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O repórter André Biernath desenterra o passado e vislumbra o futuro da arte (e da ciência) da Medicina
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A Covid-19 na América Latina pelos olhos de quem está na linha de frente

Médicos e cientistas de nossos vizinhos de continente contam qual a situação do coronavírus em seus respectivos países e os desafios enfrentados

Por André Biernath
Atualizado em 8 Maio 2020, 12h33 - Publicado em 7 Maio 2020, 19h19
coronavirus america latina equador
O monumento acima foi feito pelo arquiteto brasileiro Oscar Niemeyer (1907-2012) e está na entrada do Memorial da América Latina, em São Paulo. (Foto: Caio Pimenta/Divulgação)
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Você já deve ter ouvido por aí que “o Brasil dá as costas para a América Latina”. Convenhamos que a crítica é pertinente: encontramos com facilidade notícias sobre a Europa e os Estados Unidos, ao passo que as nações que circundam nosso território só vão parar nas manchetes quando algo muito grave acontece, mesmo em tempos de pandemia de Covid-19.

Numa rápida procura que fiz pelos sites brasileiros, encontrei pouquíssima informação sobre como Chile, México ou qualquer outra nação próxima está enfrentando o coronavírus. Apareceram algumas notas esparsas, feitas por agências de notícias internacionais e veiculadas em nossos jornais e sites.

Para tentar diminuir um pouco desse distanciamento, resolvi entrar em contato com colegas jornalistas da região e pedi que eles me indicassem especialistas de seus países para uma breve conversa. Todos os experts que responderam às minhas mensagens enviaram uma análise sobre as ações de políticas públicas para combater o coronavírus. Você confere, nas palavras deles, como anda a situação em seus respectivos países:

Equador 

Observação: o Equador está entre os países mais atingidos da América Latina, com uma crise sanitária gravíssima que afetou várias cidades. Como os especialistas estavam abarrotados de trabalho, quem mandou a análise foi a jornalista científica Tania Orbe Martinez, correspondente da SciDev.Net e professora da Universidade San Francisco de Quito:

“O Equador é o segundo país mais afetado pela Covid-19 na América Latina, só fica atrás do Brasil. Mas, se levamos em conta a quantidade de habitantes e o tamanho do território, somos o número um. As imagens de centenas de cadáveres espalhados pelas ruas, casas e hospitais de Guayaquil, a cidade mais populosa da nação, deram a volta ao mundo. Em Quito, nossa capital, e no resto das províncias, a situação está um pouco mais controlada, mas o sistema de saúde, que já tinha dificuldades, está transbordando. 

Quito, aliás, é a cidade onde moro. Aqui, o prefeito Jorge Yunda respeitou as diretrizes do governo federal para responder à pandemia. Foi o primeiro lugar a estabelecer toque de recolher, suspender as escolas, fechar os mercados e preparar albergues para moradores de rua.

Acredito que o governo deve continuar com as medidas restritivas drásticas e, ao mesmo tempo, oferecer assistência às famílias cujos membros não podem trabalhar ou estão desempregados. Precisamos também de alguma lei que impeça as empresas de fazer novas demissões. As pessoas necessitam acatar as medidas de segurança e se informar por meio de fontes oficiais e profissionais sobre o que está ocorrendo.

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O problema é que a situação econômica do Equador já era frágil antes disso tudo. Não temos reservas monetárias, nem fundos de emergência. Somos um país que depende do dólar americano. Segundo o Instituto Nacional de Estatística e Censo, só 30% dos equatorianos em idade produtiva têm um emprego formal. Outros 30% permanecem em subempregos, sem contrato fixo. O resto não tem ocupação mesmo. No meu país, ou a gente morre de fome ou morre de Covid-19, pois muitos precisam sair às ruas para vender algo e sobreviver”. 

Panamá

A análise desse país da América Central é da médica Lourdes Moreno, diretora nacional de epidemiologia do Ministério da Saúde do Panamá:

“Nós manejamos a questão do coronavírus baseados nos aspectos clínicos, epidemiológicos e científicos, tomando em conta o exemplo de como outros países estavam lidando com o mesmo problema. Também tivemos a assessoria de grandes especialistas no tema de nosso país. Temos um alto número de casos e mortes, mas realizamos muitos testes em nosso povo. 

