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Novas luzes sobre a endometriose

Ela provoca dores e pode levar à infertilidade. Agora, médicos brasileiros propõem uma reclassificação da doença, que poderá guiar melhor o tratamento

Por Thais Szegö
27 jan 2022, 17h02
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  • Não são poucas as mulheres que passam sufoco no período menstrual mas encaram a situação como algo normal e, pelo menos, temporário. E, assim, nem imaginam que por trás das cólicas e de outros desconfortos pode existir alguma coisa mais séria. É o caso de um distúrbio que, além das dores, chega a provocar dificuldades para engravidar, a endometriose.

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    Ela acontece quando o endométrio — camada que reveste o útero com a função de acolher o embrião e que, quando não há fecundação, descama e gera o fluxo da menstruação — vai aonde não é chamado, avançando sobre outras redondezas próximas ao útero.

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    “A doença pode comprometer os ovários, o intestino, a bexiga e o peritônio, a membrana que recobre as paredes dos órgãos digestivos”, explica a ginecologista Helizabet Ayroza Ribeiro, vice-presidente da Comissão Nacional Especializada em Endometriose da Federação Brasileira de Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo).

    Por ser estimulado pelos hormônios femininos, o problema costuma dar sinal de vida justamente no período reprodutivo. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), 7 milhões de mulheres sofrem com essa doença inflamatória e crônica no Brasil (180 milhões no globo).

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    Somente em 2019, 11 790 precisaram ser internadas por causa da endometriose no país. Os suplícios provocados pela enfermidade vão além do desconforto pélvico durante a menstruação.

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    “Calcula-se que 57% das mulheres tenham dores crônicas, ou seja, ficam seis meses sem apresentar melhoras, 62% sofram com cólicas intensas e 55% apresentem queixas intestinais cíclicas”, conta o ginecologista Marcos Tcherniakovsky, diretor da Sociedade Brasileira de Endometriose.

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    “Fora isso, entre 30 e 50% dos casos levam à infertilidade”, completa o também médico responsável pelo Setor de Videoendoscopia Ginecológica e Endometriose da Faculdade de Medicina do ABC.

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    Problema reconhecido e desconhecido

    Além da prevalência considerável, a doença interfere bastante na rotina e na qualidade de vida das mulheres. Muitas sofrem com dores incapacitantes que as obrigam a deixar de lado compromissos pessoais e profissionais — e ficam mal emocionalmente.

    Por tudo isso, a OMS reconheceu a endometriose como um problema de saúde pública em maio de 2021. Os especialistas esperam que isso favoreça o desenvolvimento de políticas públicas e outras ações voltadas ao diagnóstico e ao tratamento da condição. Esse novo holofote também vem a calhar para que mais pessoas sejam apresentadas a ela e a seus sintomas.

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    Uma pesquisa recente, realizada com 5 mil brasileiras pelo portal focado em maternidade Trocando Fraldas, revela que 69% delas não sabem os sinais da endometriose, principalmente as mais jovens, entre 18 e 24 anos.

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    Chamam atenção as discrepâncias regionais. O Ceará é o estado com o público feminino mais por dentro do assunto — 38% afirmam conhecer os sintomas da doença. O índice cai para 35% no Rio de Janeiro, 33% no Distrito Federal e 30% em São Paulo e no Espírito Santo. O Acre é o que mais sofre com a desinformação a respeito: só 9% das respondentes estão cientes das manifestações da doença.

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    Os médicos acreditam que o alto percentual de mulheres que não estão inteiradas do tema contribua para que o número de diagnósticos fique abaixo do real: embora 47% das brasileiras ouvidas no levantamento reclamem de dor pélvica intensa, um dos principais sintomas da endometriose, apenas 5% relatam que tiveram a doença identificada.

    O que dedura o problema

    Os principais sinais e sintomas da endometriose:

    Como não é tão fácil diferenciar o incômodo típico do período menstrual das manifestações dolorosas da endometriose, o ideal é passar em consulta com o ginecologista mesmo.

