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Quem quer ser um centenário?

15% dos brasileiros entraram para o time dos idosos — e todos querem viver essa fase com autonomia, cognição e disposição. Saiba como a ciência pode ajudar

Por André Bernardo (texto) | Otávio Silveira (ilustração) | Estúdio Coral (design)
Atualizado em 15 set 2023, 14h34 - Publicado em 15 set 2023, 13h38
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Hoje 15% dos brasileiros já entraram para o time dos idosos — um número que deve chegar a 50 milhões de pessoas em 2050. Mas o ser humano quer sempre mais... No caso, mais aniversários pela frente, com autonomia, cognição e disposição preservadas. E esse é o objeto de estudo — com surpreendentes revelações — da nova ciência da longevidade (Otavio Silveira/SAÚDE é Vital)
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Tony Tornado ainda nem começou a gravar suas últimas cenas em Amor Perfeito e já está pensando em seus próximos projetos.

Assim que pendurar a batina de Frei Tomé, seu personagem na novela das 6 da Globo, ele volta a fazer shows, ao lado do filho, Lincoln Tornado, em homenagem a Tim Maia.

Além de excursionar pelo Brasil, o ator e cantor de 93 anos pretende rodar dois filmes. “Estou sempre em movimento. É o mais importante. Aposentadoria? Está fora dos meus planos”, avisa.

Nascido Antônio Viana Gomes, Tony Tornado é um dos mais longevos artistas da TV brasileira. Estreou na extinta Tupi, em 1972, e hoje faz parte de um seleto grupo de veteranos, que inclui, entre outros gigantes, Ary Fontoura (90), Fernanda Montenegro e Lima Duarte (93) e Laura Cardoso (96).

“Dormir e acordar cedo é um segredo de família para durar mais”, brinca ele, que tem o hábito de se deitar às 7 da noite e levantar às 4 da manhã “para acordar os galos”. “Respeitar as pessoas, não desistir daquilo em que se acredita e não se preocupar com as dívidas são meus conselhos para quem quer chegar com saúde à minha idade”, ensina, bem-humorado.

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Chegar aos 93 anos, como diria o poeta Mário Quintana, é privilégio para poucos. A expectativa de vida do brasileiro é de 77 anos — 73 para os homens e 80 para as mulheres.

Pode até parecer pouco para quem sonha ter uma vida looonga, mas, na década de 1940, boa parte dos cidadãos não podia esperar passar dos modestos 45!

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Em 2100, se confirmadas as projeções, nossos descendentes viverão, em média, 88 anos. E há quem diga que esse é um chute por baixo, se considerarmos os avanços da medicina e tivermos a sorte de não encarar nenhuma catástrofe pandêmica ou climática.

Vida longa e próspera

O envelhecimento, explicam os cientistas, é um processo cronológico, irreversível e heterogêneo. Cronológico porque engloba a passagem do tempo. Irreversível porque não se pode retornar à etapa anterior. E heterogêneo porque cada um envelhece de uma maneira diferente.

Isso explica por que alguns octogenários disputam maratonas, como o médico Drauzio Varella, de 80 anos; outros escalam montanhas, como a alpinista Marineth Huback, de 86; e outros, na mesma faixa etária, estão em casas de repouso.

“A questão é que, infelizmente, muitas pessoas só pensam na velhice quando já estão idosas. Na verdade, ter bons hábitos faz diferença em qualquer idade”, diz o geriatra Mário Túlio Cintra, presidente da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG).

Dependendo da genética que a pessoa herda, do ambiente em que vive e das escolhas que faz, seu envelhecimento pode ser classificado como sadio ou frágil. O sadio recebe o complicado nome de agerasia, que designa um indivíduo “vigoroso” como Tony Tornado.

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Já o lado frágil, conhecido como senectude, é aquele que associamos aos adjetivos “senil” ou mesmo o ofensivo “decrépito”. Mas o que distingue esses dois estados? A fronteira reside no que os médicos chamam de uma boa capacidade funcional.

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“A única alternativa que conheço para evitar o envelhecimento é a morte precoce, mas morrer cedo ninguém quer, não é? O segredo, então, é buscar independência física e autonomia cognitiva”, reflete o geriatra Luiz Roberto Ramos, fundador do Centro de Estudos do Envelhecimento da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

Sair de casa sozinho, controlar as finanças, informar-se e planejar-se para o hoje e o amanhã… Sem capacidade funcional, tudo se desgoverna. Portanto, não basta envelhecer. É preciso zelar por uma longevidade sadia.

