Jaca para todos os gostos
Exuberante que só, a fruta escapou dos tachos de doce e tem feito sucesso em receitas salgadas, substituindo carnes e outros ingredientes
O termo “jacar” ainda não aparece nas páginas de dicionários tradicionais, mas caiu na boca do povo faz tempo. E ressurge sempre nessa época de férias. Tem conotação negativa, remonta ao excesso, o tal “enfiar o pé na jaca”.
Embora não mereça ficar atrelada a esse contexto ruim, aquela que inspirou a expressão, realmente, tem tudo a ver com exageros.
A jaca é apontada como a maior fruta que cresce em árvore. Uma unidade das grandes pode pesar 40 quilos, atingir 90 centímetros e acumular centenas de sementes.
Seu perfume pouco discreto espanta muita gente. Resultado da mistura de substâncias de nomes estranhos, caso do metanoato de butila e do 3-metilbutanoato, o cheiro ganha intensidade conforme o vegetal amadurece ou ao sofrer danos físicos que desencadeiam diversas reações químicas.
+ Leia também: Inhame para sair da rotina
Dura ou mole?
O aroma é um tanto pronunciado na chamada jaca mole. Essa variedade tem sabor bem adocicado e sua polpa, como denuncia o apelido, é viscosa. Daí ser a predileta para doces, compotas, sorvetes e toda a sorte de sobremesas e afins. Também é apreciada ao natural.
Já a dura, de gosto mais neutro e perfume menos escandaloso, apresenta consistência firme e é um pouco maior. Mesmo que seja a escolhida para pratos salgados, justamente pela suavidade, cozinheiros aconselham usá-la ainda verde na substituição das carnes.
Depois de cozida e desfiada, fica com textura parecida com a de frango, e, junto de ervas e outros temperos, pode rechear coxinhas, tortas, pasteis, entre tantas delícias.
Difícil, para leigos, é distinguir uma da outra sem parti-las. Olhares treinados destacam sutilezas na casca. Segundo a sabedoria popular, quando suas proeminências – aqueles “espinhos” – são altas e juntas, há maior chance de ser a mole.
Peculiaridades à parte, ambas são variedades da espécie Artocapus heterophyllus. A jaqueira é nativa da Índia, chegou ao Brasil pelas mãos portuguesas e adaptou-se perfeitamente ao nosso clima, esparramando-se pelo país.
Ultrapassa 20 metros de altura e os frutos crescem no tronco e nos galhos baixos. A árvore tem apelo ornamental e enfeita alamedas em muitas cidades.
Tudo se aproveita
A exuberância da jaca aparece ainda na concentração de substâncias protetoras.
Um desfile de vitaminas, doses de minerais como potássio, cálcio e ferro, além de um mix de compostos antioxidantes, caso dos fenólicos e dos carotenoides, atuam em sinergia, tornando a polpa uma aliada da saúde cardiovascular.
Vale destaque para as sementes, que também ofertam diversos nutrientes. Sem falar nas fibras, as melhores amigas do intestino.
Uma sugestão é cozinhar esses bagos na panela de pressão e depois temperar de acordo com a criatividade do chef. Boa pedida para saladas ou mesmo para petiscar. Há ainda quem seque os caroços e utilize como farinha.
Outro macete ensinado pelos mais experientes é o de untar as mãos com óleo de cozinha antes de lidar com o alimento, impedindo que o visgo desprendido cole na pele.
Aliás, o manuseio do fruto rendeu até título de canção da maestrina carioca Chiquinha Gonzaga (1847-1935).
A contagiante “Corta-jaca”, inclusive, gerou o maior bafafá entre os políticos. Conta-se que foi executada no Palácio do Catete, sede do governo à época.
“A dança desse tango gaúcho, um tipo de maxixe, foi reprovada pelo então senador Rui Barbosa”, diz o professor de etimologia Deonísio da Silva, autor do livro De Onde Vêm as Palavras: Origens e Curiosidades do Português (Edições 70).
Deonísio explica que o bailado imita o corte da fruta por algo afiado, seja faca ou navalha.
“Mas, curiosamente, a expressão corta-jaca entrou para o português como sinônimo de bajulador, pela associação do formato da fruta com o cartola, cheio de mesuras e fingida cortesia”, diz.
Confira a composição que tanto chocou: