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Aconselhamento genético: o que é e quando vale a pena procurar

A medicina oferece hoje a chance de descobrir informações valiosas sobre o DNA da família, mas ainda há desafios no acesso a esses recursos

Por Larissa Beani (texto) | Laura Luduvig (design)
7 ago 2024, 09h23
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Em duas décadas, passamos a ter acesso às nossas informações genéticas (Jian Fan (DNA), LUVLIMAGE (mão), Liudmila Chernetska (mão com luva)/Getty Images)
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A conclusão do Projeto Genoma Humano, anunciada em 2003 por um consórcio internacional de cientistas, marcou o início de uma nova era do conhecimento: abriram-se as portas à criação de inúmeros exames e tratamentos baseados em dados fornecidos pelo nosso DNA.

A empreitada foi fruto de mais de uma década de pesquisas e culminou no sequenciamento de 92% do material genético da nossa espécie, identificando as funções de boa parte dos ingredientes do código da vida a partir de informações colhidas junto a pessoas de origem americana, europeia, africana e asiática.

O sequenciamento não estava completo, mas foi o bastante para expandir a nossa compreensão sobre a sopa de letrinhas que ajuda a predizer e ditar quem nós seremos e que percalços de saúde poderemos enfrentar.

O projeto foi responsável, assim, por dar um pontapé no desenvolvimento de testes genéticos capazes de diagnosticar uma miríade de doenças, muitas delas condições raras.

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Para ter uma ideia, até os anos 1990, apenas uma centena de enfermidades menos prevalentes era conhecida. No início do século 21, mais de 1,4 mil já haviam sido mapeadas. Duas décadas se passaram desde então, e, agora, estima-se que esse número chegue ao menos a 80% das 7 mil patologias descritas.

“O detalhamento sobre os nossos genes agiliza o rastreamento de casos e o tratamento de milhões de pessoas que convivem com condições genéticas ao redor do globo”, afirma Ida Schwartz, presidente da Sociedade Brasileira de Genética Médica e Genômica (SBGM).

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+ Leia também: O aconselhamento genético a serviço de uma medicina mais preventiva

A jornada pelos seus genes

Além de preverem o risco de desenvolver essas e outras enfermidades mais frequentes, as ferramentas genéticas atuais permitem entender o impacto do estilo de vida na saúde e conhecer nossa ancestralidade.

A velocidade com que temos acesso a essas informações também surpreende. Se foram anos e anos para sequenciar os primeiros genomas, hoje nosso DNA pode ser vasculhado em uma única tarde.

Em 2021, uma equipe americana analisou um genoma em cinco horas e dois minutos, façanha reconhecida pelo Guinness World Records.

No ano seguinte, outro marco: um artigo publicado na renomada revista Science anunciou, enfim, o sequenciamento completo do modelo do DNA humano. Enquanto a medicina avança sem freios, porém, há muito a melhorar quando se fala no acesso a esse admirável mundo novo, sobretudo no Brasil.

“Reduzir o custo dessas tecnologias e incluí-las no rol de cobertura do Sistema Único de Saúde [SUS] e dos convênios são os desafios que esperamos superar nos próximos anos”, diz Vagner Simões, gerente do centro brasileiro da Illumina, empresa líder em decodificação genética.

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“Também precisamos formar mais especialistas em genética no país. O número hoje está aquém do estipulado pela Organização Mundial da Saúde [OMS]”, completa o biólogo.

Para alcançar esse objetivo, diversas entidades têm trabalhado em conjunto para tornar realidade uma jornada pelos genes entre as famílias brasileiras.

+ Leia também: Desafios das doenças raras afetam multidão na América Latina

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Dados do relatório de Demografia Médica no Brasil 2023 (Editoria de arte/Veja Saúde)

Triagem neonatal

Segundo um levantamento realizado pela revista MIT Technology Review, que ouviu especialistas de oito países latino-americanos, a procura pelo diagnóstico de doenças genéticas deve começar, idealmente, antes do aparecimento dos primeiros sintomas.

“Por isso, a triagem neonatal é uma estratégia altamente eficaz e necessária para o mapeamento de crianças com risco de desenvolver uma condição dessas”, defende a enfermeira Andressa Federhen, diretora de Medical Affairs da PTC Therapeutics, apoiadora do estudo.

Fazer os exames na janela de oportunidade correta pode melhorar bastante o prognóstico dos pacientes. A pequena Beatriz Paiva dos Santos, de 2 anos, é prova disso. Ela teve o diagnóstico agilizado após uma alteração metabólica ter sido flagrada no teste do pezinho.

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O exame é realizado obrigatoriamente nos primeiros dias de vida de todos os bebês nascidos no Brasil.