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Para refletir sobre longevidade (Divulgação/Divulgação)

O fato é que o Brasil já está envelhecendo em ritmo acelerado. Nos últimos dez anos, a população idosa subiu de 11% para 15% da pirâmide. Ao mesmo tempo, o percentual de pessoas com menos de 30 caiu de 50% em 2012 para 43% em 2022.

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Essa é uma tendência que parece irreversível. Na prática, significa que estamos cada vez mais longevos e as famílias, cada vez menores. Em geral, países desenvolvidos acumulam riqueza antes de envelhecer — como a formiga que estoca comida no verão para quando o inverno chegar.

O Brasil, dizem os mais pessimistas, corre o risco de ficar velho antes de ficar rico. E aí? De olho em nosso perfil demográfico, o escritor Alexandre Corrêa cunhou o termo “longevidade inteligente”, título de seu último livro (Clique para comprar*). Esse conceito pressupõe um preparo para envelhecer bem.

Não se trata de criar e guardar apenas capital financeiro, mas também capital social (fazer amigos) e intelectual (aprender sempre), por exemplo.

“A vida que teremos aos 80 será consequência das escolhas que fizermos aos 30, 40 e 50. Precisamos estar preparados para não transformar uma dádiva em fardo”, diz o autor.

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De olho no futuro

Preparo foi também uma das palavras-chave a percorrer o Fórum Longevidade 360º: Um Olhar Atual sobre a Revolução do Envelhecimento Saudável, organizado por VEJA SAÚDE e a farmacêutica GSK.

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O evento, realizado em São Paulo e transmitido pelas redes sociais, trouxe para o palco as principais questões que, tanto entre profissionais e gestores como entre pacientes, impactam as decisões e os cuidados que determinarão uma vida longa, saudável e independente. Um debate que envolve cada um de nós… E é questão de saúde pública.

Desafios complexos pedem soluções complexas. Com o envelhecimento em massa — de preferência, envelhecimento sadio —, não é diferente.

Daí o fórum de VEJA SAÚDE e GSK ter convidado para palestrar e discutir nomes tão diversos como a geneticista Mayana Zatz e a Monja Coen, passando pelo futurista Tiago Mattos, o maestro João Carlos Martins e profissionais de saúde que atuam para criar modelos de cuidado centrados na experiência do idoso e nas suas demandas.

Um desses desafios é transpor a teoria para a prática. Que o diga a médica e gerontóloga irlandesa Rose Anne Kenny. Há quatro anos, ela teve a ideia de escrever um livro sobre os aprendizados dos 40 anos de carreira.

Durante a elaboração do trabalho, o recém-lançado A Nova Ciência da Longevidade – Viva Muito e com Saúde (Cultrix) (Clique para comprar), foi se conscientizando dos ajustes que ela mesma precisava fazer em seu estilo de vida para envelhecer bem.

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E foi assim que passou a consumir mais alimentos frescos e orgânicos, intensificou a rotina de exercícios, entrou para um coral, retomou contato com amigos…

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“Quando alguém me pergunta o que fazer para chegar com saúde aos 100, não penso duas vezes: cultive boas amizades! A solidão é um dos fatores mais tóxicos para o envelhecimento biológico”, conta a autora.

No livro, Rose Anne explica que há duas maneiras de medir a idade de uma pessoa, a cronológica (contada pelas velas no bolo de aniversário) e a biológica, que revela o estado do organismo.

Certa vez, a médica atendeu uma paciente de 85 anos que não via a hora de se livrar de uma infecção respiratória para voltar a cuidar de uma “vizinha idosa”.

“Quantos anos ela tem?”, perguntou a médica. “Setenta e quatro”, respondeu a mulher. “Um idoso que é ativo aos 80 pode ter a idade funcional de 60. Já um que é inativo aos 60 pode ter a idade funcional de 80.

O que importa não é a idade que a gente tem, é a idade que a gente sente”, diz a geriatra Maisa Kairalla, uma das participantes do Fórum Longevidade 360º.

