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Dengue, fungos, Covid… Os micróbios que preocupam os infectologistas

Diretamente do Congresso Brasileiro de Infectologia mostramos os vírus, bactérias e companhia que tiram o sono dos especialistas

Por Diogo Sponchiato
Atualizado em 26 set 2023, 12h19 - Publicado em 22 set 2023, 14h43
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No radar: especialistas defendem cuidados redobrados com vírus como o da dengue e o da Covid-19, além de um olhar mais apurado para fungos e bactérias resistentes. (Ilustração: Jonatan Sarmento/SAÚDE é Vital)
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Quase 3 mil profissionais e acadêmicos se reuniram no congresso da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), em Salvador, para compartilhar e discutir os principais desafios e avanços no universo da prevenção, do diagnóstico e do tratamento das doenças infecciosas.

O evento voltou a ser plenamente presencial depois de quase quatro anos devido à emergência da pandemia de Covid-19. A última edição nesse formato ocorreu em Belém do Pará, em 2019.

Dezenas de micróbios — e os problemas que eles desencadeiam entre nós, bem como as soluções já disponíveis e as que estão no horizonte  — protagonizaram conferências e sessões de conversa entre os especialistas.

De dengue ao Sars-CoV-2, passando por outros vírus, fungos e bactérias resistentes, preparamos um resumo das principais fontes de preocupação e debate abordadas no encontro.

Dengue

O vírus transmitido pelo mosquito Aedes aegypti não tem saído dos holofotes, e a coisa só piorou nos últimos anos. A estimativa é que, em 2022, cerca de 1,5 milhão de casos tenham ocorrido no país, com 1 mil mortes. Nunca tantos brasileiros morreram da doença.

E mais mil óbitos aconteceram até agora em 2023. Ou seja, podemos bater esse triste recorde este ano.

A doença não é mais confinada a regiões específicas, tendo se disseminado pelo território nacional. O Sul, que antigamente apresentava poucos episódios de dengue, já é a segunda região com mais vítimas, depois do Sudeste.

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“E o problema é que, com o aquecimento global, o mosquito vetor consegue não só se reproduzir melhor como se torna mais ativo, podendo propagar ainda mais o patógeno”, diz o infectologista Kleber Luz, coordenador do Comitê de Arboviroses da SBI.

Os subtipos virais 1 e 2 são os que predominam no Brasil, mas o especialista acredita que, no ano que vem, podemos esperar um surto do tipo 3.

Outra notícia alarmante é que um “primo” do Aedes aegypti, o Aedes albopictus, tem se espalhado pelo país e também é capaz de dispersar por aí os vírus de dengue, chikungunya e zika. “Era um inseto mais restrito às matas, mas que está avançando sobre os centros urbanos. E, diferentemente do Aedes aegypti, voa em nuvens”, conta Luz. 

A aprovação recente no Brasil de uma nova vacina contra os quatro sorotipos de dengue foi comemorada pelos experts. No entanto, por ora ela só é encontrada em clínicas privadas. O fabricante já submeteu o pedido de avaliação para incorporação no SUS.

Chikungunya

Pegando carona no mosquito da dengue, também encontramos esse outro vírus do grupo das arboviroses.

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O número de infecções aumentou em algumas regiões, como Minas Gerais, com o agravante de ter crescido o índice de casos fatais.

“Não bastasse deixar sequelas como dor e rigidez articulares, que chegam a incapacitar o indivíduo, temos visto mais mortes por chikungunya recentemente”, afirma Luz, que também é professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (URFN).

Em um surto recente no vizinho Paraguai, autoridades contabilizaram 300 óbitos.

Medidas de controle do vetor (os mosquitos) são bem-vindas, mas a esperança para deter essas viroses reside em vacinas. Tanto é que o Instituto Butantan, em São Paulo, avançou nos estudos clínicos com um imunizante inédito para chikungunya.

Não bastassem dengue e chikungunya, os Aedes ageypti e albopictus também podem transmitir o vírus da zika e o da febre amarela.

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+ Leia também: De mpox a Covid-19: vivemos a era das pandemias?

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Aumento da transmissão de arboviroses é motivo de preocupação (Foto: Josué Damacena/IOC/Fiocruz/Divulgação)

Candida auris

Eis o nome de um fungo ultrarresistente — ou superfungo, como tem sido chamado  — que preocupa sobretudo os médicos que trabalham em hospitais com serviços de cirurgia e UTI.

