A importância da atividade física no tratamento da fibromialgia
Pesquisas sedimentam o papel dos exercícios no controle dessa síndrome dolorosa. Entenda o porquê — e mexa-se!
Logo que recebeu o diagnóstico de fibromialgia, Ângela Andrade, de 53 anos, não titubeou: seguiu as recomendações e deu um jeito de incluir os exercícios na agenda. Passou por alguns treinos na academia. Não se entusiasmou. Tentou a natação, mas pulou fora da piscina rápido. O medo da água foi mais forte. Persistente, descobriu-se na dança de salão, que pratica, feliz da vida, há quatro anos.
Desde então, o pilates também faz parte de sua rotina. “Se ela fica algum tempo sem as aulas, as dores ressurgem, assim como a insônia e a irritabilidade”, nota o educador físico Bruno Gion Cerazi, do Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo, que, confessa, deu um empurrãozinho para que sua mãe deixasse o sedentarismo de lado.
A prática regular de atividade física é uma das estratégias mais eficazes para controlar sintomas típicos da síndrome, como a dor que se espalha por diferentes partes do corpo, a fadiga e o sono ruim. E uma novíssima revisão de estudos, realizada pelo centro de análises de pesquisas Cochrane, vem chancelar essa indicação.
Os cientistas esmiuçaram 13 trabalhos que, ao todo, envolveram 839 pacientes. E focaram no tipo de exercício mais democrático de todos, o aeróbico. Falamos de caminhada, corrida, ciclismo, natação, hidroginástica, dança, entre outros. Concluíram que movimentar o corpo diminui a rigidez, melhora o condicionamento e o ânimo e — olha que maravilha! — reduz as dores. Um remédio e tanto para a qualidade de vida.
De onde vêm esses efeitos terapêuticos? A atividade física incentiva a liberação de substâncias do próprio organismo que agem como analgésicos naturais, caso das endorfinas. Isso colabora inclusive para melhorar as noites de sono. “Os exercícios também realocam as fibras nervosas envolvidas na sensação de dor.
Ou seja, fazem com que elas passem a desempenhar outras funções, como transferir informações sobre o equilíbrio, o tato ou a temperatura do ambiente, o que diminui o tráfego de impulsos dolorosos para o cérebro”, explica o reumatologista Roberto Heymann, da Universidade Federal de São Paulo. É para suar a camisa ou não é?
Não é de hoje que a atividade física exerce papel de destaque frente à fibromialgia, condição que acomete cerca de 5 milhões de brasileiros. No século passado, médicos já observavam que o sedentarismo piorava as dores e suas outras manifestações.
Ocorre que, mesmo atualmente, com a crescente comprovação e disseminação de que as práticas esportivas fazem um bem danado, tem gente achando que a síndrome não passa de uma invenção da cabeça — e isso tem a ver com o fato de ela ainda estar cercada de mistérios, não totalmente decifrados.
Resumindo, o que sabemos é que a fibromialgia é fruto de uma falha no funcionamento das fibras que transmitem a dor. O sistema nervoso de quem tem a condição é extremamente sensível — daí a sensação dolorosa sem motivo aparente. Tem mais uma peça nessa história, um desequilíbrio bioquímico lá no cérebro. Em função disso, a tendência é que neurotransmissores associados ao bem-estar e ao controle da dor, como a serotonina e a dopamina, estejam em baixa. E aqueles que favorecem o desconforto, adivinhe, fiquem em alta.
Todo esse desarranjo nervoso está por trás do sofrimento físico e psíquico. Não existe, portanto, “doente imaginário” por aqui. A população feminina pena bem mais com o perrengue: estima-se que são sete mulheres afetadas para cada homem, sendo a faixa etária mais prevalente entre 30 e 50 anos. Não se crava uma explicação definitiva para essa desproporção, mas se desconfia de que fatores genéticos e hormonais sejam os responsáveis.
“Além da dor difusa, pacientes relatam fadiga, problemas de sono, déficits de memória e concentração e até intestino irritável”, enumera a anestesiologista Alexandra Raffaini, da Sociedade Brasileira de Médicos Intervencionistas em Dor. A depressão também é comum e chega a agravar os suplícios físicos. Não à toa, o uso de medicamentos antidepressivos faz parte do tratamento na maioria dos casos.
