Testes genéticos no Brasil: benefícios claros, mas acesso restrito
Segundo especialista, exames modernos que vasculham o DNA em busca de doenças podem beneficiar brasileiros e economizar recursos, se incorporados pelo SUS
Doenças raras, oncológicas, anomalias cromossômicas… Hoje, contamos com uma gama de condições que podem ser beneficiadas pelo avanço da genômica. Podemos oferecer diagnósticos mais precisos, precoces e, até mesmo, tratamentos mais assertivos. Ainda assim, enfrentamos um grande desafio no Brasil: o acesso.
O cenário é restrito e a oportunidade de realizar os testes genéticos se concentra nas mãos de uma parcela pequena da população. Há alguns casos na saúde suplementar e pouquíssimos no Sistema Único de Saúde (SUS).
Melhor custo-efetividade dos testes genéticos
Já temos estudos que comprovam os benefícios dos testes genéticos nos cofres públicos. Um trabalho realizado na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) realizou o sequenciamento do exoma de 70 indivíduos, divididos em pessoas com déficit intelectual e com quadros de demência, distúrbios de movimento e outras doenças determinadas geneticamente, mas com padrões de herança diferentes.
Quando comparado com o cariótipo — exame mais simples, usado tradicionalmente no SUS — os resultados mostraram um rendimento superior. Enquanto o exame tradicional identifica três casos de alteração em cada 100, o exoma pode identificar 40. Por isso, mesmo que o teste genético tenha um preço mais “salgado”, o custo final é menor, já que tratamento precoce costuma economizar recursos.
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Hoje, no Brasil, a jornada do paciente com doença rara dura de 5 a 6 anos até o diagnóstico. Esse processo é penoso para o paciente e para a família, além de ser custoso para o sistema de saúde.
Ao utilizar o teste genético como diagnóstico de primeira linha, essa jornada é reduzida, o tempo é poupado, os custos são cortados e a saúde mental das famílias envolvidas é preservada.
O estudo foi submetido à Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec), a qual aceitou o parecer técnico-científico e o submeteu ao Ministério da Saúde, que por fim, incorporou o método no Sistema de Gerenciamento da Tabela de Procedimentos, Medicamentos e OPM do SUS (Sigtap).
Isso significa que o teste de exoma está no SUS. Porém, ainda não foi definido um valor, o que, na prática, faz com que o serviço não seja utilizado.
Entraves para o acesso da genômica no Brasil
Existem três principais pontos que estão no centro do entrave da ampliação: os custos, a educação e a incorporação por parte das fontes pagadoras.
Nos custos, a grande dificuldade se concentra no preço da tecnologia. Nós ainda somos dependentes dos produtos importados que, na maioria das vezes, são caros.
Nesse sentido, as empresas também têm um papel importante. Precisamos desenvolver e aprimorar tecnologias que possibilitem a redução de custos. A Ilumina, onde trabalho, tem um trabalho pioneiro com uma operadora de saúde sobre painéis genômicos abrangentes para casos específicos de câncer de pulmão, por exemplo.
Já no SUS, podemos citar o programa Genomas Brasil. A iniciativa busca sequenciar o genoma completo de 100 mil brasileiros, com algumas abordagens específicas, para compreender melhor o perfil genético da nossa população.
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O programa foi idealizado em 2019 e, no ano passado, tivemos a aprovação do orçamento específico, que já está vigente. O objetivo é que, no futuro, seja possível desenvolver terapias com tecnologia locais, de forma custo–efetiva e sem impactar o sistema de saúde.
Um segundo entrave é a educação. Hoje, temos cerca de 300 médicos geneticistas atuantes ― um número muito aquém do que a Organização Mundial de Saúde (OMS) preconiza, pois o órgão recomenda que haja um geneticista para cada 100 mil habitantes.
Além dos médicos, precisamos que haja uma formação dos profissionais envolvidos na saúde primária, de forma que eles saibam identificar o momento de encaminhar o paciente para o atendimento especializado.
A população também deve ser conscientizada, para que questione e busque orientações.
E precisamos também realizar estudos de custo-efetividade, para que possamos entender quais testes específicos são prioridades para incorporação. Por fim, é preciso que haja uma movimentação para incorporação por parte das fontes pagadoras.
Hoje, a forma que a genômica está estruturada no país não é sustentável. Os testes genéticos trazem grandes perspectivas para a saúde brasileira, mas estamos restringindo essa tecnologia para uma parcela da população.
Para garantir que a saúde seja de fato para todos, precisamos trabalhar efetivamente, e em conjunto, para mudar os custos, a educação e a incorporação por parte das fontes pagadoras.
*Vagner Simões é Country Manager da Illumina Brasil