Fora isso, o que a biologia está descobrindo, como explica a médica irlandesa, é que as células de um indivíduo podem “envelhecer” mais lenta ou rapidamente do que as de outro, a depender de fatores comportamentais e ambientais.

Células de fumantes, sedentários e ultraestressados, por exemplo, costumam ficar mais velhas e sofrer transformações indesejáveis em uma velocidade acima do que seria o ideal para o corpo.

16 ingredientes da longevidade
16 ingredientes da longevidade (Otavio Silveira/SAÚDE é Vital)

Se você é jovem ainda…

Nessa linha, um estudo neozelandês com mil participantes revelou que alguns dos voluntários de 38 anos tinham idade biológica de 28, enquanto outros tinham idade biológica de 48. Moral da história? “Nunca é tarde para mudar. Mas, quanto mais cedo, melhor”, responde Rose Anne.

Tais achados são importantes para romper com a ideia de que nosso destino é exclusivamente traçado pelo DNA.

Como enfatiza a geneticista Mayana Zatz, professora da Universidade de São Paulo (USP) e palestrante no fórum, o estilo de vida e os contatos com o mundo ao redor tendem a ser responsáveis por cerca de 80% do processo de envelhecimento, ante 20% da influência dos genes em si.

Essa matemática, claro, se traduz na idade biológica de cada um.

Sob tal perspectiva, um experimento do Laboratório de Investigação Médica em Envelhecimento da USP com mais de 7 mil pessoas acima dos 50 anos confirma que a idade cronológica está longe de ser o melhor indicador do bem-estar físico e mental.

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O trabalho levou em conta os cinco parâmetros que a Organização Mundial da Saúde (OMS) reuniu para criar o conceito de “capacidade intrínseca”, outro nome para a tal capacidade funcional. São eles: cognição, psicológico, mobilidade, aspecto sensorial e vitalidade.

Juntos, eles agregam as habilidades indispensáveis para a longevidade saudável, tais como memória, sono, equilíbrio, energia… Em síntese, aquilo que nos permite tomar banho, fazer as compras e curtir viagens.

“Nosso objetivo hoje não é viver mais; é viver bem. Não é só não ter doenças, mas também poder fazer aquilo de que gostamos”, resume o geriatra Márlon Aliberti, autor do projeto.

A mesma filosofia inspirou o cardiologista Fábio dos Santos, membro do Mind and Body Institute da Universidade Harvard (EUA), a criar o curso A Ciência da Longevidade, pela Casa do Saber.

Na primeira aula, ele conta a história de Jeanne Louise Calment, a francesa reconhecida como a pessoa mais longeva da história, tendo vivido, de 1875 a 1997, impressionantes 122 anos e 164 dias. Para chegar lá, é preciso cuidar da casa, ou melhor, do corpo.

“Somos máquinas que necessitam de manutenção. Usar em excesso, quando se come demais, pode ser tão danoso quanto não usar, caso de quem não faz exercício”, compara Santos.

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Quando ficção vira realidade

O endocrinologista Cláudio Ambrósio ainda era um garoto quando assistiu aos primeiros episódios de O Homem de Seis Milhões de Dólares, há 50 anos.

Na série de ficção científica, um piloto sofre um acidente de avião e recebe três próteses especiais: duas pernas, o braço direito e o olho esquerdo. Entre outras façanhas, era capaz de pular muito alto, correr feito lebre e enxergar longe.

Mal sabia o pequeno Cláudio que, um dia, ele próprio estaria trabalhando na criação de um “pâncreas biônico”, um dispositivo capaz de substituir o órgão real em caso de doença ou acidente.

“Imagine acompanhar a distância se está tudo bem com o paciente ou se houve uma piora no quadro e poder remediar na mesma hora, com um clique no celular”, descreve.

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Esse é um futuro de super-humanos em que aparelhos biomédicos e terapias gênicas e celulares buscarão estender os anos e a saúde. Não se trata de ganhar habilidades acima da média, mas de driblar os obstáculos que a natureza ou o acaso nos reservam.

Órgãos artificiais ainda não viraram realidade, mas próteses e órteses biônicas, sim. E foi graças a uma delas que o maestro João Carlos Martins, hoje com 83 anos, pôde voltar a tocar piano.

Em novembro de 2022, em apresentação no Carnegie Hall, em Nova York, conseguiu, pela primeira vez depois de 22 anos e 27 cirurgias, utilizar os dez dedos em um concerto.

