Comprometimento cardiovascular não contraindica vacina da Covid-19
Diretor científico da Sociedade de Cardiologia de São Paulo explica por que a entidade apoia a imunização contra o coronavírus em todas as faixas etárias
Sim, a vacina contra o coronavírus já foi associada à miocardite, uma inflamação no coração. Mas, apesar disso, as pessoas devem se imunizar. A explicação é simples: a incidência dessa consequência indesejável é extremamente baixa e infinitamente menos relevante do que a miocardite provocada pela própria Covid-19.
Para ter ideia, estudos recentes apontaram que, em Israel, onde mais de 5 milhões de indivíduos foram imunizados, somente 62 tiveram miocardite (0,001%), com dois casos fatais. Na Dinamarca, 3,5 milhões receberam o imunizante, e 48 pessoas evoluíram com miocardite, com zero mortes.
Como se vê, além de ser um evento raro, a maior parte dos pacientes diagnosticados com miocardite por conta da vacina evolui de maneira satisfatória, com remissão espontânea.
Mas, sem dúvida, casos de miocardite derivados da vacinação precisam ser estudados mais profundamente. E já existe um empenho da comunidade científica em identificar os principais mecanismos por trás disso — o objetivo é modificar e atenuar efeitos adversos.
Não se vacinar representa um perigo maior
Quem opta por não tomar as doses recomendadas corre o risco de ser infectado pelo Sars-CoV-2 e enfrentar problemas cardíacos.
A literatura já indica que entre 7 e 10% das pessoas que pegam Covid-19 sofrem algum grau de acometimento do coração, sendo a maior parte totalmente assintomática ou com sintomas leves.
Porém, quando ocorrem as manifestações moderadas ou graves da Covid-19, esses percentuais sobem para 30 e 40%, e são representados por quadros como arritmias, rompimento das placas de aterosclerose levando ao infarto, miocardite ou pericardite.
Em estudo da Universidade de Ohio (EUA), atletas infectados pelo coronavírus que manifestaram as formas leve ou assintomática foram avaliados antes que retomassem suas atividades esportivas. Os pesquisadores observaram que 15% apresentavam alguma alteração sugestiva de miocardite na ressonância magnética do coração.
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Por conta de evidências como essas, clubes de futebol no Brasil já estão avaliando jogadores que positivaram para Covid-19 com o objetivo de diagnosticar possíveis sequelas cardiovasculares antes da liberação para voltarem aos treinos físicos.
Vale lembrar que o mal súbito de causas cardiológicas (cardiopatias genéticas, alterações estruturais do coração, etc.) e extra cardíacas (embolia pulmonar, ruptura de aneurisma, etc.) continuam fazendo suas vítimas independentemente da Covid-19.
É para todo mundo
A polêmica no começo do ano sobre a vacinação girou em torno da imunização de crianças e adolescentes. Mais uma vez, a posição da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo (Socesp) é pelo “sim”.
No Brasil, dos poucos pacientes que tiveram reação com a vacina, 11% estavam na faixa etária de 12 a 17 anos e cerca de 40% entre 18 e 44 anos.
Em relação às crianças, a publicação de dados é heterogênea, mas o acometimento cardiovascular ainda é muito baixo e, reforço, infinitamente menor do que o prejuízo cardíaco ocasionado pela própria infecção.
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E, assim como em qualquer faixa etária, na maioria dos casos crianças com miocardite pela vacina também evoluem satisfatoriamente, com cura espontânea.
Entretanto, não podemos afirmar que é impossível uma criança vacinada falecer após evoluir com miocardite aguda na forma grave. Mas, mais uma vez, a incidência é ínfima e menor que o risco oferecido pela própria doença.
Na outra ponta, estão os idosos que, assim como outros grupos etários, eventualmente podem apresentar comprometimento cardíaco pós-vacinação.
Mas aqui também cabe a relação custo x benefício: o sistema imunológico dos mais idosos pode apresentar falhas, mesmo diante da variante Ômicron, que parece provocar infecções menos graves.
Por isso, quando avaliamos as estatísticas sobre o que a doença causa versus a proteção das vacinas, não há dúvidas sobre a recomendação das doses para todos.
*Felix Ramires é cardiologista, diretor científico da SOCESP – Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo, professor livre docente da Faculdade de Medicina da USP e coordenador do Núcleo de Ensino e Pesquisa em Miocardiopatias do Incor