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Remédios contra Covid-19: o que funciona e o que é melhor deixar para lá

Vários tratamentos foram testados contra o coronavírus, mas poucos se mostraram eficazes. Veja o que se sabe dois anos depois da chegada do coronavírus

Por Chloé Pinheiro
Atualizado em 2 fev 2022, 16h39 - Publicado em 15 jan 2021, 17h11

Dois anos depois do aparecimento do coronavírus, enfim temos remédios mais eficazes para combatê-lo. Nesse meio tempo, promessas falharam, outras seguem em testes, e certos medicamentos parecem mesmo úteis nos quadros mais graves de Covid-19, quando o problema não é tanto o vírus, mas sim os estragos inflamatórios provocados por ele.

“A principal evolução nesse período foi justamente entender que talvez o tratamento deva focar não no ataque direto ao coronavírus, mas no ajuste da resposta imunológica da pessoa, já que é o desequilíbrio nesse ponto que costuma levar aos casos mais graves”, aponta o pneumologista Rodolfo Augusto Bacelar de Athayde, do Complexo Hospitalar Dr. Clementino Fraga, de João Pessoa/PB.

Mais recentemente, outra boa notícia: antivirais demonstraram bons resultados em prevenir o agravamento da infecção em pessoas de maior risco. Falamos do molnupiravir, da Merck, e do paxlovid, da Pfizer.

“São o esperado tratamento precoce que tanto queríamos, mas ainda não estão disponíveis no Brasil”, comenta a pneumologista Letícia Kawano-Dourado, diretora clínica das diretrizes em tratamento para covid-19 da Organização Mundial da Saúde (OMS).

Já o chamado kit Covid-19 (com azitromicina, hidroxicloroquina, ivermectina e outros) não só não demonstrou efeito  nenhum nesse tempo todo como ainda traz riscos. “Essa polifarmácia não impede a piora do quadro e pode ocasionar efeitos colaterais”, avisa a intensivista Viviane Cordeiro Veiga, coordenadora da UTI da BP – A Beneficência Portuguesa de São Paulo.

+ Leia também: Tire 7 dúvidas sobre isolamento e testagem por Covid-19

Cloroquina não funciona e pode fazer mal

A cloroquina, usada originalmente para tratar malária e doenças autoimunes, foi uma das primeiras promessas para acabar com a pandemia. Até pelo longo tempo de convivência, as evidências depondo contra ela são as mais robustas.

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Existem estudos randomizados controlados (considerados os mais confiáveis) mostrando que ela não previne a infecção, não cura casos leves ou assintomáticos e não ajuda indivíduos hospitalizados.

Fora isso, a droga pode ser perigosa se tomada indiscriminadamente, especialmente para o coração. A FDA, agência que regula os fármacos nos Estados Unidos, revogou a autorização emergencial que tinha emitido para a cloroquina e a contraindica desde o ano passado, alertando para “sérias” arritmias, desordens sanguíneas, lesão renal e outros problemas.

A Organização Mundial de Saúde (OMS) e a Sociedade Brasileira de Infectologia também não recomendam o antimalárico nesse contexto.

“Além do risco cardíaco, notamos nos pacientes internados que estavam tomando cloroquina alterações nas enzimas do fígado”, conta Viviane, que participa da Coalizão Covid-19 Brasil, iniciativa que testou a droga.

+ Leia também: Cientistas avaliam as mutações da Ômicron e os efeitos das vacinas

Antiparasitários: ivermectina e nitazoxanida

Não existem evidências suficientes a favor de nenhuma das duas. A ivermectina demonstrou impedir a replicação do coronavírus em células isoladas. “Mas só em dose muito maior do que a considerada segura para os humanos”, comenta Athayde.

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Existem pesquisas clínicas sendo conduzidas sobre ela, que deverão trazer respostas definitivas sobre o assunto, mas até agora não há nada que embase sua prescrição.

Outro antiparasitário cogitado como ajuda na pandemia foi a nitazoxanida, famosa pelo nome comercial, Annita. Em estudo realizado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro com apoio do Ministério da Ciência, Inovação e Tecnologia (MCIT), a droga pareceu reduzir a carga viral. Mas, na prática, não ajudou na recuperação dos infectados. Além disso, o estudo foi criticado por sua metodologia.

“Essas medicações não funcionam contra a Covid-19 e têm efeitos adversos, como náusea, vômito e diarreia”, resume Viviane.

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Corticoides para casos graves, nunca para sintomas leves

De acordo com um dos braços da Coalizão Covid-19 Brasil, a dexametasona, anti-inflamatório pertencente à classe dos corticoides, ajuda a combater casos graves da doença. Outras pesquisas sérias chegaram à mesma conclusão.