O músico chegou a anunciar sua despedida do piano, em 2019, devido a uma série de infortúnios como o diagnóstico de distonia focal, doença rara que afeta o movimento das mãos e o obrigou a tocar apenas com os polegares.

No auge da carreira, Martins chegou a fazer 21 notas por segundo. Nos últimos anos, “tocava uma nota em 21 segundos”. Mas tudo mudou quando um designer industrial criou o protótipo de uma luva extensora biônica.

Feita de borracha sintética, hastes de aço flexíveis e placa de fibra de carbono, a órtese mantém abertos os dedos do pianista, flexionados por causa do distúrbio.

“Não chego perto do virtuoso que já fui um dia, mas posso tocar peças importantes de Bach”, conta o maestro, que participou do Fórum Longevidade 360º. “O impossível é uma palavra que só existe no dicionário dos tolos”, disse.

16 dicas para a longevidade, segundo a ciência
16 dicas para a longevidade, segundo a ciência (Otavio Silveira/SAÚDE é Vital)

Desafiando o corpo

Enquanto pesquisadores de diversos campos quebram a cabeça para bolar artifícios capazes de superar limitações impostas por doenças, há quem aposte todas as suas fichas na tecnologia à procura de um sonho de eternidade.

Fora os bilionários que investem em soluções e fantasias no ramo — incluindo o Google e o grupo de Elon Musk —, também aparecem figuras como o empresário Bryan Johnson, que se autodenomina “atleta profissional do rejuvenescimento” e desembolsa 2 milhões de dólares por ano para voltar a ser jovem.

Desde 2021, ele acorda às 5 e vai dormir às 20h30 — entre outras curiosidades, faz a última refeição do dia às 11. E cumpre um ritual espartano: ingere 111 comprimidos, consome 1,9 mil calorias e monitora 79 órgãos. Tudo sob a supervisão de 30 médicos.

Dois anos depois do começo do projeto, Johnson, de 46 anos, garante que a idade biológica de seu coração é de 35; a de sua pele, 28; e a de seus pulmões, 18. “Estou tentando reduzir ao máximo a velocidade do meu envelhecimento. Meu objetivo: a idade cronológica avança, mas a biológica permanece a mesma”, revelou.

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Em julho, o empresário desistiu de extrair e injetar sangue do filho de 17 anos em seu corpo — sim, ele chegou a esse ponto. O motivo: a transfusão de plasma não alcançou os resultados esperados.

“Hoje eu aconselho: não morra porque não sabemos ainda quanto podemos viver”, declarou o “atleta”.

Exageros à parte, fato é que Johnson toca numa das questões mais instigantes para a humanidade: quanto podemos viver? O biólogo português João Pedro Magalhães, da Universidade de Birmingham, na Inglaterra, calcula que, pelos dados disponíveis, o limite da longevidade humana chega aos 122 anos da francesa Jeanne Calment.

Nesse aspecto, somos um tanto quanto inferiores a outras espécies, como a baleia-da-groenlândia, que bate os 200 anos, e uma tartaruga-gigante de Aldabra que teria morrido na Índia aos 255 anos.

Olhar para esses animais pode nos ajudar a entender as chaves biológicas de uma longevidade superior, algo que Magalhães já vem fazendo.

“Estou convencido de que, não num futuro próximo, a tecnologia vai nos auxiliar a superar os limites e a marca de 1 000 anos”, vislumbra.

Para o pesquisador, estudos sobre manipulação genética e reprogramação celular já abriram essa rota, mas os avanços são lentos e demorarão a se materializar. “Por enquanto, o melhor é seguir os conselhos de sempre: não fumar, ter uma alimentação equilibrada, praticar exercícios e dormir bem”.

Hábitos longevos

Stamatis Moraitis nasceu na Grécia, mas, ainda jovem, se mudou para os EUA. Do outro lado do Atlântico, arranjou emprego, constituiu família, comprou uma casa.

Quando tinha 66 anos, começou a sentir falta de ar. Três médicos confirmaram câncer de pulmão. Pior: deram a ele apenas seis meses de vida.

Como não queria ser sepultado longe de sua terra natal, arrumou as malas e, ao lado da mulher, voltou para Ikaria, uma ilha grega de 10 mil habitantes. Lá esperaria a morte chegar.