“Trata-se de um método muito sensível a anormalidades no sangue da criança, que podem estar presentes logo após o nascimento”, explica a neurologista infantil Fernanda Monti, consultora do Instituto Jô Clemente. “É a nossa principal ferramenta de triagem neonatal para condições congênitas e hereditárias.”

O exame não tem caráter diagnóstico e não faz um sequenciamento genético total, mas serve de bússola para investigações mais aprofundadas e para intervenções médicas rápidas que podem mudar o curso de doenças potencialmente incapacitantes — como no caso de Bia, que é portadora de uma rara mutação genética que causa deficiência de L-carnitina, aminoácido importante na orquestra do nosso metabolismo.

+ Leia também: Diagnóstico genético pode favorecer o tratamento de doenças raras

Com baixa produção da substância, a menina tem um risco aumentado de ter doenças cardíacas e deficiência intelectual. A criança, porém, não apresenta sinais de tais complicações, pois passou a receber doses diárias do aminoácido logo nas primeiras semanas de vida.

A confirmação do diagnóstico chegou aos 4 meses de idade, após uma análise genética mais complexa. “Nós não tínhamos conhecimento sobre essa alteração antes dos exames”, conta Degiane Paiva Feitosa, gestora de recursos humanos e mãe da pequena.

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Quando teve a menina, sua segunda filha, a profissional nem imaginava que voltaria a se deparar com as regrinhas de genética aprendidas na escola.  

Além do teste do pezinho, cujo leque de doenças detectáveis está sendo ampliado aos poucos em todo o país, é possível encontrar exames genéticos capazes de flagrar quase 400 doenças por coleta de saliva, como o Teste da Bochechinha, da Mendelics, ou o BabyGenes, da rede Dasa.

Outra análise relevante é o teste pré-natal não invasivo, mais conhecido pela sigla em inglês NIPT. “Indicado na gravidez, o exame identifica alterações cromossômicas, que resultam em síndromes como a de Down ou de Patau, e outras condições genéticas”, traduz Javier Miguelez, especialista em medicina fetal da Dasa Genômica.

+ Leia também: Teste do pezinho: 40 anos detectando doenças congênitas no Brasil

Diante de um resultado positivo, a ideia é preparar os familiares para a chegada de uma criança que precisará de cuidados especiais. No dia a dia, porém, o diagnóstico de doenças mais raras ainda pega de surpresa a maioria dos 13 milhões de lares com alguém nessa condição.

Por isso, o processo deve ser acompanhado de perto por especialistas capacitados a interpretar informações genéticas e dar as melhores orientações sobre como conviver com os distúrbios ditados pelos genes. “Rapidez, precisão e comunicação clara e empática são três pilares desse atendimento”, sintetiza Monti.

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Algumas das principais formas de analisar o DNA (Jian Fan (DNA), Liudmila Chernetska (mão com luva)/Getty Images)

Para que serve o aconselhamento genético?

Daí a importância do aconselhamento genético, um serviço que envolve etapas como a avaliação física do paciente, a escolha dos melhores exames para fechar um diagnóstico, a interpretação dos dados e o acompanhamento do tratamento da doença identificada.

“É um processo que deve ser feito por uma equipe multiprofissional, envolvendo enfermeiros, psicólogos, assistentes sociais e outras especialidades, principalmente o expert em genética médica”, elenca Ida Schwartz, que também atua no Hospital de Clínicas de Porto Alegre.

Para um atendimento completo, a criação de centros de saúde onde os pacientes possam realizar seus tratamentos multidisciplinares em um mesmo local também é importante para a continuidade dos cuidados, assim como o acesso à telemedicina facilita a adesão ao tratamento.

+ Leia também: Como podemos ajudar quem tem uma doença rara

E, para além dos serviços especializados, os profissionais da atenção primária também devem ser sensibilizados a respeito do diagnóstico e do manejo dessas enfermidades, recebendo o devido treinamento para atender casos suspeitos e confirmados.

Testes genéticos podem ser interessantes também para rastrear a presença de genes que aumentam o risco de desenvolver determinada doença.

Foi o que a atriz Angelina Jolie procurou investigar após a morte de sua mãe por um câncer de ovário. A celebridade descobriu uma mutação no gene BRCA1 que era compartilhada por boa parte das mulheres de sua família, explicando a recorrência de casos de câncer de mama e de ovário no clã.

“Meus médicos estimaram que eu tinha um risco de 87% para câncer de mama e 50% para câncer de ovário”, declarou Jolie ao The New York Times na época. Frente à ameaça da malignidade, a atriz foi orientada pelos médicos a retirar cirurgicamente os órgãos que poderiam ser afetados.

Na época, a intervenção foi vista como um exagero por parte do público, mas aos poucos ficou clara a importância de preservar a vida e encontrar formas de escapar do destino traçado pelo DNA.

