Desafio salgado: os limites de sal para alimentos industrializados
OMS lança guia que atualiza os limites máximos de sódio em alimentos industrializados. O objetivo é salvar vidas! Que tal olhar rótulos e fazer sua parte?
O alarme soado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) vem de longa data: o excesso de sal causa uma série de estragos ao organismo, aumentando sobretudo o risco de doenças cardiovasculares. Também não são novos os esforços de promover a redução do sódio, componente principal do tempero e ingrediente básico nos alimentos industrializados. Em 2013, a OMS já reforçava a importância de ficar em 5 gramas de sal (o correspondente a 2 gramas de sódio) por dia. Agora, diante da dificuldade de alcançar esse objetivo — no Brasil, estima-se que ingerimos o dobro do recomendado —, a entidade lançou um documento que pede esforços para diminuir em 30% o consumo de sal até 2025, limitando especificamente o teor de sódio nos itens processados.
Mas o leitor pode pensar: se o sal é o ingrediente que mais contém sódio (muitas vezes são usados até como sinônimos!), não seria melhor incentivar a moderação no tempero? “A questão é que a presença de produtos industrializados à mesa é cada vez maior em comparação com os alimentos in natura”, explica a nutricionista Heloísa Guarita, diretora da RG Nutri, em São Paulo. Se é difícil calcular as pitadas salgadas nas receitas caseiras, não resta dúvida entre os especialistas de que quase 70% do sódio na alimentação vem dos chamados alimentos ultraprocessados — grupo que abrange de macarrão instantâneo a nuggets e biscoitos.
As estimativas:
- 4% do sódio que consumimos está naturalmente nos alimentos
- 13% é adicionado por meio do sal no preparo das refeições em casa
- 15% tem origem em comidas de restaurantes ou similares
- Quase 70% do sódio vem dos produtos industrializados
Segundo a OMS, esse cenário, nítido nos países de alta renda, vem se intensificando nas nações em desenvolvimento. Por isso, a instituição compilou dados técnicos das categorias de produtos mais comuns em 41 países, incluindo o Brasil, e, comparando a quantidade de sódio entre eles, estabeleceu novos limites de acordo com o menor valor encontrado entre os níveis máximos de sódio dos itens contemplados. “Isso torna mais viável o cumprimento das metas”, avalia a cardiologista Lilian Soares da Costa, diretora do Departamento de Hipertensão da Sociedade de Cardiologia do Estado do Rio de Janeiro (Socerj).
“Se o Brasil consegue produzir um rocambole com o menor teor de sódio entre as máximas, todos os países podem fazer o mesmo”, exemplifica. “Esse guia, com alvos claros, é uma oportunidade de reconstruir o sistema de alimentos, do processamento ao consumo”, analisa a médica. “O documento ajudará a fortalecer políticas públicas de saúde, com impacto na mortalidade por doenças como hipertensão. O assunto até entrou na pauta de um grande congresso de cardiologia que acontecerá em agosto”, conta.
A relação entre a subida da pressão arterial e o exagero de sódio na dieta é fonte de preocupação dos especialistas em saúde pública há tempos. Para ter ideia, estima-se que 11 milhões de mortes ao redor do globo são causadas por dietas pobres, e 3 milhões podem ser atribuídas justamente a altas concentrações do mineral. “Na verdade, o abuso está relacionado a várias doenças, até mesmo com o câncer”, destaca o cardiologista Rui Póvoa, assessor científico da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo (Socesp).
“A hipertensão chama a atenção porque é muito prevalente no mundo inteiro, sendo o principal fator de risco para AVC, insuficiência cardíaca e infarto, males responsáveis por 32% das mortes”, nota. O médico explica o mecanismo: o excesso de sódio leva à retenção de água e, como consequência, sobe o volume de sangue circulando. Isso exerce mais pressão nas paredes das artérias. Ao mesmo tempo, o mineral causa a constrição dos vasos, reduzindo o espaço interno. É a combinação perfeita para a pressão decolar.
“O problema, é bom que se diga, tem origem multifatorial, ou seja, não é possível apontar apenas o sal como vilão”, lembra Póvoa. “Em geral, quem usa o tempero em maior quantidade come bastante e, portanto, ingere mais gordura e pode ter obesidade. Há uma série de situações envolvendo o universo do sal no contexto das doenças cardíacas”, pondera. De qualquer maneira, o cardiologista cita o estudo Physa, feito em Portugal e publicado em 2014: “O trabalho mostrou que a iniciativa de cortar 30% do sódio do pãozinho, muito consumido pelos portugueses, diminuiu sensivelmente a mortalidade por AVC naquele país”.