Enquanto isso não acontecia, montou uma vinícola e passou a tomar suas taças de vinho, tirar uma soneca depois do almoço e a jogar dominó com os amigos à noite antes de dormir.

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Passados alguns anos, regressou aos EUA. Queria saber dos médicos o que tinha acontecido. Voltou sem respostas. “Todos já tinham morrido”, disse. Questionado sobre o seu segredo para a longevidade, ele respondeu, sem graça: “Sei lá. Acho que esqueci de morrer”. Viveu até os 102 anos.

A história de Moraitis é real, porém anedótica. Tudo leva a crer que seu tumor era indolente. Mas não deixa de refletir como mudanças de hábito mexem com o corpo.

O grego é um dos personagens acompanhados pelo pesquisador Dan Buettner em Como Viver até os 100 – Os Segredos das Zonas Azuis, minissérie da Netflix.

As zonas azuis, tais quais nomeadas pelo jornalista americano, levam esse nome por serem comunidades com uma longevidade invejável. Ikaria é uma delas, ao lado de Okinawa, no Japão; Sardenha, na Itália; Loma Linda, nos EUA; e Nicoya, na Costa Rica.

“Seus habitantes não apenas vivem mais como também têm mais saúde e menos tendência a adoecerem na velhice”, explica a médica Rose Anne Kenny.

Mas o que esses lugares teriam de tão especial? Bem, esse é o mistério que Buettner tenta desvendar desde 1999, quando visitou Okinawa pela primeira vez.

De lá para cá, viajou umas 20 vezes para as zonas azuis, entrevistou mais de 250 centenários e chafurdou-se numa batelada de estudos — assunto para os livros que publicou a respeito.

Uma das pesquisas que mais chamaram sua atenção, contudo, foi feita na Dinamarca com 2,8 mil gêmeos idênticos. O objetivo dos cientistas era avaliar o impacto da genética e do ambiente no envelhecimento.

E o resultado evoca aquela conta já citada pela geneticista Mayana Zatz: o DNA herdado dos pais influencia 20% dos riscos à saúde, enquanto 80% vêm do contexto em que vivemos e das escolhas que fazemos.

“Isso é muito bom. Afinal, o ambiente é mais fácil de ser controlado do que a genética”, afirma a líder do Centro de Pesquisas sobre o Genoma Humano e Células-Tronco da USP.

Mas o que a professora tem visto em seus estudos com superlongevos é que, a partir de determinada idade, os genes parecem ter uma influência maior no caminho rumo aos 100.

Os segredos dos centenários

De qualquer forma, as descobertas atuais nos empoderam a nos cuidarmos melhor e refutam as fórmulas mágicas (e caras) vendidas para angariar vida longa.

E, sim, endossam que tem coisa que está em nossas mãos, como prova um dos entrevistados de Buettner na minissérie sobre as zonas azuis.

“Meu pai morreu aos 65. Bebia e fumava muito. Se eu seguisse seus passos, já estaria morto”, disse Ernest Zane, um morador de Loma Linda, na Califórnia, de 95 anos.

Depois de conviver por mais de duas décadas com longevos saudáveis, Dan Buettner criou uma lista com nove premissas, que englobam desde estratégias antiestresse até propósito de vida.

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A exemplo de Rose Anne, que procurou viver na prática o que aprendeu ao escrever seu livro, o americano também se esforça para exercitar algumas das lições assimiladas nas zonas azuis.

“Vou de bicicleta para as reuniões, organizo happy hours para meus amigos e procuro ter sempre minha família por perto”, orgulha-se.

Um estudo de Harvard realizado com 700 mil pacientes evidencia que a adoção de hábitos como os listados por Buettner pode aumentar a expectativa de vida em até 24 anos.

No Brasil, a cidade que mais se aproxima de uma zona azul é a gaúcha Veranópolis, a 170 km de Porto Alegre. Dos seus 26,8 mil habitantes, cerca de 3,4 mil, a maioria descendentes de italianos, já passaram dos 60 anos.

Com oito filhos, dez netos e quatro bisnetos, Olivia Lazzarotto tornou-se a mais nova centenária no dia 10 de agosto. Um acontecimento que até o prefeito da cidade, que também é médico, celebrou e comentou.

