Assine VEJA SAÚDE por R$2,00/semana
Continua após publicidade

Entrevista: mesmo com vacinas, precisaremos de remédios contra a Covid-19

Pesquisador do Recovery, um dos maiores estudos a buscar tratamentos para o coronavírus, discute suas descobertas e os meios de acelerar a ciência

Por Chloé Pinheiro
Atualizado em 23 mar 2021, 17h57 - Publicado em 4 mar 2021, 17h13

Há mais de um ano, a ciência busca remédios eficazes para a Covid-19. Como fazer uma droga do zero é um processo caro e demorado, que pode levar muito tempo e nem sempre dá certo, os pesquisadores têm apostado, em paralelo, nos medicamentos já utilizados para outras doenças.

Foi assim com a cloroquina, criada originalmente para combater a malária e alçada logo de cara ao posto de solução contra o coronavírus. Um dos estudos que testou o composto (e viu que ele não funcionava) foi o Recovery, iniciativa capitaneada pela Universidade Oxford que, em poucos meses, recrutou mais de 38 mil voluntários para testar 11 medicamentos.

Apesar da má notícia com a cloroquina, o projeto trouxe também notícias boas, que melhoraram o tratamento de casos graves da Covid-19. Para entender como foi possível trazer respostas rápidas sem abrir mão da qualidade da pesquisa, conversamos com Guilherme Pessoa-Amorim, médico português investigador em ensaios clínicos em Oxford.

Pessoa-Amorim, um dos pesquisadores da empreitada, destaca que a busca por um medicamento eficaz segue relevante, mesmo com a chegada das vacinas. Confira a conversa abaixo.

VEJA SAÚDE: Mesmo com as vacinas, ainda precisaremos buscar tratamentos contra a Covid-19?

Guilherme Pessoa-Amorim: Infelizmente, a resposta é sim. As vacinas terão um efeito tremendo na redução da transmissão, hospitalizações e mortalidade da Covid-19, mas não são 100% eficazes, e demorará algum tempo até atingirmos a imunidade de grupo em cada um dos países, e ainda mais a nível global.

Continua após a publicidade

Além disso, sabemos que este vírus sofre mutações rapidamente, o que dá origem a novas variantes que podem escapar à proteção conferida pelas vacinas, ou então causar casos mais graves de doença naqueles que não estão protegidos. Também não sabemos ainda qual a eficácia da vacinação a longo prazo.

Por isso mesmo, é possível que a Covid-19 se torne uma doença endêmica na população, como a gripe comum, com picos sazonais e necessidade de atualização periódica de vacinas. Sendo assim, continuará a haver um grande número de pessoas sendo infectadas e manifestando doença grave, com necessidade de hospitalização e, consequentemente, de tratamentos eficazes e cuidados adequados.

Quais foram os achados mais relevantes do Recovery até agora? 

O estudo começou demonstrando que a dexametasona, um esteroide barato e acessível, reduz a mortalidade em pacientes que precisam de oxigênio ou de ventilação mecânica invasiva ou não invasiva. Mais recentemente, mostramos que o tocilizumabe (anticorpo monoclonal contra o receptor da interleucina-6), usado na artrite reumatoide, fornece uma redução adicional na mortalidade desses doentes.

O Recovery também mostrou que alguns dos fármacos usados amplamente para tratar a Covid-19 no mundo, notadamente hidroxicloroquina, azitromicina, e lopinavir-ritonavir, não oferecem benefício de mortalidade significativo em doentes hospitalizados e podem ter riscos associados.

Continua após a publicidade

Os próximos resultados a serem divulgados devem responder dúvidas sobre uso da aspirina e colchicina.

Vocês também estão estudando o plasma convalescente, mas o recrutamento de voluntários foi interrompido em janeiro. Por quê?  

O recrutamento de doentes foi interrompido em 15 de janeiro, na sequência do parecer do Comitê Independente de Monitorização de Dados. Ao analisar as informações colhidas até então, o comitê não encontrou sinais convincentes de que incluir mais doentes pudesse fornecer pudesse fornecer evidências conclusivas de um benefício significativo na mortalidade.