O abuso salgado tem potencial também para danificar os rins e piorar a resistência à insulina, contribuindo para o diabetes. “Hoje, com as dietas baseadas em industrializados, já vemos até crianças diagnosticadas com diabetes tipo 2, considerada, no passado, doença de adulto”, lamenta a nutróloga Alice Amaral, de Juiz de Fora (MG).
Vale lembrar que as guloseimas doces, que tanto atraem os pequenos, carregam sua carga de sódio, uma vez que o ingrediente tem diferentes funções na estabilidade dos produtos. “O mineral pode aparecer em aditivos usados em bolos e biscoitos doces recheados”, aponta a nutricionista Mirella Pasqualin, da RG Nutri.
Para Lilian, outro destaque do guia da OMS é que ele traz a expectativa de que os rótulos também sejam mais acessíveis no que diz respeito à presença do mineral. “O compromisso vale para cardápios de restaurantes e bares, ajudando na conscientização da população”, afirma.
Do tamanho das letras à linguagem técnica, entender a rotulagem é de fato uma grande dificuldade ao escolher produtos industrializados. Ainda mais no caso do sódio. A gente já informou que o limite é de 5 gramas de sal ao dia, sendo que isso representa 2 gramas do mineral — que é o que aparece na embalagem. Tem um porém: todas as empresas trazem essa informação em miligramas. Ou seja, o limite máximo diário seria de 2 000 miligramas. Não para aí: o relatório da OMS sugere um patamar de sódio para cada 100 gramas dos alimentos. Já as tabelas nutricionais mostram os dados relativos a diferentes porções. Biscoitos recheados, por exemplo, indicam o teor para 30 gramas, ou três unidades. Haja matemática!
A boa notícia é que as coisas tendem a ficar um pouquinho mais fáceis, já que a Anvisa aprovou um novo padrão de rótulos. O formato deve entrar em vigor em outubro de 2022 e passará a expor os dados nutricionais também por 100 gramas. “Além disso, uma rotulagem frontal tornará mais simples identificar produtos com excesso do mineral. A informação não precisará de interpretação e será facilmente visualizada, com o aviso ‘alto em sódio’ dentro de uma lupa”, diz Laís Amaral, nutricionista do Programa de Alimentos do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec).
A lupinha vai aparecer quando o produto tiver mais de 600 miligramas de sódio para cada porção. No caso das bebidas, o símbolo surgirá quando a quantidade ultrapassar 300 miligramas por 100 mililitros. “Essa informação vai facilitar comparações e fomentar escolhas mais saudáveis”, acredita a nutricionista Marcia Gowdak, diretora científica do Departamento de Nutrição da Socesp.
“Mas apenas reduzir o consumo de sal não transforma uma dieta ruim em boa”, avisa. “O ideal nesse sentido é priorizar os alimentos frescos. Leite, frutas, verduras e legumes fornecem bastante potássio, nutriente que aumenta a excreção de sódio na urina e reduz sua absorção pelos rins”, ensina Marcia. “Os itens in natura, portanto, protegem o organismo do excesso de sal”, conclui a especialista, que também é responsável pela área de nutrição da Sociedade Brasileira de Hipertensão.
O guia da OMS pode representar uma virada de jogo na luta contra o avanço dos problemas cardiovasculares — uma missão que, claro, depende do compromisso da indústria. Melhor ainda se, junto de sua aplicação, vier a conscientização da população em relação ao sódio e aos produtos ultraprocessados. Dosar nossas escolhas é o que fará diferença para uma rotina menos salgada e atribulada.
As funções do sódio
Ele tem múltiplos papéis na indústria alimentícia
Conservação
O ingrediente ajuda na preservação dos alimentos. Nas carnes, por exemplo, inibe o crescimento de micro-organismos.
Sabor
Percebido pelas papilas gustativas, o sódio realça notas sensoriais específicas, inclusive de receitas doces, como bolos e biscoitos.
Textura
O mineral influencia as características físicas dos alimentos. Nos queijos, uma dose maior resulta em consistência mais firme.
Fermentação
O sal é essencial na panificação. Ele ajuda a controlar a velocidade da fermentação e confere crocância e cor à casca do pão.