Remédios, porém, não operam milagres sozinhos. Por isso, o fisioterapeuta Maurício Garcia, do Instituto Cohen de Ortopedia, na capital paulista, e outros especialistas ressaltam a importância de uma abordagem multidisciplinar, que envolva psicoterapia e um trabalho físico. “Deve-se tentar reduzir a ansiedade produzida pela doença, explicando ao paciente e à sua família que, embora a dor seja intensa e real, não há lesão nas articulações”, diz Garcia.
Suave, suave… e sempre
Os exercícios compõem o plano terapêutico contra a fibromialgia, mas, para tanto, devem constar no receituário médico e, se possível, contar com supervisão profissional. O primeiro passo é convencer uma pessoa que já está sofrendo com dor e cansaço de que mexer o esqueleto não vai piorar as coisas — pelo contrário!
“Quando há consciência de que o combate ao sedentarismo pode servir como base do tratamento, vêm o esforço e a persistência”, defende o reumatologista Diogo Souza Domiciano, do Hospital das Clínicas de São Paulo.
A palavra-chave no começo dos treinos é calma. “Dependendo do grau de condicionamento, o início pode desencadear desconfortos. Por isso, uma boa orientação durante a prática é bem-vinda”, sinaliza Domiciano. Respeitar os limites e não pegar pesado é outra lei para evitar lesões. Assim como fez a dona Ângela, o ideal é buscar a atividade que mais lhe agrada. Vale pedalar, nadar, caminhar no parque… Os benefícios vêm de brinde.
O educador físico Bruno Cerazi lembra: “Para ter sucesso, é preciso saber aonde se quer chegar, criar objetivos”. Outro ensinamento do professor é estabelecer uma rotina para treinar, se alimentar e dormir. Já não faltam estudos atestando que incorporar os exercícios ao cotidiano silencia as dores e desperta a qualidade de vida. Com força de vontade e uma dose de suor, fica mais fácil chegar ao tão sonhado alívio.
Os benefícios de caminhada, natação e companhia
Menos dor
Em seis semanas dá pra notar esse efeito. Um dos motivos é que a atividade física estimula a produção dos nossos analgésicos naturais.
Mais disposição
Quem se mexe tem ânimo e condicionamento para situações corriqueiras como subir escadas ou brincar com as crianças.
Menos rigidez
Os exercícios contribuem com a flexibilidade, diminuindo a rigidez muscular e as contraturas, sobretudo pela manhã.
Menos fadiga
Treinos aeróbicos trabalham a respiração e o sistema cardiovascular, deixando o organismo mais tolerante aos esforços.
Mais bem-estar
O aumento na oferta de neurotransmissores associados ao prazer melhora o humor e a autoestima, espantando a deprê.
Quais atividades fazer?
Aeróbicas
Pedalar, caminhar, trotar… Fazer um exercício aeróbico três vezes por semana ajuda a manter o peso e a liberar nossos analgésicos naturais.
Musculação
Já há provas de que treinos de resistência, com orientação e sem sobrecargas, melhoram a situação. Duas vezes por semana estariam
de bom tamanho.
Pilates
O método trabalha a boa postura, a flexibilidade, o equilíbrio e a respiração. Só é preciso respeitar os limites do corpo, por favor.
Na água
Os exercícios no meio líquido são bacanas por absorver o impacto. Natação ou hidroginástica ainda favorecem a manutenção do controle das dores.
Alongamento
Embora não existam tantos estudos sobre essa técnica no tratamento da fibromialgia, há indícios de que ajudam a contornar a rigidez.
As bases do tratamento contra a fibromialgia
Remédios
Antidepressivos e neuromoduladores são os mais usados, já que auxiliam a regular os neurotransmissores.
Psicoterapia
A linha cognitivo-comportamental ajuda bastante, pois coloca o indivíduo como parte ativa do tratamento.
Fisioterapia
Algumas técnicas e recursos diminuem a dor, a fadiga e a rigidez. A correção da postura também colabora.
Terapias complementares
Há pistas de que acupuntura, meditação e massagem somam forças ao controle dos sintomas físicos e psicológicos.