maneirar na quantidade, cai bem promover um rodízio entre os tipos disponíveis, porque, assim, o risco de exagerar em um só acaba despencando. E cuidado com pegadinhas. Segundo Elaine, um bolo feito com adoçante terá metade das calorias de um preparado com açúcar. É um déficit que pode abrir o apetite – então, se a ideia é controlar o peso, não compense em outros cantos. No mais, nada de encarar gotas, sachês e produtos diet como poções de emagrecimento. O melhor cenário é encontrar prazer à mesa com dulçor sob medida.
Artificiais versus naturais
No universo dos adoçantes, há aqueles criados em laboratórios e os que foram extraídos da natureza – e a tendência é que os últimos sejam vistos como menos nocivos. Só que, do ponto de vista de segurança, a realidade é que não há diferenças significativas entre os dois grupos.
“Todos estão no mesmo patamar”, assegura a farmacêutica Helena Maria Andre Bolini, da Universidade Estadual de Campinas. Resolvida essa questão, a dica é avaliar quais tipos agradam mais o seu paladar e realizar um rodízio. E sem esguichá-los, por favor. “Em uma pesquisa, percebi esse comportamento entre 17% dos participantes”, relata a nutricionista Ana Paula Geraldo, da UFSC.
Crianças podem usar?
Para Virgínia Weffort, presidente do departamento de Nutrologia da Sociedade Brasileira de Pediatria, o consumo de adoçantes pelos pequenos só faz sentido na presença de diabetes, quando é preciso controlar a quantidade de glicose no sangue. “Nessa fase, a exposição a bebidas e alimentos adoçados artificialmente pode alterar o paladar”, afirma. Assim, a preferência por doces se estende ao longo da vida, dificultando o equilíbrio na dieta.
A médica Maria Edna, da Sbem-SP, ressalta que, antes dos 2 anos, não há necessidade de apresentar produtos açucarados para as crianças. “O açúcar já vem das frutas, do leite…”, diz. A partir dessa idade, é focar na moderação.
Conheça os adoçantes artificiais mais famosos
Aspartame: É uma proteína com poder de dulçor 200 vezes superior ao do açúcar. Mas ela quebra em altas temperaturas, perdendo a doçura – um café fumegante já sai prejudicado. Esse edulcorante tem fenilalanina, substância proibida para portadores de fenilcetonúria. Vale dizer que mais de 100 estudos atestam a segurança.
Acessulfame de potássio: É derivado do sal de potássio. Repare: ele nunca aparece sozinho em um produto. Isso porque libera o dulçor de forma muito rápida. Então, é necessário combiná-lo a um edulcorante que adoce do meio para o fim da degustação. Pode entrar em produtos assados e é 200 vezes mais doce que o açúcar.
Sacarina: Descoberta em 1879, vem do petróleo e adoça 300 vezes mais que o açúcar. É contraindicada a grávidas porque atravessa a placenta (e não se sabe o efeito disso). Já foi proibida devido a um possível elo com câncer de bexiga, visto em animais. Mas se descartou a hipótese após mais de 30 trabalhos com seres humanos.
Sucralose: Apesar de vir da cana-de-açúcar, não é natural, porque sofre reações químicas. O poder de dulçor é 600 vezes maior que o do açúcar. Rola um boato de que o cloro presente na sucralose interage com o iodo da tireoide, atrapalhando a glândula. Mas isso não procede! O cloro é eliminado nas fezes e na urina.
Ciclamato de sódio: Proveniente do ácido ciclâmico, seu poder adoçante é 50 vezes maior que o do açúcar. Costuma surgir junto com a sacarina, porque consegue mascarar seu gosto amargo. Os dois têm sódio na fórmula, mas não em quantidade significativa – mesmo assim, a informação é válida para indivíduos hipertensos.
E os adoçantes naturais
Xilitol: A fonte é o milho, mas também provém de madeiras, frutos, cogumelos e micro-organismos. De sabor refrescante, pode ir ao fogo sem problemas – o poder de dulçor é semelhante ao do açúcar. Há indícios de que atua contra cáries. Em doses elevadas, pode surtir efeito laxativo e causar flatulência.
Taumatina: Essa proteína é 100% vegetal. Está em uma fruta encontrada na África Ocidental, conhecida como katernfe ou katemphe – ou, mais fácil, “fruto milagroso do Sudão”. A capacidade adoçante da taumatina é surpreendente: cerca de 3 mil vezes superior à do açúcar. Para ela, não foi estabelecido limite de consumo diário.
Estévia: Vem das folhas da planta Stevia rebaudiana, típica da América do Sul. Ela tem vários compostos doces, como o rebaudiosídeo. Só que a estévia também traz amargor, proveniente do esteviosídeo. Como os primeiros são mais vantajosos, há empresas trabalhando para a planta só gerar esse tipo de substância.
Sorbitol: Aparece naturalmente em uma variedade de frutas e, apesar de ser um edulcorante, tem a função primordial de garantir textura aos produtos, já que é ótimo para fazer caldas. Por isso, é normal ser combinado a outro tipo de adoçante. O sorbitol costuma dar mais as caras em alimentos industrializados.
Eritritol: Está em frutas, algas, cogumelos e alguns itens fermentados (como vinho e cerveja). Seu sabor é similar ao do açúcar e tem forte efeito refrescante. Assim como o sorbitol, em geral é utilizado com outros adoçantes, como aspartame e acessulfame. Após ser absorvido, é eliminado inalterado por meio da urina.
Os pontos fortes e fracos de outras opções adocicadas
Mel: Tem micronutrientes, como vitaminas e minerais, mas muda o sabor dos alimentos. E tem calorias! Não abuse.
Açúcar de coco: É menos refinado. Mas, fora isso, não há grandes vantagens em incluí-lo no dia a dia. Se quiser provar, não exagere.
Açúcar mascavo: Também concentra mais micronutrientes. Contudo, não é fonte pra valer de nenhuma dessas substâncias. Pegue leve.
Fontes: Tarcila Beatriz Ferraz de Campos, vice-coordenadora do Departamento de Nutrição da Sociedade Brasileira de Diabetes; Ana Paula Gines Geraldo, nutricionista e professora na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC); Elaine Moreira, nutricionista e consultora da Linea Alimentos; e Helena Maria Andre Bolini, farmacêutica e professora da Faculdade de Engenharia de Alimentos da Universidade Estadual de Campinas.