Com o coração nas nossas mãos: aprenda a cuidar melhor dele
Conheça as novas e surpreendentes recomendações de prevenção às doenças cardiovasculares, o problema de saúde que mais mata em todo o mundo
Quando Roberto Itimura cruzou a linha de chegada da última prova de triatlo disputada na cidade de Santos, não houve quem não vibrasse com ele. Estavam lá sua esposa, seus colegas de corrida, vindos de Jundiaí, no interior paulista, e amigos anônimos feitos durante a prova. Não faltou torcida na cidade onde é sempre acolhido.
“Uma vez uma senhora passou por mim durante uma competição, viu que eu estava exausto, deu uma batidinha nas minhas costas e me incentivou: ‘Endireita esse corpo, respira e olha pra frente’. Fui no pace da vida”, recorda o aposentado de 63 anos, que passou a maior parte de sua trajetória trabalhando na indústria química.
Foi no ritmo que o corpo lhe permitiu que ele concluiu seu primeiro triatlo, competição composta de uma prova de 750 metros de nado livre, 20 quilômetros de ciclismo e 5 quilômetros de corrida.
Clique aqui para entrar em nosso canal no WhatsAppEra mais uma conquista para ele, que já havia completado 15 maratonas de 42 quilômetros e uma ultra de 53 — todas no pace da vida, expressão que o paulista usa até hoje nas redes sociais em referência ao que, no mundo esportivo, remete ao ritmo médio do atleta.
“A corrida de rua salvou minha vida. Sem ela, eu não estaria aqui contando minha história”, acredita Itimura. Não se trata de força de expressão. O aposentado de Jundiaí sobreviveu a três infartos. Sua história de vida começou a mudar no Natal de 2004, quando ele passou a sentir uma forte dor no peito.
No mês seguinte, já entrando em 2005, Itimura sofreu seu primeiro ataque cardíaco. Na época, com 44 anos, ele tinha no currículo décadas de tabagismo e uma rotina sedentária e estressante. “Foi um choque, ninguém da minha família havia tido algo parecido”, lembra.
A partir daí, o homem começou a carregar consigo uma porção de pontes de safena, que garantiam a passagem de sangue para o coração, e, sob orientação dos médicos, deu início a uma séria mudança no estilo de vida.
Se já havia largado o cigarro alguns anos antes — para minimizar as crises de bronquite da filha —, agora passaria a cuidar da alimentação e a fazer caminhadas.
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Principal causa de morte
De passo em passo, hoje o maratonista e triatleta tem sua condição bem controlada. Mas não deixa de ser um dos 14 milhões de brasileiros que convivem com alguma doença cardiovascular. Cerca de 400 mil morrem todos os anos por problemas decorrentes de infarto, arritmia, acidente vascular cerebral (AVC)…
São várias as arapucas e complicações a que o sistema circulatório está sujeito, resultantes da influência dos genes, de maus hábitos e do avançar da idade.
Quando somadas, elas representam a principal causa de morte no planeta. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), mais de 20 milhões de óbitos anuais são provocados pelos problemas que afetam coração, veias e artérias. E o número não arrefece. Na década de 1990, eram 12 milhões de mortes por ano.
“O aumento se deve a um conjunto de fatores, a exemplo do envelhecimento da população e do baixo controle de fatores de risco, como obesidade, diabetes e hipertensão”, analisa Roberto Kalil Filho, presidente do conselho do Instituto do Coração (InCor) e diretor do Centro de Cardiologia do Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo.
Não importa o paciente que entre em seu consultório — pode ser o presidente Lula, o apresentador Otaviano Costa (que passou por uma cirurgia de aneurisma de aorta há pouco) ou alguém distante dos holofotes —, o cardiologista faz questão de falar sobre prevenção.
“As doenças cardiovasculares são muito comuns, mas, em sua maioria, também evitáveis”, ressalta. “Adotar uma alimentação balanceada, fazer atividade física, não fumar e ter uma rotina de sono são coisas básicas para manter a saúde em ordem”, exemplifica o médico.
E esse roteiro, que está em nossas mãos, agora é enriquecido com novas recomendações — algumas delas um tanto surpreendentes.
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Mudar de hábitos salva vidas
Impedir desfechos assustadores como os infartos vivenciados por Roberto Itimura é o que mobilizou pesquisadores australianos a elaborar uma nova lista com dez conselhos para cuidar do coração e sua rede de vasos.
