Espinafre: poderes muito além do desenho animado
Popeye já era fã, e, de fato, o alimento incrementa o dia a dia com substâncias que espantam a fraqueza e o desânimo
Talvez a molecada de hoje nunca tenha ouvido falar do Popeye. Velhinho, começou sua história de sucesso lá pelos idos de 1930: apareceu em tirinhas, curtas-metragens e depois foi parar nas telas da TV. Atravessou décadas com uma incrível força muscular.
Tamanho vigor não veio de galáxias distantes ou de fórmulas desenvolvidas secretamente em laboratórios, enredo comum em se tratando de heróis. A fonte dos super-poderes é o espinafre, ingrediente que pode ser encontrado no prato de qualquer cidadão.
Há algumas versões para a escolha do vegetal — até uma mais polêmica que, olha o suspense, você confere ao final do texto. Numa delas, o alimento foi eleito devido a um equívoco disseminado nos estertores do século 19. Cientistas alemães analisaram a composição nutricional do espinafre e, embora tenham realizado descobertas válidas, alguém fez confusão ao anotar seu teor de ferro.
Botaram a vírgula do decimal no lugar errado e a verdura foi catalogada com uma quantidade dez vezes maior do mineral. A confusão estava feita: o espinafre saiu do laboratório como o grande paladino no combate à anemia.
Mesmo que não apresente tanto ferro quanto um bife bovino, é preciso enaltecer outros de seus atributos. Ele concentra ácido fólico, vitamina que também atua contra a anemia e o desânimo. O vegetal ainda ajuda a garantir energia para os músculos. Isso porque dispõe de nitrato, uma substância que, no nosso corpo, se transforma em óxido nítrico, favorecendo o suprimento de oxigênio para as células musculares.
É um conjunto de façanhas, com o respaldo de estudos, que colaboram para as aventuras do marinheiro do desenho animado. Em seu auge, o personagem fez subir o consumo da hortaliça nos Estados Unidos, ainda que de forma menos apetitosa, já que lá se costumava adquiri-la enlatada.
Rotas gastronômicas
Apreciado em terras americanas e além, o espinafre faz parte da família da beterraba e foi domesticado na Ásia. Seu nome de batismo científico é Spinacia oleracea e ele foi levado por árabes para a Europa na Idade Média. Desde então marca presença em muitas cozinhas.
Na culinária clássica francesa, aparece de tudo quanto é jeito, junto de queijos, ovos, peixes e outras carnes. Casa com massas, compõe sopas, risotos, entre muitas preparações. Alguns livros de receitas trazem o apelido “à florentina” para todos os pratos que levam o ingrediente.
Segundo historiadores, a alcunha tem relação com Catarina de Médici (1519-1589), italiana de Florença, que se casou com Henrique II (1519-1559), rei da França. Há quem diga que a moça trouxe uma porção de costumes e predileções de sua terra natal. O vegetal também teria vindo em sua bagagem.
No Brasil, essa versão é chamada de mini-espinafre e tem folhas mais finas e delicadas quando comparada ao tipo mais comum por aqui. Na verdade, aquele que aparece em nossas feiras e supermercados é o espinafre-da-nova-zelândia (Tetragonia tetragonioides), de formato meio triangular e cor verde bem escura.
Esse aí raramente dá as caras em saladas in natura. Muita gente não aprova o sabor mais amargo ou sua textura meio áspera, difícil de mastigar. Uma sugestão para o dia a dia é refogá-lo junto de cebola e alho, numa mistura que reúne uma rica quantidade de compostos protetores. Quem tem mais traquejo entre as panelas, entretanto, pode apostar nas opções à florentina.
O espinafre do Popeye?
Prometi falar de uma teoria mais polêmica sobre a escolha do espinafre do velho marinheiro. Pois bem, ela vem da música escolhida para esta coluna. Só tire as crianças da sala, por favor.
A canção, do final da década de 1930, é intitulada The Spinach Song e foi gravada por Julia Lee (1902-1958). Ela tem uma letra de duplo sentido que remonta ao tempo em que o espinafre era um dos apelidos da maconha. Levanta, inclusive, suspeitas sobre o conteúdo do cachimbo do Popeye. Vai saber…