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Pode petiscar? Saiba discernir o que e quando comer

Para algumas pessoas, a tática é uma aliada da saúde e do controle do peso. Mas, se pisar na bola, as coisas realmente tendem a desandar

Por Regina Célia Pereira (texto), Estúdio Coral (design), Getty Images (fotos)
28 dez 2023, 14h21
Entenda como os petiscos ao longo do dia podem afetar seu corpo e sua saúde (LanaStock/Getty Images)
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Beliscar, lambiscar, petiscar… Uma espiada no dicionário mostra que os três verbos são praticamente sinônimos que remetem ao comportamento de comer um pouquinho por vez.

Na linguagem popular, ganharam associação direta com provar besteiras, na solidão de casa ou na companhia de amigos. Imagem bem diferente de se sentar para saborear um belo prato de refeição.

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Para além das questões léxicas, fato é que o hábito de fazer lanchinhos depende, pelo menos em tese, da parcimônia nas porções. E é aí que começa a confusão.

No Guia Alimentar para a População Brasileira, documento do Ministério da Saúde, constam as “pequenas refeições”, geralmente nos intervalos entre café da manhã, almoço e jantar.

Há quem fale em merendar ou tomar um chá da tarde, situações que, de acordo com o contexto e o horário, poderão contar com frutas, castanhas, iogurtes, biscoitos, bolos ou mesmo salgadinhos. 

Mas o que os experts em nutrição têm a dizer sobre um comportamento tão diversificado — como diverso é o cardápio de possibilidades, entre as mais e menos saudáveis?

Até alguns anos atrás, era praxe ouvir o conselho de não ultrapassar três horas de estômago vazio, de modo que um petisco seria bem-vindo. Mas a recomendação foi relativizada.

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Mesmo os estudos sobre os lanches entre as refeições apresentam divergências: uns constatam que auxiliam no controle do apetite; outros os associam ao ganho de peso.

Nessa contenda, uma nova pesquisa vem reforçar que não se trata de idolatrar ou demonizar o hábito. Para desfrutar das suas vantagens à dieta e ao organismo, o segredo é acertar nas escolhas e nos limites. 

Os cientistas do King’s College London, na Inglaterra, avaliaram dados alimentares (incluindo a propensão aos petiscos) e exames de sangue de 1 002 pessoas.

“Observou-se que a má qualidade dos lanches contribui para o desequilíbrio de marcadores ligados a obesidade e doenças cardiovasculares”, resume os achados a endocrinologista Deborah Beranger, do Rio de Janeiro, que é fellow da Associação Europeia para Estudo da Obesidade.

No geral, as taxas de triglicérides — que, nas alturas, favorecem danos às artérias — estavam mais elevadas entre os participantes que optavam por itens gordurosos e açucarados.

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O mesmo desbalanço foi identificado em relação aos níveis de insulina, num mecanismo que, se recorrente, abre brechas ao diabetes. Por outro lado, os ingleses constataram que lanches equilibrados são um meio de matar a fome e arrecadar nutrientes bem-vindos à rotina.

A médica Marcella Garcez, diretora da Associação Brasileira de Nutrologia (Abran), resume as lições do trabalho britânico: “É fundamental respeitar as preferências alimentares e adequar as quantidades no dia a dia”.

Isso significa que lanches ou petiscos farão bem ou mal a depender dos aspectos qualitativo e quantitativo. Não só: o período pode fazer diferença.

O mesmo estudo revela que beliscos noturnos foram mais associados a disparos nos níveis de glicose e triglicérides no sangue. Afinal, a tendência é não gastar energia nesse período, sem contar os abusos quando estamos cansados.

É na mesma direção que aponta outra investigação recente, publicada no periódico Nutrition Research. Quem fazia merendas tarde da noite costumava deslizar nas piores escolhas do ponto de vista nutricional.

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Bons lanches na despensa: a dica é ter opções mais saudáveis sempre por perto (Vyacheslav Dumchev/Getty Images; Ilustrações: Estúdio Coral/SAÚDE é Vital)

“Mas a pesquisa focou em um grupo de estudantes americanas durante a pandemia, então é difícil generalizar as conclusões”, comenta o nutricionista João Motarelli, do Instituto Consciência Alimentar. Quer dizer que é melhor se abster de um lanchinho antes de dormir?

“Vai depender muito do perfil da pessoa e do horário do jantar”, responde a nutricionista Maristela Strufaldi, da Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD). Sem falar que se deve levar em conta as particularidades no estado de saúde.

Não havendo contraindicações, até uma pequena ceia pode cair bem. É o que comprova um trabalho de cientistas chineses, publicado na revista da Associação Americana do Coração: o consumo de laticínios protege o peito e favorece o sono.

O efeito viria do triptofano presente em tais alimentos. A substância é precursora de neurotransmissores, caso da serotonina e da melatonina, dupla envolvida no momento de desligar.

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Talvez venha daí a clássica receita de tomar um leite morno antes de adormecer. Um conselho que não convém, claro, a quem é vegano, tem intolerância, sofre com refluxo gastroesofágico ou simplesmente não curte lácteos. 

E é aí que chegamos a um ponto crucial ao falar de lanchinhos: a individualização. “Qualquer recomendação dietética deve considerar as características pessoais”, salienta Marcella.

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Um mandamento que não se restringe à ceia; vale para qualquer momento do dia.

Enquanto tem gente que passa bem apenas com as três grandes refeições, muitos precisam consumir algo entre o café da manhã, o almoço, o jantar… O Guia Alimentar nacional ressalta o hábito especialmente entre crianças e adolescentes pelas demandas do crescimento.

Esportistas também necessitam desse aporte extra para repor a energia. Mas, de novo, cada um é cada um.

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Embora não seja a única medida a levar à risca, o relógio pode ajudar a se orientar entre beliscos e garfadas. O ideal é não ficar muito tempo de barriga vazia. Quanto maior o período, mais chances de descontrole à mesa depois.

O fracionamento da dieta contribui para o equilíbrio de certos hormônios envolvidos com o apetite e a saciedade, caso da grelina e da leptina”, justifica a nutricionista Brunna Boaventura, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

“Determinar horários facilita a vida de quem não consegue diferenciar a fome fisiológica da emocional”, diz a professora.

Nesse sentido, o planejamento faz diferença, desde o momento das compras. Isso é crítico para calibrar as tentações — adivinhe o que você vai comer em um dia de ansiedade se só houver chocolate na despensa — e não cair na monotonia alimentar.

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“Os lanches intermediários devem estar previstos no nosso cotidiano”, reforça a nutricionista Luciana da Conceição Antunes, também docente da UFSC. E, sim, eles podem ser sinônimos de escolhas nutritivas.

Praticidade, preço, disponibilidade, questões culturais e apelo sensorial colocam alguns alimentos em destaque na hora de lanchar. Vem de longe a preferência por biscoitos nesses momentos.

Conta-se que teriam sido extremamente úteis, inclusive, durante as grandes navegações do século 15 em diante. Além de garantirem carboidrato e pique aos tripulantes, esses petiscos não pereciam, suprindo os viajantes por meses de jornada.

Diferentemente das receitas daqueles séculos, duríssimas, hoje encontramos formulações mais saborosas e constantemente reformuladas para ir ao encontro da busca por saudabilidade entre os consumidores.

Uma tendência que não se restringe a biscoitos doces e salgados.

Segundo análise da consultoria Grand View Research, o mercado global de snacks saudáveis deve crescer quase 7% de 2023 a 2030.

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A indústria se esforça para tirar o estigma da categoria, até pouco tempo relacionada exclusivamente a comida engordativa e pouco nutritiva.

Mesmo diante de avanços nessa seara, é importante ficar atento à rotulagem, fazer uma boa varredura na lista de ingredientes e comparar o teor de calorias, açúcares e gorduras das marcas antes de botar no carrinho.

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Belisco ou cilada: abusos e escolhas ruins podem pôr tudo a perder (Juj Winn/Getty Images; Ilustrações: Estúdio Coral/SAÚDE é Vital)

Uma das apostas do mercado tem sido turbinar produtos, nesse caso barrinhas e bebidas, com proteína. Para atender à demanda vegana, ingredientes como ervilha também desfilam nas fórmulas.

Sem contar saquinhos de soja e grão-de-bico assados e prontos para o consumo — ótima pedida para estender a saciedade e alimentar os músculos.

Por isso mesmo, um dos macetes dos nutricionistas é combinar fontes proteicas com fornecedores de carboidratos. Juntar queijo com pão, por exemplo, é uma estratégia para frear a velocidade da entrada do açúcar nas células.

Assim, a resposta glicêmica se dá de forma gradual, sem tantos solavancos, modulando certos hormônios, caso da insulina, e interferindo nos sinais cerebrais envolvidos com o apetite.

As fibras vindas das frutas e de hortaliças — que tal petiscar cenourinhas baby ou filetes de pepino? — também auxiliam a brecar esse processo.

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“Quando for possível, coma a casca e o bagaço”, orienta Brunna. É que essas estruturas tendem a ser mais fibrosas que a polpa.

Bananas, maçãs, mexericas, uvas e toda a sorte de espécies nacionais, como jabuticaba, pitanga e açaí, ainda fornecem vitaminas e sais minerais, entre outros compostos protetores.

Para não virar refém da mesmice nos lanches, fique sintonizado com a sazonalidade — garantia de produtos mais frescos e baratos — e se aventure na cozinha, experimentando novas receitas.

Maristela sugere misturar a fruta de sua preferência com iogurte natural, mais um pouquinho de chia ou linhaça: “Assim temos um belo smoothie”.

Saiba que esse tipo de preparo vale por um lanche; não é preciso mais nada para ficar satisfeito no meio da tarde. Claro que há exceções.

Quem gasta mais energia, ao longo do dia, requer mais calorias; já quem não se mexe muito tem que cuidar para não exagerar na carga de petiscos.  Esse raciocínio nos conduz a um grupo de alimentos que se popularizou e virou a cara dos beliscos saudáveis, as oleaginosas.

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Falamos da família das amêndoas, nozes, avelãs e das brasileiríssimas castanhas de caju e do pará, que, ao lado do nosso amendoim, ofertam minerais como zinco e selênio, vitaminas e antioxidantes, sem se esquecer de gorduras de boa qualidade, caso das mono e poli-insaturadas.

Não é à toa que pesquisas indicam que o consumo colabora para o controle da pressão arterial e do colesterol — bom para o coração. A ressalva, aqui, é que as nuts são calóricas.

Por essa razão, a recomendação do professor Motarelli, que vale para qualquer lanche, é comer com atenção plena, sentindo a textura, o aroma e o sabor. “A ideia é se alimentar devagar, sem tantas distrações, notando também os sinais de saciedade”, ensina. 

Outra faceta do beliscar que não dá para perder de vista é o momento da socialização. Algo que começa na infância, com o tempinho reservado para comer e brincar no recreio, e se prolonga, mais tarde na vida, no encontro com amigas e amigos para um café da tarde ou happy hour.

Quem tem a sorte de ter a avó por perto ainda pode lambiscar um pedaço de bolo ou outro quitute feito em casa — receitas que entregam, vamos combinar, muito mais que nutrientes isolados.

Só não dá para se empolgar demais. Lembre-se da lição dada pelo dicionário: petiscar é comer um pouquinho por vez.

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