A decisão foi tomada com base em uma análise preliminar de 1 873 mortes em 10 406 voluntários do estudo. Não houve diferença na mortalidade entre os grupos que receberam o placebo e o plasma. Agora estamos concluindo o seguimento destes participantes e devemos publicar o resultado em algumas semanas.

Com a pandemia, a comunidade pede uma velocidade diferente ao ritmo usual da ciência. O que pode ser acelerado nos estudos e, por outro lado, que etapas não devem ser puladas? 

Continua após a publicidade

Os ensaios clínicos, e a investigação médica em geral, devem responder a perguntas importantes para a sociedade, tomando cuidados para que a evidência produzida seja de alta qualidade e tenha impacto prático. Numa pandemia, essa necessidade se intensifica, nos levando a refletir sobre o que é de fato essencial.

Não podemos nunca descartar a utilização de métodos científicos robustos, especificamente os grandes ensaios clínicos randomizados. Assim como são prioridades preservar a segurança dos participantes e a integridade dos dados colhidos.

Para fazer isso de forma rápida, precisamos de uma abordagem simples e pragmática, que possa ser facilmente aplicada pelos profissionais da linha de frente. E também devemos recolher assertivamente os dados necessários para avaliar eficácia e segurança, simplificando ao máximo o processo com sistemas sólidos de coleta, análise e manutenção.

Outro componente essencial do sucesso do Recovery foi o aproveitamento das redes de profissionais, infraestrutura e dados clínicos já existentes. A revisão por parte das autoridades também deve ser rápida e garantir que as salvaguardas necessárias estão sendo cumpridas.

Qual é a importância de realizar pesquisas multicêntricas durante a pandemia [em diversas instituições, como o Recovery, e a Coalizão Covid-19 Brasil, que também analisou dexametasona e tocilizumabe]

Continua após a publicidade

Estudos desse tipo nos ajudam a avaliar o efeito de uma intervenção em diversos hospitais, que atendem populações diferentes entre si. Além disso, a participação de muitos centros facilita o recrutamento de participantes, o que permite responder de maneira rápida e robusta a questões importantes, como o impacto de um remédio na mortalidade, que é difícil de demonstrar em pequenos estudos.

Outro aspecto é a “democratização” da investigação científica. O Recovery recruta doentes em todos os os hospitais de atendimento a casos agudos no Reino Unido. Assim, já incluímos cerca de 10% de todos os pacientes hospitalizados por Covid-19 no país, e podemos estender a participação a virtualmente todos eles.

Ao mesmo tempo, envolvemos no processo profissionais de saúde que nunca tinham participado de uma investigação científica, dando a eles um importante papel neste esforço em conjunto.

Como a atual busca de tratamentos para a Covid-19 pode ajudar no combate às próximas pandemias?  

Graças ao progresso científico durante a pandemia, agora entendemos melhor como se desenvolvem infecções respiratórias virais graves, tal como a Covid-19, além de como tratá-las e preveni-las. Este conhecimento serve de base para a resposta às próximas pandemias, tanto a nível científico como político: poderemos testar medicamentos que já funcionaram na pandemia atual e instituir rapidamente medidas de contenção, saneamento e testagem.

Continua após a publicidade

Aprendemos bastante também sobre como gerar respostas científicas rápidas, relevantes e robustas, que informem os gestores públicos. Para tal, precisamos de métodos confiáveis e da colaboração entre várias partes, transparência dos processos e da informação divulgada, e de lideranças agregadoras, que possam estabelecer uma agenda comum.

Ao mesmo tempo, a pandemia nos chamou a atenção para algumas fragilidades globais: o impacto das desigualdades sociais, o perigo da informação falsa (especialmente quando promovida ao mais alto nível político), e a importância do escrutínio científico aberto e alargado.

Essas lições são extremamente importantes e poderão ajudar-nos a construir uma sociedade melhor, não devendo ser esquecidas quando nos depararmos com uma nova pandemia.

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Domine o fato. Confie na fonte.

10 grandes marcas em uma única assinatura digital

MELHOR
OFERTA

Digital Completo
Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 2,00/semana*

ou
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba Veja Saúde impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 12,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$96, equivalente a R$2 por semana.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.