Faustão não furou a fila do SUS. Entenda rapidez no transplante de coração
Saiba como é feito o procedimento ao qual o apresentador foi submetido e como funciona a lista de espera por órgãos no país
O apresentador Fausto Silva recebeu um transplante de coração no último domingo, 27. A cirurgia foi realizada no Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo.
De acordo com o boletim médico divulgado pelo hospital na segunda-feira, 28, o procedimento foi realizado com sucesso e o apresentador segue internado sob sedação, respirando com auxílio de ventilação mecânica. O estado clínico é estável e as funções do coração estão de acordo com o esperado para as primeiras 24 horas.
Faustão estava hospitalizado para o tratamento de insuficiência cardíaca desde o dia 5 de agosto. Com o agravamento do quadro, ele foi incluído na lista de espera pelo procedimento.
Com o anúncio da necessidade de transplante pelo apresentador, circularam nas redes sociais desinformações sobre como funciona a regulação do sistema no país.
A fila de transplantes no Brasil é única e regulada pelo Sistema Único de Saúde (SUS). O sistema nacional funciona de acordo com critérios técnicos como compatibilidade de sangue, parâmetros de peso e altura, além de fatores como a gravidade do caso.
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O que leva alguém a precisar de um transplante de coração
A insuficiência cardíaca é a principal indicação para o procedimento. Estima-se que a doença atinja cerca de três milhões de brasileiros.
“O problema está associado ao enfraquecimento do músculo cardíaco. As causas são várias, desde a obstrução das artérias, sequelas de infarto, danos das válvulas do órgão ou miocardiopatias, que são doenças que afetam esse músculo”, afirma o médico Roberto Kalil, presidente do Conselho do Incor e diretor de cardiologia do Hospital Sírio-Libanês.
Neste cenário, o órgão se torna incapaz de bombear o sangue adequadamente para as demais partes do corpo. Como consequência, podem surgir danos às funções dos pulmões, dos rins e do fígado.
Os principais sinais são cansaço excessivo, inchaço nas pernas, dificuldade para respirar e pouca tolerância à atividade física. Os pacientes também podem apresentar tosse durante a noite, perda de apetite, dor abdominal, ganho ou perda de peso acentuada.
O tratamento envolve o acompanhamento diário de sinais e sintomas, o controle dos fatores de risco e a utilização de medicações.
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O cardiologista destaca que há diferentes graus de insuficiência cardíaca e que o transplante é indicado para pacientes que esgotaram outras terapias, incluindo diferentes fármacos.
“A via final é o transplante cardíaco”, resume Kalil.
No Brasil, o primeiro procedimento foi realizado em 1968, no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP). Desde então, a sobrevida dos pacientes apresentou melhora significativa, acompanhando os avanços da medicina.
Segundo o médico, as taxas de sucesso desse tipo de cirurgia são elevadas. “Os índices de complicações no Brasil são em torno de 10% a 13%, iguais aos de qualquer centro no mundo”, diz Kalil.
Após a operação, há uma fase de recuperação com a utilização de algumas medicações para evitar rejeição, como imunossupressores, e, depois, o paciente pode retomar boa parte de suas atividades.
Segundo estudos, a sobrevida média com o novo coração é de 11 anos.
Como funciona o sistema de transplantes no Brasil (e por que não é possível furar a fila)
A lista para transplantes no país é única, com regras que valem tanto para pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS) quanto da rede privada.
Todo o processo é regulado pelo Sistema Nacional de Transplantes, composto pela Central Nacional de Transplantes do Ministério da Saúde e por núcleos estaduais.
A espera por um órgão funciona por ordem cronológica de cadastro. Além disso, são respeitados outros critérios como compatibilidade, gravidade do caso e o tipo sanguíneo do doador. Quando os fatores técnicos são semelhantes, a ordem de chegada funciona como indicador de desempate.
De acordo com o Ministério da Saúde, esses quesitos são levados em consideração para definir quem deve ser priorizado. Pacientes em estado crítico, por exemplo, podem ser atendidos com prioridade, em razão de sua condição clínica e risco de morte.
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“Um sistema de software controla a fila de espera, que chamamos de cadastro técnico único. Todo hospital que possui alguém que precisa de transplante, inscreve o paciente nesse software”, explica o enfermeiro Tadeu Thomé, do Departamento de Coordenação em Transplantes da Associação Brasileira de Transplantes (ABTO).