O micróbio, cujo primeiro surto foi detectado no Japão em 2009, já chegou ao Brasil e deflagrou ataques em Salvador e Recife, por exemplo.

Ontem, foi divulgado um novo caso em Pernambuco, totalizando 13 episódios no estado apenas neste ano.

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O infectologista Felipe Prohaska, do Hospital Universitário Oswaldo Cruz, em Recife, alerta que é provável que o patógeno esteja aprontando em outras localidades do país, mas a falta de métodos de diagnóstico acurados nos centros de saúde dificulta sua detecção.

A maioria dos casos é marcada por uma colonização do fungo. Ou seja, ele passa a conviver com o organismo do paciente, ainda que contribua para a queda do seu estado geral de saúde. “Mas, naqueles em que há a infecção propriamente dita, praticamente 100% dos episódios são fatais. O fungo não responde aos antifúngicos disponíveis”, afirmou o médico no congresso em Salvador.

O C. auris tira o sono de especialistas mundo afora e é considerado um dos primeiros superfungos a emergir do contexto do aquecimento global, dada sua resistência a altas temperaturas.

Com uma alta capacidade de se adaptar ao ambiente transformado pelo homem, ele traz consigo a ameaça de que outros fungos desenvolvam resistência e se tornem um perigo à saúde humana em larga escala.

Coronavírus

“Todo mundo já cansou da Covid-19, mas a doença não acabou“, sentencia a infectologista Ho Yeh Li, do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, na conferência dedicada ao vírus pandêmico.

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O aumento de casos pelo Brasil e a circulação de uma nova variante, a Eris, recolocaram o agente infeccioso em evidência. Pesquisadores argumentaram que a queda na testagem e na vacinação é alarmante. Ora, são as duas principais táticas para domar a infecção.

“Parece que estamos brincando com fogo. Temos um cenário de novas variantes, baixa cobertura vacinal e testagem lamentável, sem falar em outros vírus, como o da gripe aviária, circulando”, resumiu o infectologista Evaldo Stanislau, professor da USP.

+ Leia tambémCovid-19: o Brasil está diante de uma nova onda da doença?

O especialista defende a manutenção de uma vigilância por meio de testes de PCR e antígeno, tanto no âmbito da assistência médica (na admissão em hospitais, por exemplo) como no monitoramento da comunidade.

Segundo ele, testar é crucial para tratar melhor os infectados, resguardar a população, evitar novas variantes e otimizar o uso de recursos do sistema de saúde.

Já a médica Ho Yeh Li explicou que a efetividade das vacinas para Covid-19 tende a cair com o tempo, e isso acontece de forma mais intensa e acelerada em indivíduos como idosos, transplantados e pacientes em tratamento de câncer, doenças autoimunes e distúrbios renais.

Urge, portanto, elevar a taxa de vacinação e de aplicação das doses de reforço — que estão aquém do desejável — e personalizar os esquemas de uso em grupos de maior risco.

HPV

Transmitido sexualmente, o papilomavírus humano não só provoca verrugas e lesões genitais, mas é o fator de risco número 1 de câncer de colo de útero, assim como contribui para tumores de pênis, ânus, boca e garganta.

A boa notícia: temos vacinas eficazes para deter suas versões mais perigosas, uma delas fornecida gratuitamente pelo Programa Nacional de Imunizações (PNI), do Ministério da Saúde, a meninas e meninos de 9 a 14 anos. A má notícia: a cobertura vacinal continua pífia.

Numa das mesas do congresso, foi discutida a necessidade de se implementar um plano de ação mais assertivo para levar a vacina ao braço da molecada. Uma das estratégias é vacinar os jovens na escola, algo diante do qual o governador de São Paulo, entre outras autoridades, já se posicionou contrário.

A outra é apostar numa dose única do imunizante. Hoje são previstas duas picadas, sendo que a adesão à segunda tem taxas irrisórias.

A infectologista Rosana Ritchmann, do Instituto Emílio Ribas, em São Paulo, participou de uma revisão de dados a respeito e acredita que essa é uma saída factível para o cenário nacional, desde que o acompanhamento dos adolescentes vacinados siga em curso.

Recentemente, foi lançada no mercado brasileiro uma nova versão do imunizante, a nonavalente — a fórmula do SUS é tetravalente, isto é, barra quatro tipos do vírus — , disponível por enquanto apenas no setor privado.