Baseadas nas últimas evidências científicas e publicadas no respeitado periódico médico European Heart Journal, as orientações visam melhorar o estado cardiometabólico e prepará-lo para um envelhecimento mais saudável.
“As medidas englobam o controle de fatores que representam uma ameaça potencial ao coração, como obesidade, diabetes e colesterol alto, e a redução de danos causados às artérias ao longo dos anos”, resume o geriatra Marco Túlio Cintra, presidente da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG).
Além dos cuidados clássicos com a dieta, a movimentação, o sono e a adesão aos remédios receitados pelo médico, os especialistas introduziram prescrições específicas, e algumas delas disruptivas, como cultivar amizades e conectar-se com a natureza.
Em resumo, são hábitos que, direta ou indiretamente, ajudarão a conter o estresse inflamatório a que o sistema cardiovascular está vulnerável com o passar dos anos.
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“O que acontece conforme envelhecemos é que os vasos vão perdendo a capacidade de relaxar e de ofertar sangue rico em oxigênio. Eles vão ficando cada vez mais rígidos e espessos, predispostos ao acúmulo de gordura em suas paredes internas e a entupimentos”, explica a cardiologista Maria Cristina Izar, presidente da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo (Socesp).
Esse fenômeno é o estopim para infartos, AVCs e afins. Basicamente, todas as ações recomendadas pelo novo documento visam evitar justamente a debilitação desses vasos.
“E, quanto antes nós as adotarmos, melhor”, recomenda Gustavo Foronda, cardiologista pediátrico do Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo. “São hábitos que devem ser cultivados desde a infância e juventude. Isso irá beneficiar a saúde do indivíduo como um todo, e os resultados poderão ser vistos no curto e no longo prazo.”
Na maioria das vezes, os fatores de risco e as doenças cardiovasculares são adquiridos ao longo da vida, demorando anos a dar sintomas. Aí reside o perigo.
Não raro, o primeiro sinal já vem com um ataque cardíaco. Se por um lado isso preocupa, por outro nos lembra de que podemos intervir no percurso. E, mesmo no caso de problemas congênitos, a lógica da redução de danos com bons hábitos pode ser aplicada a fim de espantar ou retardar alguma complicação.
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Cardiopatias congênitas
A influencer Juliana Mathias, de 37 anos, estava grávida de 22 semanas quando ouviu dos médicos que seu bebê tinha uma malformação cardíaca.
“É a síndrome da hipoplasia do coração esquerdo, em que a criança nasce sem ou com apenas uma pequena parte do ventrículo responsável por bombear o sangue para o corpo”, explica a mãe de Pedro, que passou por sua primeira cirurgia cardíaca com 4 dias de vida.
Hoje, aos 3 anos, o menino se prepara para entrar na fila do transplante de coração. Enquanto aguarda, sua rotina se reveza entre consultas mensais com especialistas na BP – A Beneficência Portuguesa de São Paulo e aulas de natação e música.
Mesmo que ele possua uma condição grave, os médicos e pais fazem questão de que tenha uma vida tão ativa quanto a de qualquer outra criança. “O Pedro já sabe reconhecer os próprios limites e dá pausas quando percebe que brincou demais. As atividades fazem bem para ele tanto física como psicologicamente”, conta Juliana.
A família de Santana de Parnaíba, na região metropolitana de São Paulo, é uma das milhares que convivem com o diagnóstico no país.
Segundo o Ministério da Saúde, estima-se que 30 mil crianças nasçam com cardiopatias congênitas todos os anos e 40% precisarão de intervenção cirúrgica ainda no primeiro ano de vida. São problemas que, frequentemente, ocorrem ao acaso e não podem ser prevenidos, além de terem um grande impacto na qualidade e expectativa de vida dos pequenos.
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Imunidade em dia
Para além de cultivar hábitos saudáveis desde cedo, a despeito de portar ou não um problema como o de Pedro, outra atitude bem-vinda ao coração é a vacinação.
“Algumas cardiomiopatias, que são doenças que atingem a musculatura do órgão, podem ser desencadeadas por infecções virais, prevenidas com imunizantes”, justifica Weimar Barroso, presidente da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC).
“Como foi visto durante a pandemia, o Sars-CoV-2 é um desses vírus, e, para evitar complicações, inclusive ao coração, reforçamos a necessidade de se imunizar contra a Covid-19.”
