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Entrevista: “Nunca tantos brasileiros morreram de dengue”

2022 vai ficar marcado como o pior ano no combate ao vírus da dengue, transmitido pelo mosquito Aedes aegypti. Mas nova vacina pode melhorar esse cenário

Por Chloé Pinheiro
16 jan 2023, 18h23

Cerca de mil pessoas morreram de dengue em 2022. O número é o maior já registrado no país, e representa um aumento de 400% em relação a 2021.  Foram 1,37 milhão de casos, o que significa 87% dos registros da doença nas Américas, segundo a Organização Pan-Americana de Saúde. 

O infectologista Alexandre Naime, da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), destaca que as estatísticas podem estar ainda subestimadas. “Temos 992 óbitos registrados, mas alguns dados estão represados, então vamos ultrapassar a barreira das mil mortes”, afirma. 

Conversamos com Naime para entender como chegamos a essa situação alarmante. Confira a entrevista: 

VEJA SAÚDE: Como você avalia a situação atual da dengue no país? Por que chegamos a esses números?

Alexandre Naime: 2022 vai ficar marcado na história da saúde pública como o pior ano em termos de mortalidade por dengue. Desde que o vírus foi reintroduzido no Brasil, na década de 1980, nunca tantos brasileiros morreram pela doença. Ela está totalmente fora de controle, e trata-se de uma infecção prevenível.

Esse controle, contudo, depende muito de campanhas de esclarecimento contínuas, porque a dengue é uma doença comportamental. É preciso fazer vigilância constante em casa em busca de pequenos criadouros do Aedes aegypti, uma mensagem a ser reforçada sempre. É como falar de álcool e direção, ou promover a alimentação saudável: adianta fazer campanha só uma vez?

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Não houve comunicação o suficiente nesse governo, seja porque a atenção foi desviada por conta da pandemia de Covid, seja por negligência. Nós, da SBI, detectamos esse problema em maio, quando já se acumulavam quatro vezes mais óbitos em relação ao mesmo período de 2021. 

Emitimos um alerta, mas nada mudou. O Ministério da Saúde continuou omisso, como em outros assuntos. Além disso, tivemos muita chuva nos meses quentes, o que obviamente facilita a vida do Aedes, lembrando que os ovos podem durar até três anos em ambiente seco e eclodirem quando voltar a chover. 

Além da comunicação, quais são os principais pontos para um bom enfrentamento à dengue? 

Não é, realmente, algo fácil, porque não há uma única ação capaz de resolver o problema. Imagine algo como a prevenção da aids: não é só usar camisinha, mas adotar um conjunto de medidas. 

No caso da dengue, é necessário investir em visitas de agentes a domicílios, para informar e também buscar focos de água parada. Na rua, o fumacê [uso de substâncias não-tóxicas nas vias públicas] não mata o ovo, mas mata o mosquito adulto, o que ajuda quando os casos estão elevados numa região. 

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Há ainda novas estratégias que têm se mostrado bem sucedidas, como a liberação no ambiente de mosquitos transgênicos [que não chegam à fase adulta ou não conseguem se reproduzir] ou infectados pela bactéria Wolbachia, que impede que o vírus da dengue e de outras arboviroses se desenvolva no mosquito. 

Por fim, estamos aguardando a chegada em breve de uma nova vacina contra a dengue, com eficácia em torno de 80 a 90% na proteção contra hospitalizações e óbitos. Diferente da que temos hoje, essa pode ser tomada por todo mundo, e não só por quem já foi infectado no passado. É uma vacina universal.

Conta para nós um pouco mais sobre essa vacina, por favor. 

Nas últimas quatro décadas, fracassamos no desenvolvimento de uma vacina eficaz e segura para todos. Essa história parece que vai mudar com a vacina Qdenga, da Takeda. Ela protege contra todos os sorotipos da dengue e já foi aprovada para uso na Indonésia e pela Agência Europeia de Medicamentos [EMA, na sigla em inglês].

+ Leia tambémA nova vacina contra a dengue que pode ser aprovada no Brasil

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O produto está em análise pela Anvisa há mais de um ano, dentro do prazo legal. Por outro lado, entendemos que a dengue urge medidas mais rápidas, e a aprovação pela EMA, que havia solicitado as mesmas informações detalhadas que a Anvisa pediu recentemente, não deixa muita dúvida sobre a eficácia e segurança do imunizante. 

E a vacina brasileira, que está sendo desenvolvida pelo Butantan? 

É uma grande promessa, mas também é uma incógnita. Até o momento, só tivemos resultados parciais da fase 3 anunciados via coletiva de imprensa. Precisamos que o estudo seja finalizado e publicado, o que está previsto para 2024. 

Outro ponto é que uma vacina da dengue, para ser universal, precisa demonstrar eficácia e segurança na presença dos quatro sorotipos do vírus. E a do Butantan, até agora, só foi testada em indivíduos infectados com os sorotipos 1 e 2, porque o 3 e o 4 não circulam no Brasil. 

Enfim, há uma boa expectativa, mas não conseguimos pensar nela em curto prazo.  

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Mudando de assunto, como as mudanças climáticas têm afetado o comportamento da doença? 

Além de intensificar as chuvas no verão, há a questão do aquecimento global, que mudou o padrão geográfico de distribuição da doença. As fronteiras do Aedes aegypti estão aumentando. A região Sul, que antes mal via a doença, agora é uma das mais afetadas do país.

+ Leia também: De pandemias a infartos, os riscos das mudanças climáticas para a saúde

E em relação ao atendimento dos casos suspeitos, o que é importante ressaltar? 

Que a dengue é completamente manejável e tem um ótimo prognóstico, desde que o diagnóstico seja feito de forma precoce, nos primeiros dias de sintomas. Infelizmente, a maioria das pessoas hoje chega no hospital já em choque hemorrágico, a pior complicação da doença. 

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Então é preciso investir em alertas para que a população procure atendimento na presença de febre, manchas vermelhas na pele, além de dores de cabeça e no corpo.

A partir daí, a pessoa receberá hidratação por via oral ou intravenosa e acompanhada pelo médico. Os estudos mostram que o risco de morte é praticamente desprezível quando isso acontece [veja mais sobre a doença aqui]

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