+ Leia também: Vacina do HPV: “a melhor cura para o câncer é não ter o câncer”

Bactérias resistentes

Outra questão importante, considerada uma das maiores ameaças à humanidade pela Organização Mundial de Saúde (OMS).

Bactérias têm desenvolvido — e isso não é um fenômeno recente — estratégias naturais para escapar dos antibióticos. Micro-organismos multirresistentes, principalmente dentro de hospitais, estão por trás de mortes e sequelas em pacientes internados. Trata-se de um fenômeno global, que inclusive tem a ver com o uso de antimicrobianos em animais de estimação e na pecuária.

No evento em Salvador, o infectologista Carlos Fortaleza, da Universidade Estadual Paulista (Unesp), de Botucatu, deu um panorama dos agentes infecciosos mais problemáticos nesse sentido e ressaltou a importância de um trabalho de vigilância e rastreamento regional para evitar que surtos de bactérias resistentes se dispersem pelo país — medida vital ao lado do uso racional de antibióticos.

Fortaleza também mostrou as principais linhas de pesquisa para encontrar soluções contra essa bomba-relógio.

Muito além dos antibióticos, cientistas têm trabalhado em anticorpos monoclonais, nanopeptídeos e outras formulações inéditas para conter bactérias, sem falar em vacinas mirando os patógenos mais duros na queda.

“Contudo, ainda vai um longo caminho até termos essas novidades na prática clínica”, disse Fortaleza, ressaltando a necessidade de esforços locais e globais para enfrentar a crise.

HIV

Apesar dos avanços no controle da epidemia e na expectativa e qualidade de vida dos indivíduos com HIV, a doença segue no radar dos experts e das autoridades. Sobretudo após a pandemia, quando cerca de 10% dos pacientes brasileiros deixaram de realizar a terapia antirretroviral.

A necessidade de amplificar a testagem para o vírus, os meios de prevenção e a adesão aos medicamentos vem mobilizando a nova gestão do Ministério da Saúde, que acaba de anunciar uma atualização do protocolo terapêutico para tratamento da doença.

Superar as barreiras de acesso, enfrentadas pelos grupos mais vulneráveis socialmente, é um dos esforços do grupo de trabalho do governo, que também revisa táticas para aumentar a disponibilidade da PrEP (Profilaxia Pré-Exposição ao HIV), tática baseada em remédios que permitem evitar a infecção entre pessoas mais suscetíveis. 

Tudo isso faz parte de um compromisso para atingir as metas propostas pelo Unaids, o braço da ONU para o controle da pandemia, até 2030. O objetivo do programa é detectar pelo menos 95% da população que vive com o vírus, tratar 95% dos diagnosticados e suprimir a carga viral de 95% do público tratado. Estima-se que 750 mil brasileiros estejam em tratamento antirretroviral.

O infectologista Ronaldo Hallal, coordenador do novo protocolo de tratamento, acredita que é preciso intensificar algumas medidas para alcançar as metas globais – no momento, apenas a terceira foi atingida. “A taxa de diagnóstico está em 90% e o número de pacientes diagnosticados tratados em 82%”, relata o médico.

+ Leia também: HIV: 17% das pessoas com o vírus ainda não fazem o tratamento

Esporotricose

Causada por um fungo que está se espalhando pelo Brasil – o Rio de Janeiro e algumas cidades do Nordeste vivenciam índices preocupantes -, a doença é transmitida do gato para o ser humano (tanto felinos domésticos quanto selvagens podem ser infectados).

“Mas o gato é uma vítima. E, quando diagnosticado com o fungo Sporothrix brasiliensis, também pode ser tratado”, diz o infectologista Flávio Telles, coordenador do Comitê de Micologia da SBI. “O problema é que nem sempre se faz o diagnóstico. E aí encontramos animais seriamente afetados e já espalhando o micro-organismo para humanos.”

O médico trabalha para que a notificação compulsória da zoonose se amplie pelo país. Por ora, apenas nove estados fazem esse controle de perto.

A esporotricose pode devastar os felinos e provocar sérias lesões na pele e nos olhos e o comprometimento de gânglios linfáticos em seres humanos, sendo potencialmente fatal para indivíduos imunocomprometidos.

Felizmente, há tratamento, mas, quanto mais cedo os antifúngicos entrarem em cena, melhor.

“É importante que as pessoas, especialmente as que convivem com gatos, se conscientizem a respeito, porque vivemos um surto em expansão e com subnotificação. O Brasil inclusive já exportou o fungo para fora”, afirma Telles.

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