O coronavírus, claro, não está sozinho nessa. O influenza, por trás da gripe, é outro patógeno que desestabiliza o sistema circulatório. Uma série de estudos já demonstrou que a vacinação reduz, além dos reveses respiratórios, o risco de infarto e AVC.
O cuidado com as infecções se estende por aquelas que ainda não dispõem de imunização. É o caso da bactéria Streptococcus pyogenes, que provoca a febre reumática e pode danificar, anos depois, as válvulas cardíacas.
O diagnóstico e o tratamento precoce coíbem sofrimentos no presente e no futuro.
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Setembro Vermelho
Para alertar a população brasileira sobre os perigos da doença cardiovascular e iluminar as rotas da prevenção, a SBC organiza anualmente o Setembro Vermelho.
A campanha de conscientização movimenta as redes sociais e promove encontros para que as pessoas possam tirar dúvidas com especialistas, aprender sobre os riscos e fazer checagens rápidas de pressão, frequência cardíaca e outros parâmetros de saúde.
É também um mês para ampliar conversas com o Ministério da Saúde e a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) a fim de atualizar os planos de contenção do problema na região.
A entidade ainda vai continuar sua parceria com a Confederação Brasileira de Futebol (CBF), promovendo partidas para sensibilizar os torcedores de que é possível driblar os prejuízos ao peito. Torcedores… e torcedoras.
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Coração das mulheres
Um grupo gigantesco que precisa de mais esclarecimento e suporte diante das doenças cardiovasculares são as mulheres. Isso porque, diferentemente do que se propagandeou durante décadas, os problemas do coração são comuns a ambos os sexos.
“As pessoas ainda costumam acreditar que essas doenças afetam só os homens, mas as mulheres sofrem bastante também. É a principal causa de morte entre elas”, destaca a cardiologista Auristela Ramos, coordenadora do Socesp Mulher, uma iniciativa da sociedade paulista para informar a população feminina sobre seus riscos particulares.
Há duas fases na vida da mulher com um tremendo impacto na saúde do coração: a gestação e a menopausa.
Durante a gravidez, há uma tendência natural de aumento da frequência cardíaca e de diminuição da pressão arterial, mas, a depender da propensão individual, a futura mamãe pode desenvolver hipertensão e diabetes gestacionais, pré-eclâmpsia e eclâmpsia.
“São condições que podem ser minimizadas por meio de um bom acompanhamento pré-natal, mas que aumentam as chances de ter doenças cardiovasculares durante toda a vida”, afirma Auristela.
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Isso mesmo, o perigo não vai embora necessariamente após o nascimento do bebê. Entre o último mês de gravidez e os cinco primeiros meses pós-parto, a mulher também pode desenvolver a miocardiopatia periparto, uma forma de insuficiência cardíaca mais rara.
Já na menopausa, a queda na produção dos hormônios femininos, um fator protetor aos vasos sanguíneos, aumenta a probabilidade de chabus. E o drama, nesse caso, é que, mesmo com o risco de infarto decolando, muitas mulheres ignoram seus indícios.
“Ele pode se manifestar de uma forma diferente daquela apresentação clássica com dor no peito que irradia para braço, mandíbula e costas. Pode ser um desconforto inespecífico, semelhante a um mal-estar”, descreve a especialista da Socesp.
Hora do socorro
Conhecer os sinais de alerta de um infarto ou AVC — condições que compartilham fatores de risco e gênese — vale ouro. Munidos desse tipo de informação é que podemos correr por ajuda. Correr mesmo. Diante de uma suspeita, tem que procurar o hospital quanto antes.
“Dor no peito ou na cabeça, falta de ar, náuseas e vômitos são os sintomas mais comuns, e, quando aparecem, o serviço de emergência deve ser chamado prontamente”, orienta Cintra. “Não é hora para tentar resolver tudo sozinho”, adverte o geriatra.
Quando se constata um atentado cardíaco ou cerebral, o tratamento é feito principalmente com a infusão de medicamentos antitrombóticos ou com intervenções que buscam restabelecer o fluxo sanguíneo comprometido, caso da angioplastia — método feito via cateterismo — e da cirurgia de revascularização — popularmente conhecida como ponte de safena.