    Os exames de rotina são bem-vindos inclusive porque há casos da doença assintomáticos, descobertos só numa avaliação médica, numa cirurgia ou mesmo quando a mulher tenta engravidar e não consegue.

    Cristina Laguna Benetti Pinto, professora de ginecologia da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), também lembra que a condição possui um componente hereditário. “Quem tem parentes de primeiro grau com a doença corre maior risco de desenvolvê-la”, diz a responsável pelo serviço de endometriose da instituição.

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    Para o diagnóstico, os profissionais costumam pedir um ultrassom transvaginal e/ou uma ressonância. Além de constatarem a encrenca, esses exames auxiliam a determinar o tratamento mais indicado.

    + Leia também: Atrofia vaginal: problema não se limita à idade e tem solução

    Nesse contexto, uma nova classificação da endometriose, idealizada por um especialista brasileiro, deve tornar ainda mais precisas a identificação e as condutas terapêuticas.

    Esse trabalho, que esmiúça as alterações e danos provocados pela doença, é obra do ginecologista Maurício Abrão, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) e coordenador do Setor de Ginecologia Avançada da BP — A Beneficência Portuguesa de São Paulo.

    “A classificação utilizada até hoje é da Sociedade Americana de Reprodução Humana e não é tão específica e detalhada”, contextualiza. Abrão e sua equipe elaboraram um questionário técnico para graduar com diferentes notas as características, o tamanho e a gravidade das lesões nos órgãos da cavidade abdominal que podem ser atingidos.

    A reclassificação contou com a colaboração internacional de experts de outros centros renomados, como as universidades Harvard e Stanford e as clínicas Mayo e Cleveland, nos Estados Unidos, a Universidade de Paris, na França, e a Universidade de Barcelona, na Espanha, além de pesquisadores brasileiros, como o cirurgião João Siufi Neto e a ginecologista Marina de Paula Andres, ambos da BP.

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    “Essa nova classificação vai permitir que o médico avalie melhor os detalhes da doença para poder definir o tipo de tratamento”, assegura Abrão. E dá pra dizer que ela já representa um marco na história da enfermidade, uma vez que a proposta brasileira será adotada como classificação oficial da Associação Americana de Ginecologia Laparoscópica (AAGL), a maior entidade dessa especialidade no mundo.

    Na hora do tratamento

    É baseado em fatores como os locais comprometidos pela endometriose, o número de lesões e a profundidade e extensão do problema que o profissional traça a estratégia de combate — algo aperfeiçoado pela reclassificação capitaneada pelo professor Abrão.

    Além da gravidade do quadro, o profissional leva em conta fatores como idade e desejo ou não de engravidar. O tratamento pode envolver medicamentos, cirurgia ou ambos.

    + Leia também: Prejuízos causados por ”chip da beleza” estão chegando aos consultórios

    No primeiro caso, costumam ser prescritos analgésicos e anti-inflamatórios para aliviar a dor e a irritação nos órgãos afetados. Também podem ser recrutados anticoncepcionais de uso contínuo, aqueles utilizados sem pausas que não deixam a mulher menstruar — a ideia é ajudar na regressão do endométrio fora de lugar. Com a mesma finalidade entram em cena injeções, adesivos ou implantes hormonais ou, ainda, o DIU.

    Quando essa primeira linha não funciona, dá para recorrer a remédios que simulam a menopausa de forma temporária: eles diminuem os níveis dos hormônios e coíbem os ciclos menstruais e a evolução da doença.

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    Mas têm os efeitos colaterais típicos dessa fase da vida feminina, podendo gerar secura vaginal, ondas de calor, perda da libido e ganho de peso — daí serem poupados na abordagem inicial.

    Em casos mais leves de endometriose, as medicações citadas tendem a dar conta do recado. Porém, elas não eliminam os focos da doença em si nem revertem alterações anatômicas provocadas por ela há mais tempo. Isso também precisa ser considerado pelo médico ao planejar o tratamento. Inclusive porque alguns casos necessitam mesmo passar pelo bisturi.