“Estou com 70, mas também quero chegar aos 100”, disse o cardiologista Waldemar De Carli. “E quero sentir-me útil por muitos anos ainda”. Quem não quer?

Marineth Huback é o que se pode chamar de colecionadora atípica. Enquanto filatelistas reúnem selos e numismatas, moedas, ela “coleciona” picos.

Em 25 anos de montanhismo, já escalou 124 ó o mais alto, o da Bandeira, na divisa entre Minas e Espírito Santo, tem 2 891 metros de altitude. Só a Pedra da Gávea, no Rio de Janeiro, ela escalou 17 vezes. Seu sonho é subir o Dedo de Deus, também no Rio, que tem 1 692 metros.

Já tentou duas vezes, mas o mau tempo não a deixou concluir a empreitada. Aos 86 anos, a montanhista não se contenta apenas em escalar: também pratica trilha, rapel, tai chi, musculação

“Não me interessa viver muito. Quero viver bem”, afirma. “Volta e meia, alguém me diz: ‘Marineth, escalar montanhas é perigoso. Nessas horas, respondo: ‘Cair no banheiro também! Uma vizinha morreu depois de escorregar no box’”, conta ela, que faz check-up anual e não despreza o preparo básico para se aventurar lá no alto.

16 dicas para a longevidade, de acordo com a ciência
16 dicas para a longevidade, de acordo com a ciência (Otavio Silveira/SAÚDE é Vital)

Cuidados necessários

Preparo é tudo. E envolve cuidados. Cuidados que demandam orientação, que, por sua vez, exige gente capacitada a entender as particularidades do envelhecimento e do idoso, profissionais aptos a instruir os cidadãos a preservar a tal da capacidade funcional.

Eis um desafio no Brasil. Temos mais de 30 milhões de pessoas acima de 60 anos e apenas 2,6 mil geriatras para assisti-las, segundo a SBGG. Na ponta do lápis, dá um médico para cada 11,4 mil pacientes, sendo que a recomendação da OMS é um a cada mil.

“Além de termos um número baixo, os poucos geriatras estão concentrados em grandes cidades do Sul e do Sudeste”, observa Cintra.

Outro estudo, o da Saúde dos Idosos Brasileiros, coordenado pela Fiocruz-MG, revela que mais de 70% dos idosos dependem do SUS e possuem doenças crônicas, aquelas que pedem consultas e exames com maior frequência.

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Não é fácil vencer esse gargalo conectado a desigualdades sociais, mas um olhar centrado no idoso é determinante para mitigá-lo. Pelo menos, dentro de algumas instituições, esse movimento já acontece.

O sistema “amigo dos idosos”, com programas desenvolvidos em clínicas e hospitais, faz valer premissas que consideram as peculiaridades e o respeito a essa fase da vida.

A geriatra Patrícia Ferreira, head do programa Longevidade, da Rede D’Or São Luiz , e integrante da mesa de discussão sobre o tema no fórum de VEJA SAÚDE e GSK, destacou a importância de os profissionais e as entidades transformarem em prática os pilares dos 5Ms  —de Mobilidade, Mente, Medicações, Multicomplexidade (que se refere a questões de saúde que ocorrem em paralelo) e Mais importante (na ótica do paciente).

Isso pressupõe ouvir o público 60+ com sensibilidade, entender suas queixas físicas e mentais, racionalizar o uso de remédios (evitando interações e sobreposições perigosas), avaliar e prezar sua autonomia e considerar seus valores e desejos.

Nessa linha, até o formato tradicional e paternalista de atendimento, em que o médico manda e o paciente obedece, está com os dias contados.

Para o endocrinologista e debatedor Marcelo Alvarenga, o sistema de saúde precisa deixar de ser “medicocêntrico” e se tornar “pacientecêntrico”.

“Certa ocasião, um paciente com diabetes me perguntou: ‘Doutor, quem de nós entende mais do assunto?’ Respondi que somos experts. Ele, por conviver com a doença; eu, por estudá-la. Por isso, nossas decisões devem ser compartilhadas”, diz o presidente da Sociedade Brasileira de Experiência do Paciente e Cuidado Centrado na Pessoa.

Ideias e iniciativas do gênero mostram que as coisas estão mudando, apesar das barreiras a superar, entre elas o etarismo.