Muito antes de chegarmos a esse estágio, porém, podemos mexer os pauzinhos nos hábitos e recorrer aos medicamentos utilizados para domar os fatores de risco, como hipertensão, diabetes, triglicérides e colesterol altos etc.
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Como tratar problemas cardíacos
O desafio é, com frequência, manter todos os tratamentos em dia, nos horários corretos, e evitar interações medicamentosas e efeitos adversos. Alterar a prescrição por conta e se automedicar, práticas sempre contraindicadas, pode ser ainda mais tenebroso nessas circunstâncias.
Um levantamento realizado pela empresa mineira Far.me, que dá suporte a pessoas que precisam de ajuda para se organizar e tomar remédios, mostrou que o ácido acetilsalicílico é o medicamento que mais causa problemas quando mal utilizado.
“Ele é geralmente prescrito para prevenir trombose, infartos e AVC, mas, quando tomado em doses altas por falta de orientação, pode acabar provocando sangramentos e anemia”, alerta o farmacêutico Hágabo Silva, gerente de farmácia clínica da empresa.
A pesquisa se baseou na análise de mais de 17 mil receituários. Felizmente, as tecnologias usadas para o acompanhamento e o tratamento das doenças cardiovasculares tem avançado de vento em popa.
Hoje é possível monitorar a frequência cardíaca com smartwatches, que podem ser programados para avisar quando o ritmo do coração está alterado.
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“Pensando em abordagens cirúrgicas, já há opções menos invasivas que, além de excelentes resultados, facilitam a recuperação do paciente após o procedimento de colocação ou troca de válvulas e stents”, contextualiza Murilo Contó, head de Health Policy da Boston Scientific Brasil, empresa que produz equipamentos médicos.
Lidando com complicações
Os cuidados com o órgão que bombeia o sangue pelo corpo e os encanamentos responsáveis pela sua distribuição dobram quando o indivíduo já passou por um baque ali. Nessas horas, além dos desafios físicos, o sofrimento psicológico fica à espreita, o que, por si, pode elevar o risco cardiovascular.
“Fazer acompanhamento psicológico se torna essencial tanto para lidar com as inseguranças do diagnóstico quanto para desenvolver estratégias que minimizem o estresse no dia a dia”, sublinha a psicóloga Patrícia Almeida Costa, do InCor.
Além disso, após sofrer um infarto ou AVC, o indivíduo pode encarar comprometimentos motores e cognitivos que dificultam o retorno às atividades habituais.
“São pacientes que precisam de cuidados multiprofissionais, com o apoio de fisioterapeutas, nutricionistas, educadores físicos…”, afirma Maria Cristina. “E seus limites precisam ser sempre avaliados e respeitados”, diz a líder da Socesp.
Hoje, Roberto Itimura sabe a importância de reconhecer esses limites — e quando pode tentar superá-los. Nem sempre foi assim. Após se recuperar do primeiro ataque cardíaco, ele começou a se movimentar e a se desafiar nos parques de sua cidade, mas não informou aos médicos.
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“Eu caminhava dois postes e trotava um. Depois passei a andar um poste e trotar outro. Quando vi, já tinha acelerado.” A equipe médica, quando soube, deu uma bronca.
“A intensidade da atividade física deve ser monitorada em cardiopatas”, justifica Cláudia Forjaz, professora da Escola de Educação Física e Esporte da USP. “Exercícios têm uma longa lista de benefícios, mas aqueles que exigem mais vigor merecem atenção na presença de fatores de risco, pois podem sobrecarregar o sistema cardiovascular.”
Itimura bem sabe dos riscos. O terceiro e último infarto que teve ocorreu em 2009, no final de uma corrida em São Paulo. “Me disseram que eu cheguei a cruzar a linha de chegada, mas só me lembro de estar dentro da ambulância, a caminho do hospital.”
Quase 20 anos depois da primeira vez em que sentiu dor no peito, o morador de Jundiaí vai à academia diariamente e segue se inscrevendo nas provas.
“Nenhum médico entende muito bem como estou vivo, mas sou acompanhado de perto pelo meu cardiologista e há 15 anos não tenho complicações. Já vivi mais do que qualquer um havia predito”, orgulha-se.
Agora ele se prepara para um dia participar de uma competição de triatlo completo, com 1,5 quilômetro de nado, 35 de ciclismo e 10 de corrida. “Quero chegar cada vez mais longe, mas no meu tempo… No pace da vida.”
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