Entenda a relação entre uso de aspartame e risco de câncer
Adoçante artificial é amplamente utilizado em alimentos e bebidas, como refrigerantes, sorvetes e gelatinas
A Agência Internacional de Pesquisa sobre o Câncer (IARC), da Organização Mundial da Saúde (OMS), classificou o adoçante aspartame como possivelmente cancerígeno.
Os resultados da avaliação de risco da substância foram publicados oficialmente na quinta-feira, 13, depois de terem sido antecipadamente divulgados pela imprensa no início de julho.
Ao mesmo tempo, o Comitê Conjunto de Especialistas em Aditivos Alimentares da Organização para Agricultura e Alimentação (JECFA/FAO, em inglês), também ligado à OMS, reforçou que o limite aceitável de ingestão diária do adoçante permanece em 40 miligramas por quilo de peso corporal.
A nova classificação é fruto da revisão de diversos estudos científicos, elaborada pelos dois órgãos (IARC e JECFA/FAO) de maneira independente, mas complementar.
O documento aponta que foram encontradas evidências científicas limitadas de câncer em pessoas, especificamente no fígado, associadas ao aspartame.
Entre as pesquisas disponíveis, havia apenas três estudos sobre o consumo de bebidas adoçadas artificialmente que permitiram avaliar a associação entre aspartame e câncer de fígado. Em todos os trabalhos, foi observada uma associação positiva entre a ingestão destas bebidas e o risco da doença no órgão.
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Além disso, os especialistas obtiveram indícios da relação em experimentos com animais que receberam doses da substância. Houve um aumento na incidência de tumores em duas espécies, camundongos e ratos, de ambos os sexos, observadas em três estudos publicados.
No entanto, com base em preocupações sobre o desenho das pesquisas, interpretação e relato dos dados, o grupo de trabalho concluiu que a evidência de câncer em animais experimentais também foi limitada.
Devido a esses achados, especialistas enfatizaram a importância do consumo moderado do aspartame e sugerem a necessidade de desenvolvimento de análises complementares sobre a substância e o aparecimento de tumores.
Qual a quantidade segura?
O limite aceitável de ingestão diária do aspartame é de 40 miligramas por quilo de peso corporal, de acordo com a definição do JECFA.
A quantidade, que já havia sido previamente estabelecida pelo comitê, foi mantida após as análises recentes. Os especialistas reafirmaram que o consumo dentro desse limite por dia permanece seguro.
Para fins de comparação, um adulto que pese 70 kg precisaria consumir, em um único dia, de 9 a 14 latas de um refrigerante diet que contenha entre 200 e 300 mg de aspartame para exceder o limite diário aceitável, sem contar a ingestão por outras fontes alimentares.
Uma lata de um refrigerante de cola popular, na versão zero, tem 42 mg.
O diretor da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia Regional São Paulo (SBEM-SP), Ricardo Barroso, destaca que não há motivo para preocupação, mas sim de alerta à população.
“Dentro do contexto de uma vida mais saudável, um pouco de aspartame não vai fazer mal. O consumo com bom senso e moderação já deveria ser feito, independentemente da questão da segurança contra o câncer”, diz.
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O especialista recomenda que os consumidores observem rótulos e embalagens dos produtos para estimar a quantidade de aspartame consumida por dia.
“Por exemplo, se eu tomo uma bebida ou refrigerante com aspartame, posso evitar adicionar o adoçante em um copo de suco ou no café”, orienta.
E tem outra questão. Segundo Barroso, bebidas e alimentos adoçados tendem a estimular o consumo contínuo de outros produtos doces.
Nesse contexto, o excesso pode favorecer o desenvolvimento de outros problemas de saúde além do câncer, como diabetes, obesidade, hipertensão e doenças cardiovasculares.
A visão do Inca
O aspartame é um adoçante artificial amplamente utilizado em alimentos e bebidas desde a década de 1980. A substância química é considerada um aditivo alimentar que realça o sabor.
Entre os produtos que contêm aspartame estão produtos diet, chicletes, gelatinas, sorvetes, laticínios, além de creme dental e medicamentos como pastilhas para tosse e vitaminas.
Diante de um anúncio como esse, é comum o surgimento de dúvidas.
A médica Luciana Grucci, chefe da unidade técnica de Alimentação, Nutrição, Atividade Física e Câncer, do Instituto Nacional do Câncer (Inca), afirma que a nova classificação do aspartame pela IARC não altera as recomendações da instituição sobre o uso de adoçantes.
“Em relação ao câncer, a nossa recomendação é que o uso de adoçante, independente de ser o aspartame ou qualquer outra substância, deve ser evitado”, pontua Luciana.
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A pesquisadora destaca que essa orientação é feita porque o adoçante geralmente está presente em alimentos ultraprocessados, que incluem outros ingredientes que não são considerados saudáveis.
“Dentro de uma dieta saudável, que privilegia alimentos in natura e minimamente processados, o alimento que tem adoçante não tem espaço. Na visão do Inca, ele deve ser evitado até mesmo pelo paciente com diabetes”, alerta.
Adoçantes na mira da OMS
Em maio, a OMS lançou diretrizes recomendando que os adoçantes não sejam utilizados como estratégia para controle de peso ou com o objetivo de reduzir o risco de doenças.
Assim como a classificação recente da IARC, esta publicação da OMS foi elaborada a partir de uma ampla análise de evidências científicas.
Os dados apontam que o uso das substâncias não fornece benefícios a longo prazo na redução da gordura corporal dos indivíduos.
Além disso, os achados indicaram a possibilidade de efeitos negativos do uso prolongado desses produtos, como um aumento no risco de diabetes, doenças cardiovasculares e de morte.
Além do aspartame, foram listados outros produtos da categoria, como acesulfame K, advantame, ciclamatos, neotame, sacarina, sucralose, stevia e derivados de stevia.
“Substituir açúcares livres por adoçantes não ajuda no controle de peso a longo prazo. As pessoas precisam considerar outras maneiras de reduzir a ingestão de açúcares livres, como consumir alimentos com açúcares naturais, como frutas, ou alimentos e bebidas sem açúcar”, disse Francesco Branca, diretor de Nutrição e Segurança Alimentar da OMS, em comunicado divulgado pela instituição.
Avaliação de segurança da Anvisa
O uso de aspartame no Brasil é regulamentado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que realiza avaliações de segurança e define limites máximos nos produtos.
Em nota divulgada nesta sexta-feira, 14, a entidade afirmou que, até o momento, não há alteração do perfil de segurança para o consumo do aspartame e que continuará a acompanhar os avanços científicos sobre o tema.
Além disso, destacou que estão em discussão interna alternativas de melhorias nas regras de uso de aditivos alimentares na lista de ingredientes e requisitos para facilitar a identificação da substância nos rótulos dos alimentos.