Não basta força de vontade
Obesidade é doença crônica e o tratamento é árduo. Um dos obstáculos: o julgamento alheio
“Força, foco e fé”. Dos mesmos criadores de “Nada resiste ao trabalho”. E de “Para emagrecer, basta fechar a boca” e “Só não perde peso quem não quer”.
Se você já conhece esses enredos, sabe que o argumento é raso. Não para em pé. É geralmente pautado por pensamentos simplistas, superficiais e, não raro, preconceituosos.
Sobrepeso e obesidade são assuntos sérios e de difícil solução. O tratamento é complexo e requer uma equipe multidisciplinar. Obter benefícios dele exige muito mais que força de vontade.
Se relacionamos excesso de peso à falta de determinação, alimentamos o preconceito e tornamos ainda mais difícil o caminho de quem deseja perder peso.
+ Leia também: Combate à obesidade passa pela qualidade da alimentação
Vale esclarecer, antes de tudo, que a obesidade é uma doença crônica que não tem cura, mas tem controle. Um controle que exige esforços constantes. Por toda a vida.
Com falácias como “só é gordo quem quer” ou o “basta comer menos e se mexer mais”, a ideia é transmitida é a de que, se você não conseguiu, é porque não se esforçou o bastante.
Só que a ciência mostra o inverso: perder peso não é fácil e estabilizar esse peso é mais difícil ainda.
Há uma série de razões para isso. Predisposição genética, falta de tempo e/ou motivação para os exercícios, questões emocionais, sono ruim, vasta oferta de produtos ultraprocessados nas lanchonetes e supermercados (e baixa de itens mais saudáveis), entre tantas outras.
Hoje, quero falar sobre duas destas causas.
+ Leia também: É preciso criar políticas públicas para barrar a obesidade no país
Um estoque ingrato
A primeira grande barreira nessa história é fisiológica, ou seja, algo que acontece dentro do nosso organismo, independentemente da nossa vontade.
Quando engordamos, o número de células de gordura do corpo aumenta. Até aí, tudo bem. Mas, quando emagrecemos, sabia que essas células não desaparecem?
Sim, elas só encolhem. E ficam lá, paradinhas, à espreita, só esperando a próxima oportunidade para crescerem de novo.
Daí, esse processo tende a se repetir. E de novo, e de novo. Não porque falhamos, mas porque o corpo tem um eficiente sistema de autopreservação.
+ Leia também: Crononutrição: quando você come também é importante
Quando perdemos peso, especialmente de forma mais brusca e radical, é como se soasse um alarme interno dizendo: “Galera, perigo à vista!”.
O corpo desacelera seu metabolismo, ou seja, reduz o gasto calórico em repouso. É como se a sua bateria entrasse em modo econômico, sabe?
O mais cruel é que, quando você “termina a dieta” e volta ao consumo calórico de antes, o corpo segue poupando energia por um bom tempo. Ou seja: manter o novo peso é tarefa inglória.
Os ultraprocessados
A segunda razão são os produtos ultraprocessados. Eles estão por toda a parte, coloridos, baratos e palatáveis, muito palatáveis.
Pelo argumento do preço e da praticidade, costumam ser amplamente ofertados em pontos de circulação, como mostrou um estudo no metrô de São Paulo.
Repletos de saborizantes, aromatizantes, corantes e outros “antes”, além de muito açúcar ou sódio, eles são difíceis de resistir. De novo: não é a pessoa que é fraca, mas sim os produtos que são feitos para serem “viciantes”.
Pequenas vitórias
Desafios à parte, a obesidade pode sim ser tratada com sucesso.
Lembrando que o objetivo é ter mais saúde e qualidade de vida, e não necessariamente chegar a um peso considerado ideal para a sua altura.
Por isso, cada vitória precisa ser comemorada. Seja uma melhora na composição corporal ou nos exames de sangue, sejam novos hábitos à mesa ou a quinta semana consecutiva de atividade física.
Aos especialistas em corpos alheios, fica a dica: antes de emitirem uma opinião, estudem, mergulhem fundo no tema.
Conhecimento básico em fisiologia e comportamento humanos já seria um bom começo.
Se essa luta não é sua, tire seu preconceito do caminho. Ele já é repleto de obstáculos.