Conhecer as metas é o primeiro passo
Para chegar às referências, a OMS esmiuçou os valores de sódio de 18 categorias e 97 subcategorias de processados. Veja exemplos:
Queijos
- Queijo não curado, como cream cheese, mussarela, ricota e cottage
Meta: 190 mg / 100 g - Queijo curado, de textura macia a mais firme, como emmental e cheddar suave
Meta: 520 mg / 100 g - De textura semidura a dura, com tempo longo de amadurecimento, como gouda maturado e cheddar
Meta: 625 mg / 100 g
No Brasil, a mussarela tem, em média, 395 mg de sódio em 100 g
Cereais matinais
- Cereais matinais minimamente processados, como a aveia
Meta: 100 mg / 100 g - Cereais matinais altamente processados, como flocos de milho e granola
Meta: 280 mg / 100 g
No Brasil, o cereal de milho tem, em média, 400 mg de sódio em 100 g
Snacks Salgados
- Biscoitos simples ou com sabor (queijo, arroz etc.)
Meta: 600 mg / 100 g - Pipoca, nozes, amendoins e sementes
Meta: 280 mg / 100 g - Chips de batatas e também de milho, arroz, trigo etc.
Meta: 500 mg / 100 g
Aqui, a batata chips leva, em média, 800 mg de sódio em 100 g
Pratos prontos
- Enlatados, como guisado, almôndega, chilli de carne e vegetariano, feijão cozido e feijão frito
Meta: 225 mg / 100 g - Macarrão e massas prontas e arroz ou grãos temperados
Meta: 230 mg / 100 g - Misturas secas para massas, macarrão instantâneo e misturas de arroz ou grãos com molho
Meta: 770 mg / 100 g
No Brasil, o macarrão instantâneo reúne, em média, 1 900 mg de sódio em 100 g
Sobremesas
- Biscoitos doces, recheados e não recheados
Meta: 265 mg / 100 g - Bolos, donuts, muffins etc.
Meta: 205 mg / 100 g - Doces assados ou cozidos, tipo pudins, cremes e cheesecakes
Meta: 100 mg / 100 g
Aqui, o biscoito recheado oferta, em média, 265 mg de sódio em 100 g
Manteiga e óleos
- Manteiga com sal, misturas de manteiga, margarina e produtos à base de óleo (exceto manteiga sem sal)
Meta: 400 mg / 100 g
No Brasil, a manteiga oferta, em média, 500 mg de sódio em 100 g
Vegetais processados
- Verduras e legumes enlatados
Meta: 50 mg / 100 g - Vegetais em conserva
Meta: 550 mg / 100 g - Azeitonas e tomates secos
Meta: 780 mg / 100 g - Batatas congeladas ou outros produtos de batata
Meta: 260 mg / 100 g
No Brasil, legumes enlatados reúnem, em média, 366 mg de sódio em 100 g
Molhos
- Caldos para cozinhar, molhos para massas e molhos de tomate (não concentrados)
Meta: 330 mg / 100 g - Condimentos, como catchup, molho marrom, molho inglês, molho de pimenta e mostarda
Meta: 650 mg / 100 g - Molho de soja e molho de peixe
Meta: 4 840 mg / 100 g
O catchup tem, em média, 966 mg de sódio em 100 g
Comidas plant-based
- Análogos de carne, como hambúrgueres e salsichas vegetarianos
Meta: 250 mg / 100 g - Tofu temperado ou marinado e tempeh (exceto tofu puro e sobremesas à base de tofu)
Meta: 280 mg / 100 g
No Brasil, o hambúrguer vegetal apresenta, em média, 376 mg de sódio em 100 g
Carne processada, aves, peixes…
- Peixe enlatado, como atum, sardinha, salmão
Meta: 360 mg / 100 g - Peixe processado e frutos do mar crus, incluindo hambúrgueres e empanados
Meta: 270 mg / 100 g - Produtos de carne triturados e cozidos, como salsichas cozidas, almôndegas de carne cozida, carne enlatada, patês
Meta: 540 mg / 100 g
Aqui, a sardinha em lata soma, em média, 415 mg de sódio em 100 g
Pães
- Pães doces e pães com passas
Meta: 310 mg / 100 g - Pão fermentado, incluindo os feitos com todos os tipos de farinhas de cereais
Meta: 330 mg / 100 g - Pão sírio, tortilhas, wraps
Meta: 330 mg / 100 g
Já o pão de fôrma possui, em média, 450 mg de sódio em 100 g