Os dados de um doador de órgãos são inseridos no mesmo sistema pelas instituições.
“O sistema cruza esse complexo de informações e de variáveis e faz uma lista de quem são os indivíduos aptos ao transplante. Tudo isso é feito com portarias, não há espaço para subjetividade. Todas as questões de alocação desses órgãos são baseadas em regras que estão nesse sistema”, afirma Thomé.
A lista de receptores não diz, por exemplo, se é um transplante do SUS ou da rede privada.
Indivíduos diagnosticados com problemas de saúde que requeiram transplante de órgãos ou de córnea podem consultar o prontuário médico e acompanhar a posição na lista de espera pelo portal do Sistema Nacional de Transplantes.
A necessidade de um transplante por uma personalidade, como Fausto Silva, invariavelmente leva à circulação de boatos sobre a credibilidade da fila de espera por um órgão no Brasil.
Diante disso, o Ministério da Saúde divulgou nota oficial na noite de domingo, 27, em que reforça que o processo é idôneo.
O comunicado da pasta destaca que o Brasil conta com o maior sistema público de transplantes de órgãos do mundo. Além disso, 90% das cirurgias atendem à rede pública.
Os dados mais recentes do Registro Brasileiro de Transplantes (RBT), da Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO), de março deste ano, mostram que mais de 55 mil pessoas aguardam por um transplante no Brasil. Veja o recorte por órgão:
- Rim: 30.538
- Córnea: 22.757
- Fígado: 1.302
- Coração: 310
- Pâncreas: 312
- Pulmão: 167
No primeiro semestre de 2023, foram realizados 206 transplantes de coração no país, aumento de 16% em relação ao mesmo período do ano passado, segundo o Ministério.
Por que Faustão conseguiu um coração tão rápido
A insuficiência cardíaca de Faustão vem sendo acompanhada desde 2020. Devido ao agravamento do quadro, ele foi incluído na fila única de transplantes regida pela secretaria estadual de Saúde de São Paulo.
Até a realização do procedimento, ele recebeu diálise e medicamentos para ajudar na força de bombeamento do coração.
Para que um órgão seja implantado em um paciente, são avaliados fatores como a compatibilidade do tipo sanguíneo, características relacionadas ao peso e à altura de doador e receptor, além de componentes genéticos.
De acordo com a Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo (SES/SP), o tempo de espera por um transplante cardíaco para potenciais receptores do grupo sanguíneo B, como Fausto Silva, é de 1 a 3 meses.
Este tempo é reduzido quando há risco de óbito, como no caso do apresentador.
Neste domingo, 27, quando houve a oferta do coração, 12 pacientes atendiam aos requisitos para o procedimento. Destes, quatro estavam em prioridade, de acordo com a secretaria. Fausto Silva estava em segundo lugar na fila de espera.
A equipe responsável pelo paciente que ocupava a primeira posição decidiu pela recusa do órgão. A partir disso, a oferta seguiu para Faustão. As informações da secretaria não detalham os motivos da recusa.
Após avaliação, a equipe médica do Hospital Israelita Albert Einstein, que acompanha o apresentador, aceitou a oferta do órgão, realizando a captação e o transplante.
A cirurgia aconteceu com sucesso no início da tarde de domingo e durou cerca de 2h30.
Incentivo à doação
No Brasil, a doação só pode ser realizada com a autorização da família. Em 2022, mais de 45% delas não concordaram com o procedimento.
A falta de informação está entre os principais motivos para a recusa. Uma preocupação comum é sobre o aspecto do corpo após a retirada de órgãos.
O processo segue cuidados para a realização de uma reconstituição adequada, prevista em lei no Brasil. O corpo do doador fica sem nenhuma deformidade, exceto uma cicatriz na região do abdome.
Nesse sentido, não há necessidade de qualquer adaptação ao sepultamento, podendo ser mantidas cerimônias de velório e caixão aberto, se este for o desejo da família.
“Se você quer ser um doador de órgãos, tem que avisar à família. Não adianta deixar por escrito, registro em cartório ou carta, por exemplo. Aqueles cartões recebidos em campanhas de incentivo à doação são apenas para lembrar essa vontade à família, em um momento tão doloroso como a perda de um ente querido”, diz Thomé.