“É a única droga que realmente mudou o quadro dos pacientes até agora. Sobre todas as outras, ou não há evidências ou os resultados são controversos”, pontua Viviane, que participa da empreitada.

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Mas atenção: o benefício é para quem está com sintomas severos, e precisa de oxigênio. Se dada precocemente, a dexametasona pode inclusive atrapalhar. O mesmo vale para outros corticoides que aparecem em receitas de Covid-19, como a prednisona.

“Como eles afetam as defesas do organismo, usar nos primeiros sintomas pode fazer com que a doença se prolongue e a pessoa demore mais tempo para se recuperar”, comenta Luciano Azevedo, Infectologista do Hospital Sírio-Libanês.

+ Leia também: O que fazer se tiver contato com alguém infectado por Covid ou gripe?

Outros anti-inflamatórios

Categorias mais modernas de anti-inflamatórios foram estudadas nos últimos meses para a Covid-19, sempre neste contexto dos quadros mais graves. As que demonstraram melhores resultados até agora foram o tocilizumabe e o baricitinibe, quando utilizados junto com a dexametasona, em pacientes que não demonstram sinais de melhora.

O tocilizumabe bloqueia a ação da interleucina 6, molécula pró-inflamatória produzida em excesso nos casos mais severos de coronavírus, quando ocorre a chamada tempestade inflamatória. Nesse estágio, o problema não é mais o vírus, mas a inflamação generalizada desencadeada por ele.

Já o bariticinibe atua inibindo outra molécula envolvida no mesmo processo, a janus-quinase. Eles já eram usados no tratamento da artrite reumatoide, doença autoimune.

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+ Leia também: Entenda o papel dos anti-inflamatórios no tratamento da Covid-19

As duas drogas, em estudos, demonstraram reduzir a mortalidade e a necessidade de ventilação mecânica em infectados pelo Sars-Cov-2. Por isso, entraram nas diretrizes da OMS. Estão disponíveis no Brasil, mas custo e disponibilidade limitada podem dificultar o acesso.

“O que temos discutido como alternativa é a utilização de uma dose mais alta de dexametasona, que poderia ter um efeito similar nestes casos mais críticos”, comenta Azevedo. A hipótese está sendo testada em estudos internacionais.

Anticorpos monoclonais

Dezenas de anticorpos monoclonais, que mimetizam a ação dos nossos próprios anticorpos, já foram testados para Covid-19 com resultados ora animadores, ora nem tanto.

Durante a onda da variante Delta, vários chegaram a ser utilizados no resto do mundo e aprovados no Brasil, mas com a Ômicron parece que a maioria perdeu sua ação.

Apesar de liberados, o preço na casa dos dezenas de milhares de reais barrou o medicamento no Sistema Único de Saúde (SUS) e na rede privada.

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“Eles devem ser aplicados com muito critério, mas reduziam em até 70% o risco de hospitalização em alguns cenários, que é bem mais cara do que o tratamento, mas o Brasil já perdeu a oportunidade de uso”, comenta Kawano-Dourado.

Os achados sobre os anticorpos monoclonais frente à mutante vêm de estudos preliminares, em células isoladas. Ou seja, ainda precisam ser confirmados. De qualquer modo, um ainda parece funcionar. Trata-se do sotrovimabe, também já liberado no Brasil, mas indisponível na prática.

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Antivirais: enfim, um tratamento precoce

Uma alternativa mais simples e barata aos anticorpos monoclonais, com o mesmo objetivo: proteger pessoas em alto risco de agravamento do quadro. São aqueles indivíduos em que a vacina tende a não funcionar tão bem — idosos, portadores de doenças crônicas e pessoas em tratamentos que suprimem o sistema imune (como os oncológicos).

Eles atuam em etapas da replicação viral, tentando impedir que o vírus faça suas cópias. Atualmente, existem dois fármacos deste tipo, criados para o Sars-CoV-2, sendo usados em outros países. O molnupiravir, da Merck (MSD), demonstrou em um estudo reduzir em 50% o risco de hospitalização ou morte. Os achados preliminares foram publicados no New England Journal of Medicine.

De acordo com a fabricante, ele mantém sua eficácia frente à Ômicron. O bacana é que há a possibilidade de criar licenças para versões genéricas do molnupiravir. A MSD está conversando com a Fiocruz desde o ano passado para viabilizar uma produção nacional, mais barata. O pedido de aprovação está em análise na Anvisa.

Outro fármaco que está fazendo sucesso lá fora é a combinação de nirmatrelvir e ritonavir, sob o nome comercial paxlovid, da Pfizer. Segundo a fabricante, a redução de risco é de 89%. A solicitação de autorização no Brasil ainda não foi feita formalmente, mas Anvisa e Pfizer já iniciaram as tratativas.

Eles são aguardados pelos médicos brasileiros. É que, mesmo com as vacinas, ainda precisaremos de tratamentos para a doença.

