Conheça o molnupiravir, o antiviral para tratar a Covid aprovado no Brasil
Esse remédio contra o coronavírus reduz risco de hospitalização e morte, mas só deve ser usado por indivíduos de alto risco
Recentemente, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou o uso emergencial do molnupiravir, antiviral da MSD para o tratamento da Covid-19. A farmacêutica fechou ainda um acordo de cooperação tecnológica com a Fiocruz para a produção nacional da droga.
O molnupiravir atua dificultando a replicação do Sars-CoV-2 e deve ser usado nos primeiros cinco dias de sintomas, em casos bem específicos, para impedir a evolução da doença. Ou seja, é um tratamento precoce, assim como o Paxlovid, da Pfizer.
A nova droga está indicada somente para indivíduos em alto risco de ter Covid-19 grave. Fazem parte do grupo os imunocomprometidos, idosos e portadores de comorbidades, como obesidade e hipertensão.
“São pessoas que, mesmo vacinadas, correm um risco não desprezível de complicações da infecção”, diz o pneumologista Frederico Fernandes, diretor da Sociedade Paulista de Pneumologia e Tisiologia (SPPT).
Portanto, a novidade não deve ser banalizada. “Existe uma demanda por medicamentos contra o coronavírus, mesmo com o advento das vacinas. Só que o uso não será universal”, pontua Fernandes.
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Especialmente com os altos índices de imunização, não há a necessidade de dar remédios para todos os infectados. “Em pacientes jovens, com baixo risco de quadros graves, isso só implica em custo e poucos benefícios, com potenciais efeitos colaterais desnecessários”, completa o médico.
Como funciona o molnupiravir
Trata-se de uma molécula que se incorpora ao material genético do Sars-CoV-2 (que é feito apenas de RNA, não tem DNA). “Ali, o medicamento altera o trecho responsável pela fabricação da polimerase viral, proteína responsável pela replicação do vírus”, explica Fernandes.
Ou seja, é como se o fármaco inserisse um defeito na máquina usada pelo vírus para fazer suas cópias. “Assim, ele não consegue mais se reproduzir e infectar novas células”, continua o pneumologista.
Até por isso, o molnupiravir só deve ser usado no início da infecção, quando o problema é o vírus em si. Depois disso, o foco do tratamento é nos estragos provocados por ele nos órgãos e na inflamação sistêmica que acomete alguns indivíduos.
O molnupiravir é administrado pela via oral, o que facilita sua utilização. São 8 comprimidos ao dia, durante cinco dias.
O estudo que comprovou a eficácia
A pesquisa de fase 3, a última antes da aprovação de uma nova molécula, incluiu 1,4 mil voluntários. Todos testaram positivo para o coronavírus e tinham ao menos um fator de risco da Covid-19 grave (idade ou doenças).
Metade recebeu o medicamento, metade um placebo. No final da análise, 48 dos 709 participantes que tomaram o molnupiravir foram hospitalizados ou morreram. Entre os 699 que usaram o remédio de mentirinha, 68 tiveram complicações. Houve um óbito no primeiro grupo e nove no segundo.
Ou seja, 6,8% das pessoas que receberam o medicamento morreram ou foram internados, ante 9,7% do grupo placebo. Isso representa uma queda de 80% no risco de morrer pela doença ao tomar o remédio nas condições analisadas. Já o risco de internação foi reduzido em 30%.
“Esses dados indicam que precisaríamos tratar 30 pacientes para evitar uma morte ou hospitalização”, calcula Fernandes.
Os achados foram revisados por pesquisadores não relacionados ao estudo e estão publicados no periódico The New England Journal of Medicine.
Outro ponto digno de nota é que a ação foi mantida frente a diferentes variantes do coronavírus. Segundo os autores, o mecanismo de ação do molnupiravir independe das mutações constantes da proteína spike.
Contraindicações e efeitos colaterais
Nesta pesquisa de fase 3, o índice de eventos adversos foi semelhante no grupo placebo e no do medicamento, um indicativo importante de segurança. Entre os mais comuns, foram observados diarreia, náusea, tontura e dores de cabeça.
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Os dados até o momento não indicam grandes contraindicações. “Uma observação bacana é que ele não está contraindicado para portadores de insuficiência renal e hepática, que geralmente não podem tomar antivirais”, destaca Fernandes.
Porém, como só foi testado em um contexto, o molnupiravir ainda não está liberado para crianças e gestantes.
A parceria com a Fiocruz
Apesar de não ser tão eficaz quanto o Paxlovid, que apresenta uma redução de risco de cerca de 90% para hospitalizações e mortes, um dos aspectos interessantes do molnupiravir é sua acessibilidade.
“Queremos garantir que ele seja custo-efetivo para o Sistema Único de Saúde (SUS) e nossa estratégia de preços visa atender a realidade de cada país. Nas nações pobres, por exemplo, concedemos a licença para a produção do remédio”, comenta Mário Ferrari, diretor da unidade de negócios de Infectologia da MSD.
O Brasil não está contemplado nessa estratégia, que é alvo de críticas por alguns especialistas por ainda limitar o acesso a um medicamento útil em tempos de crise humanitária.
Nosso país, contudo, poderá produzir o molnupiravir por meio de uma parceria anunciada recentemente entre MSD e Fiocruz. O acordo de cooperação tecnológica prevê que a Fiocruz será responsável por armazenar, rotular, embalar, testar, importar e fornecer o comprimido ao Ministério da Saúde.
“Isso garante que o medicamento estará disponível quando necessário e facilita a distribuição da droga no SUS por meio de um laboratório público”, diz Ferrari. O preço será cerca de três vezes menor do que o praticado nos Estados Unidos.
Dengue, chikungunya e prevenção da Covid
Quando foi desenvolvido, o molnupiravir tinha como alvo o Sars-CoV, o antepassado do novo coronavírus. E pode ser que seja útil contra dois vírus endêmicos no Brasil, os causadores de dengue e chikungunya. É uma hipótese que será testada por meio do acordo com a Fiocruz.
“Entendemos o molnupiravir como um antiviral inespecífico, que em tese pode inserir erros dentro do material genético de outros vírus de RNA, com mecanismos de replicação semelhantes”, aponta Ferrari.
Seguindo o rito científico, estes primeiros testes serão pré-clínicos, em células isoladas e animais. Se der certo, os cientistas avançam para os ensaios com humanos.
Lembrando que não há tratamentos específicos para dengue e chikungunya. Esse é, aliás, um dos avanços trazidos pela urgência da pandemia: a capacidade de fazer antivirais mais rápido e (talvez) melhor. “Interessante notar a velocidade do desenvolvimento dessa classe, que sempre foi mais desafiadora. Para a farmacologia, é um salto significativo”, destaca Fernandes.
Por fim, outra pesquisa envolvida na parceria avaliará a prescrição do molnupiravir de forma profilática, ou seja, para prevenir a Covid-19 em indivíduos que passaram por situações de alto risco de contágio.