    Alguns dados:

    sintomas da endometriose
    (Infográfico: May Tanferri e Mariana Coan/SAÚDE é Vital)

    Quando a endometriose é mais grave, nem comprimidos nem injeções salvam a pátria. É caso para cirurgia. Hoje se priorizam operações por videolaparoscopia, técnica que depende de pequenas incisões onde são introduzidas pinças e uma câmera e permite ao cirurgião realizar o procedimento com imagens detalhadas reproduzidas numa tela ao seu lado.

    Uma opção mais moderna e em ascensão é a cirurgia robótica. Ela utiliza os mesmos princípios da laparoscópica, mas conta com um robô, comandado por um médico, para segurar e acionar os instrumentos.

    “A vantagem é oferecer mais precisão e amplitude nos movimentos e a visão em três dimensões, ao contrário do procedimento convencional, com apenas duas dimensões”, compara o ginecologista Tomyo Arazawa, especialista em cirurgia minimamente invasiva da clínica Alira, em São Paulo, e membro da AAGL. Contudo, a tecnologia ainda é cara e disponível em poucos hospitais pelo país.

    Independentemente do procedimento, o que os entrevistados de VEJA SAÚDE sublinham é a importância de ele ser feito por uma equipe especializada em endometriose.

    + Veja também: O que é infertilidade?

    “As operações podem ser muito complexas e é necessário que as lesões sejam removidas por completo, e não somente cauterizadas, para evitar a volta do quadro”, explica Arazawa.

    Ao lado dos medicamentos e das cirurgias, o tratamento também pode contemplar a fisioterapia pélvica.

    “Quem tem endometriose e sofre com dores fortes por longos períodos acaba tendo alterações na postura corporal e sobrecarregando alguns músculos, como os da lombar e os do assoalho pélvico, o que gera ainda mais desconforto”, observa a fisioterapeuta Bruna Chamma, especialista em saúde da mulher e mestranda do Departamento de Ginecologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

    Durante as sessões, o profissional se vale de técnicas que ajudam a controlar os incômodos e as disfunções associadas à endometriose, inclusive aquelas repercussões na hora de urinar, evacuar ou ter relações sexuais.

    “Para isso, contamos com diversos recursos, como terapia manual, vibração, mobilizadores de tecidos e a estimulação elétrica nervosa transcutânea, que, por meio de impulsos elétricos, auxilia a bloquear ou a atenuar os sinais de dor que são emitidos para o cérebro”, conta Bruna.

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    Segundo a professora Cristina, da Unicamp, já começam a pintar evidências de que acupuntura e ioga seriam coadjuvantes no controle do problema.

    Falando em atividade física, todas as modalidades são bem-vindas, especialmente se a prática for regular e respeitar preferências e limites individuais.

    “Os exercícios, principalmente os aeróbicos, levam à produção de endorfina, hormônio com ação analgésica”, destaca Abrão. Então dá pra correr, pedalar, nadar…

    Na verdade, o estilo de vida como um todo conta pontos diante da endometriose. “Nossos hábitos influenciam a resposta inflamatória e imunológica do organismo e, por tabela, na percepção da dor. É frequente acompanharmos melhoras na qualidade de vida daquelas pacientes que mudam seus hábitos”, nota Arazawa.

    Nesse sentido, pode ser uma boa até consultar nutricionistas para orientar uma dieta menos pró-inflamatória (com muitos alimentos processados, por exemplo) e com uma quantidade adequada de fibras para espantar reveses como as alterações no ritmo intestinal.

    Dentro dessa abordagem mais integrada, nem pense em subestimar o fator psicológico. Isso começa pela desmistificação da própria doença. “A mulher precisa entender que ela pode ter controle sobre a situação e que ela é parte essencial do tratamento com as escolhas que faz no cotidiano”, afirma Tcherniakovsky.

    “E, se está apresentando alguma dificuldade emocional ou não está conseguindo enfrentar bem a questão sozinha, o apoio de um psicólogo é importante”, continua. Sob novas luzes, também há mais focos para ver e vencer a endometriose.

    Sob controle

    De remédios a cirurgia, o que pode entrar no tratamento da endometriose

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