Suporte multiprofissional

Atualmente, testes que avaliam riscos para doenças diversas podem ser adquiridos pela internet sem a necessidade de pedidos médicos, mas especialistas aconselham que os interessados procurem uma ajuda profissional para interpretar o resultado.

“Caso a pessoa queira saber se tem algum fator genético que predisponha a doenças graves e crônicas, o recomendado é procurar um geneticista, de preferência, e compartilhar suas dúvidas, angústias e histórico com ele”, indica Ida.

É que ele é o profissional capacitado a recomendar o melhor tipo de exame para encontrar a resposta ao que você procura e, tão importante quanto, entender os achados e traçar estratégias para diminuir quaisquer riscos que sejam descobertos.

+ Leia também: O papel dos testes genéticos na reprodução assistida

Conhecer o que está escrito em nossos genes pode também ajudar a prevenir que doenças sejam passadas para as próximas gerações. Hoje em dia, casais que tenham um risco aumentado de ter filhos com problemas hereditários e graves podem minimizar o perigo e engravidar com a intervenção de técnicas de reprodução assistida.

Por meio do teste genético pré-implantacional (conhecido como PGT), avalia-se quais embriões não possuem a mutação que busca ser evitada. Aqueles que forem saudáveis podem ser implantados na mulher com o objetivo de dar a largada para a gestação.

“O procedimento de fertilização in vitro, porém, é um processo caro, que custa, em média, 20 mil reais, e pode chegar a valores mais altos a depender dos exames necessários”, esclarece a médica Rivia Mara Lamaita, presidente da Comissão de Reprodução Assistida da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo). Outra opção é recorrer à adoção.

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Nossos genes guardam respostas sobre características físicas, habilidades e propensões a doenças (Jian Fan (DNA), LUVLIMAGE (mão)/Getty Images)

O passado e o futuro do nosso DNA

A genética pode nos dar, ainda, mais detalhes sobre as nossas origens. No universo dos populares testes de ancestralidade, não faltam histórias emocionantes de pessoas que reencontraram pais, irmãos e filhos graças aos genes compartilhados.

Em uma sociedade historicamente marcada pela imigração e pelo tráfico de africanos para a escravidão, ter conhecimento sobre nossas heranças biológicas é também uma forma de conhecer a fundo como se forjou nossa população.

É o que propõe o médico e farmacêutico Ricardo di Lazzaro, fundador da Genera, o maior laboratório de genômica pessoal da América Latina. No último ano, o pesquisador lançou o livro O DNA do Brasileiro: Como a Genética Influencia o Nosso Comportamento e Ajuda a Contar a Nossa História (Máquina Editorial) [clique aqui para comprar*].

A obra reúne as principais conclusões e curiosidades genéticas do povo brasileiro, com base em milhares de pessoas que utilizaram os testes da empresa para conhecer melhor sua saúde e seus elos ancestrais.

+ Leia também: Teste genético: quando fazer?

“Nosso material genético diz muito sobre nossa história, não apenas individual, mas coletiva. Observamos, por exemplo, que as linhagens paternas tendem a ser mais europeias, enquanto as maternas têm predominância da ascendência africana ou indígena, e isso revela uma conexão com a exploração que ocorreu entre esses povos ao longo de séculos”, relata Lazzaro, que não é o único interessado na diversidade dos genes tupiniquins.

A startup Gen-t do Brasil, criada pela professora da USP Lygia da Veiga Pereira, pioneira no estudo da genética no Brasil, anunciou que até 2026 irá sequenciar o genoma de 200 mil brasileiros a fim de desvendar as principais predisposições genéticas relacionadas à saúde do nosso povo.

A ideia é usar os dados para orientar políticas públicas e inserir o Brasil na era da medicina de precisão de forma mais democrática.

O governo federal também endossa a relevância dessa missão e está, aos poucos, expandindo o Programa Genomas Brasil, que visa inserir o sequenciamento genético no SUS.

Ainda que não acompanhemos a velocidade com a qual a tecnologia avança, está cada vez mais claro que mergulhar nos segredos do DNA é um caminho sem volta para cuidar da saúde. E não podemos parar no tempo!

Escrito em pedra?

Enquanto algumas partes do nosso DNA são determinantes sobre o que vai acontecer com o corpo e a saúde, outras podem ser encaradas como pontos de atenção e sinalização de que devemos mudar comportamentos ou passar por intervenções médicas.

Nesse contexto, a epigenética é um campo da ciência que tem ganhado cada vez mais destaque por mostrar como nossos hábitos podem influenciar a expressão dos genes, reduzindo ou aumentando o risco de aparecimento de doenças crônicas.

Como regra geral, é importante investir em um estilo de vida saudável, preservando o sono, enriquecendo a dieta e praticando atividade física para espantar males maiores. Estudos sugerem que isso teria mais impacto do que os genes para a longevidade.

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