Mas a criação de núcleos de estudo do envelhecimento, novas universidades abertas à terceira idade, centros para pacientes longevos em grandes hospitais e think tanks dedicados à economia prateada, como a Ativen, que ajuda a mapear e a desenvolver startups voltadas ao público sênior, prova que essa é uma tendência a ganhar escala.

Na verdade, estamos diante de uma demanda reprimida que tem de ser incorporada às pautas dos governos. “Saúde não é apenas o remédio que o idoso toma. É também o alimento que ele come, a casa onde mora, o lazer de que usufrui”, diz o gerontólogo Alexandre Kalache, presidente do Centro Internacional de Longevidade Brasil (ILC-BR).

Palavras de sabedoria

Bruna Lombardi não é médica nem cientista. Mas, volta e meia, é convidada a falar sobre envelhecimento.

Em março, foi a embaixadora do projeto O Futuro do Ser, uma exposição no Museu do Amanhã, na capital fluminense. Quando indagada sobre o que fazer para ter uma vida longa e saudável, a atriz e escritora de 71 anos foge de receitas óbvias.

Prescreve autoconhecimento — a melhor bússola para cuidar de si e dos outros. Ela a compara àquela instrução dada nos voos de avião: em caso de perda de pressão na aeronave, coloque primeiro a máscara de oxigênio em você e só depois ajude quem estiver ao lado.

“Precisamos estar sãos e salvos para apoiar os outros. E nos sentir bem para fazer o bem ao próximo. Nunca necessitamos tanto de harmonia para sobreviver como neste mundo tão distópico”, afirma.

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Essa reflexão, que nos convida a parar e a olhar mais para si e o mundo ao redor, conversa com um dos preceitos recomendados pela líder zen-budista Monja Coen, de 76 anos, no Fórum Longevidade 360º: “Não podemos continuar atropelando cada instante da vida. É preciso equilíbrio”.

Sem essa palavra, tão em falta nas rotinas aceleradas de hoje, ninguém chegará aos 100 com saúde.

16 ingredientes da longevidade

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1. Faça exercícios

Não precisa ser atleta, mas praticar atividade física regularmente. Que tal, então, começar por algo light, como caminhada, bicicleta ou natação, no seu ritmo, duas ou três vezes por semana? E, aos poucos, enveredar por outras modalidades? O mantra é ser ativo… sempre! 

2. Durma bem

Para suar a camisa, você precisa estar descansado. De seis a oito horas por noite, recomendam os médicos. A gerontóloga Rose Anne Kenny sugere transformar seu quarto numa espécie de “caverna”. Escura, ventilada e livre de luzes, de ruídos e de telas.

3. Cultive amigos

Se o esporte é coletivo, dá para manter a forma e fazer colegas de uma vez só. Mesmo que o exercício seja solo, ter alguém por perto encoraja a não desistir. E não só nesse domínio. Amizade é tudo de bom para desfrutar a vida ou desabafar sobre ela. É coisa para se guardar…

4. Tenha hobbies

O grego Stamatis Moraitis, que viveu até os 102 anos, gostava de jogar dominó. Ao mesmo tempo que cultivava velhas amizades, curtia seu passatempo favorito. Já Umeto Yamashiro, japonesa de 101 anos, gosta de tocar banjo e dançar. Qual o seu?

5. Tome vacinas

Virou lugar-comum dizer que vacina não é coisa só de criança, mas não custa reforçar. No caso dos maiores de 60 anos, as doses mais indicadas são contra a gripe, a Covid e o herpes-zóster. Na dúvida, procure um posto de saúde ou consulte seu médico.

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6. Viva a natureza

Já ouviu falar em “banho de foresta”? Então, é uma técnica japonesa que recomenda interação terapêutica com a natureza. Mas você não precisa viajar para a Amazônia para sentir seus efeitos. Pode passear em um bosque, parque ou jardim perto de casa.

7. Trabalhe no que gosta

Tony Tornado, Paul McCartney e João Carlos Martins não pensam em se aposentar. Não importa a profissão, se ela é prazerosa, procure exercê-la. Ter um bom motivo para pular da cama todos os dias pela manhã é uma das chamas que alimentam a vida anos a fio.

8. Aprenda sempre

Alguém já disse que ninguém é velho o bastante que não tenha algo novo a aprender. Alexandre Kalache assina embaixo. Segundo o médico, o aprendizado constante é um excelente antídoto contra o etarismo e ainda preserva as habilidades cognitivas.