“Pelos estudos, aparentemente são boas alternativas, mas agora estamos no início da fase 4, que é o uso clínico, onde veremos a diferença na vida real. Precisamos entender como eles funcionam fora do ambiente controlado dos estudos”, comenta Azevedo.

Kawano-Dourado, que acompanha a experiência no exterior, vê os medicamentos com bons olhos, com ressalvas. “Eles não devem ser usados em todo mundo, do contrário, levam a um desperdício de recursos, mas amansam a gravidade da pandemia se bem indicados, ao impedir hospitalizações e diminuir estatísticas de óbitos”, comenta.

+ Leia também: Por que não podemos falar que as vacinas contra a Covid são experimentais?

Remdesivir ainda é polêmico e pouco utilizado

O medicamento, desenvolvido como um antiviral de amplo espectro e testado primeiramente contra o ebola, é alvo de muitas pesquisas há anos.

Parece, enfim, ter ganhado um lugar no tratamento da Covid-19, com um grau de incerteza. “Estudos trazem resultados contraditórios. Ele já demonstrou melhorar a resolução dos sintomas, mas ainda há dúvidas quanto à mortalidade”, diz Azevedo.

Atualmente, o remdesivir é recomendado para indivíduos já internados, recebendo oxigênio, mas não intubados. Mas pode ser que seja melhor usá-lo mais cedo, como os antivirais supramencionados. “Pesquisas muito recentes mostram que ele pode ser mais eficaz em prevenir complicações se usado nos primeiros dias”, aponta Kawano-Dourado.

O problema é que o remdesivir é caro e deve ser aplicado de maneira intravenosa. Ou seja, seria preciso identificar o paciente de alto risco, conseguir o medicamento e aplicá-lo em poucos dias num ambiente hospitalar. Acabou que, mesmo liberado no Brasil, ele caiu no ostracismo por aqui. “Na prática, no Sírio, só usamos no contexto de pesquisa”, conta Azevedo. 

Atenção ao uso de antibióticos para a Covid-19

Basta conversar com alguém que contraiu Covid para ver como virou praxe a prescrição de antibióticos como a azitromicina e a doxicilina para combater o vírus. “Esse uso é extremamente equivocado. A azitromicina só deve ser usada se houver uma suspeita de infecção bacteriana coexistente”, diz Athayde.

A principal preocupação dos médicos é que o exagero prejudique a ação já consagrada das drogas no futuro. “Elas podem deixar de fazer efeito contra pneumonias e outras doenças por causa da resistência bacteriana”, alerta o pneumologista.

A Organização Mundial de Saúde (OMS) faz a mesma ponderação.

+ Leia também: Como a pandemia pode ter ajudado a criar bactérias superresistentes

O que é necessário para comprovar a ação de um medicamento

Só se pode ter certeza que um remédio é bom contra alguma doença depois que ele passa pelo chamado ensaio duplo cego, randomizado e controlado. Trata-se de uma pesquisa que compara a ação daquela substância com outra (um placebo ou o tratamento convencional). Ninguém sabe quem está tomando o quê, e, quanto mais gente for incluída, mais confiável é o resultado.

A metodologia rígida é a única maneira de reduzir o perigo do viés de confirmação, que é quando a conclusão vem antes da investigação.

“Suponha que um pesquisador queira mostrar a qualquer custo que certo medicamento funciona. Ele realiza o experimento e, todas as vezes em que o resultado de um voluntário é contrário à sua conclusão, ele o descarta”, continua Marcelo Takeshi Yamashita, diretor do Instituto Questão de Ciência e do Instituto de Física Teórica da Universidade Estadual Paulista (Unesp).

É o caso, por exemplo, de um artigo publicado no Journal of American Medicine que tem sido usado como prova de que o tratamento precoce funciona. Escrito a partir de uma revisão de literatura e publicado em janeiro, os autores deixaram de lado as provas existentes (os estudos controlados feitos em humanos) de que vários dos remédios citados lá não funcionam.

“O artigo não pode ser considerado evidência científica, mas sim um artigo de opinião, pois não é uma revisão feita com metodologia de qualidade, além de desconsiderar diversos outros estudos já discutidos pela comunidade científica”, pontua Athayde.

O próprio periódico é questionável. Apesar de ser revisado por pares, seu fator de impacto, medida de qualidade da publicação, é de 4.760. Para se ter ideia, os considerados mais confiáveis têm um fator de impacto acima de 40.000.

Os achados de ensaios in vitro, que utilizam células isoladas, não podem ser extrapolados para humanos. Nosso corpo, afinal, tem um funcionamento bem mais complexo do que uma única célula, e nesses testes a segurança não é uma preocupação. O caso da ivermectina ilustra bem isso – se fosse usada em pessoas na dose que funcionou nas células, seria tóxica.

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