9. Alimente-se direito

Há quem diga que nenhuma garfada é neutra. Não precisa virar neurótico com o cardápio, mas buscar balanceá-lo, priorizando alimentos naturais e frescos, especialmente vegetais, e maneirando nos industrializados ultraprocessados, bem como em itens cheios de sal, açúcar e gordura.

10. Combata o estresse

Algo que chamou a atenção do pesquisador Dan Buettner em suas idas e vindas às zonas azuis foi a existência de “rituais antiestresse”. É como se o povo desligasse o aparelho da tomada ou, então, desse um reboot em seu computador. Em poucos minutos, está novinho em folha.

11. Mantenha a fé

Já há um corpo de estudos mostrando a influência da espiritualidade — não necessariamente, a religião — no estado de saúde. Monja Coen defende que acreditar em uma força superior nos ajuda a navegar por uma existência em que não conseguimos controlar tudo que sentimos ou pensamos.

12. Fuja da solidão

Sentir-se sozinho é tão prejudicial à saúde psíquica quanto viver um relacionamento tóxico. E não estamos falando apenas de relações amorosas, não. Procure manter a família e os amigos por perto — sempre que possível, no modo presencial.

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13. Visite o médico

“Não espere fcar doente para cuidar da saúde. Cuide da saúde para não fcar doente.” Quem prega isso é Marineth Huback, a montanhista de 86 anos que, entre outros esportes, pratica rapel, trilha e tai chi. E ainda tem tempo para fazer as consultas e os exames de rotina. Tudo cabe na agenda.

14. Controle o peso

Pesquisas têm mostrado que a restrição calórica e a manutenção do peso são princípios que repercutem diretamente na longevidade. Os habitantes da zona azul Okinawa já sabiam: param de comer quando se sentem uns 80% satisfeitos. Ou seja, antes de estufar a pança.

15. Não se intoxique

O conselho é velho, mas não caduco: não fume. Nem pense em começar (ainda que seja a versão eletrônica) ou, se for o caso, procure apoio para largar já o cigarro. Álcool também não combina com saúde. Uma dose ou outra de vez em quando, vá lá, mas há quem prescreva ingestão zero.

16. Faça o tratamento

Três em cada dez brasileiros acima dos 50 têm mais de uma doença crônica, a exemplo de pressão alta e diabetes. Muitas vezes, elas só são controladas com remédios e mudanças de hábito. Então siga à risca o que o médico orientou — lembrando-se de informar a ele o que anda fazendo e tomando.

Prevenir é melhor que correr para se curar

Os índices de vacinação entre adultos e idosos brasileiros estão longe do ideal. E essa negligência pode cobrar um preço. A crença de que pessoas mais velhas não precisam se imunizar já caiu por terra faz tempo.

Pelo contrário, existem algumas doenças infecciosas particularmente críticas para os idosos, com esquemas de vacinação desenhados para eles — a exemplo de doses contra gripe e herpes-zóster.

A Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm) tem inclusive um calendário dedicado a esse público. No fórum de VEJA SAÚDE e GSK, a geriatra Maisa Kairalla destacou que, fora a prevenção de infecções em si, vacinas têm um efeito espiral em prol do envelhecimento saudável, reduzindo indiretamente ocorrências como infarto e demência.

16 dicas sobre longevidade, segundo a ciência
16 dicas sobre longevidade, segundo a ciência (Otavio Silveira/SAÚDE é Vital)

A jornada de cuidado centrada no paciente

Esse é um conceito relativamente novo que coloca as necessidades e particularidades do paciente, sobretudo os 60+, no meio da roda de uma assistência multidisciplinar.

“A ideia não é tratar a doença, mas o paciente que está doente”, resume Kelly Rodrigues, CEO e fundadora da Patient Centricity Consulting, primeira empresa especializada em experiência do paciente no Brasil, e uma das convidadas a participar de um debate sobre o tema, ao lado dos médicos Marcelo Alvarenga, Patrícia Ferreira e Maisa Kairalla.

Segundo Kelly, o cuidado centrado envolve dar autonomia ao paciente, educar sobre as patologias, coordenar cuidados entre os profissionais que farão o atendimento e estabelecer um plano que realmente engaje aquela pessoa

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