No Panamá, as autoridades buscam melhorar a situação tentando persuadir a população que não saia de casa. Em algumas regiões em que o número de casos continua a subir, os cidadãos não acataram as estratégias de isolamento social para mitigar a propagação da doença. Nós decretamos uma quarentena que inclui toque de recolher, lei seca e distanciamento social.

O governo também criou o Hospital Integrado Panamá Solidário, que teve um investimento de 6 milhões de dólares e conta com tecnologia de ponta. Ele é dedicado 100% aos casos de Covid-19. Um segundo centro médico foi convertido justamente para indivíduos que integram os grupos de risco para agravamento da condição. Por fim, estabelecemos um protocolo de atenção em saúde mental para quem necessita”. 

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Costa Rica

Nossa interlocutora foi a pediatra Ana Morice, mestre em saúde pública e epidemiologia do Instituto Costarriquenho para Pesquisa e Educação em Nutrição e Saúde:

“Em minha opinião, por aqui nós estamos com um aumento controlado do número de casos, onde as cadeias de transmissão são acompanhadas de perto. A mortalidade é baixa, comparada com a de outros países, e isso é resultado da atenção e da detecção oportuna dos focos de infecção. 

Creio que é importante implementar medidas que aumentem ainda mais o diagnóstico, numa busca ativa por meio de testes. Já temos prevista a instalação de estações sentinelas em alguns pontos do país, que devemos seguir reforçando. Ao mesmo tempo, é preciso pensar numa rota de reativação da sociedade e da economia em etapas.

Para a população, a mensagem principal é seguir as indicações do ministério da saúde, pois tudo está sendo feito de acordo com fundamentos técnicos e científicos. A Costa Rica está preparada para dar uma resposta efetiva contra a Covid-19. A meta é manter a transmissão em índices baixos, como fizemos até agora”. 

Chile

As pensatas são da bioquímica Marcela Gatica, que é coordenadora do Núcleo de Comunicação Científica da Faculdade de Ciências da Universidade de La Serena. A especialista também faz parte da equipe que está construindo laboratórios para a análise das amostras de pacientes para detectar o coronavírus:

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“Me alegro muito em saber que as medidas tomadas pelo governo chileno tiveram uma assessoria técnica e científica. Os líderes se rodearam de experts, o que garantiu uma resposta mais adequada. Nosso governo criou recentemente o Ministério de Ciências, Tecnologia, Inovação e Conhecimento, que, apesar de novo, já teve logo um grande desafio pela frente. Entre as políticas realizadas, vimos o controle do fluxo nas cidades, quarentenas obrigatórias, cordões sanitários…

A questão é que estamos empobrecidos. Gente que trabalha na rua, garantindo o dia a dia, se viu de uma hora para outra obrigado a permanecer em casa. É uma questão complicada de manejar. Vemos isso na nossa própria comunidade. Por mais que muitos permaneçam em suas residências, outros não estão informados ou simplesmente não creem na gravidade da situação. Observamos muitos cidadãos desobedecendo as medidas de isolamento. Mas essa é uma falta de consciência social que ocorre em todas as partes do mundo.

Vemos entre os chilenos uma baixa percepção de risco, como se achassem que aquela doença é algo distante. Para combater isso, o governo vem aumentando sua capacidade de realizar exames, o que é primordial. Isso permite proteger as famílias e criar alertas à medida que o problema evolui em determinada região. A maior disponibilidade de exames ajudará a ter uma noção real do número de casos e óbitos”.

México

Nosso entrevistado é o médico Andreu Comas Garcia, professor e investigador da Faculdade de Medicina da Universidade Autônoma de San Luis Potosí. Ele também é membro do Comitê de Especialistas em Saúde para o Governo de San Luis Potosí:

“O México é um país grande como o Brasil e vemos aqui uma situação bastante heterogênea. Os principais surtos acontecem atualmente nas cidades com maior densidade populacional, como as megalópolis de Cidade do México, Puebla, Yucatán, e na porção norte, próxima da fronteira com os Estados Unidos. Nessas regiões, já vemos uma saturação dos hospitais. Nos outros locais, onde a situação está relativamente melhor, podemos notar que as medidas de distanciamento social foram adotadas com antecedência. 

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Sem dúvida, somos um dos países que menos faz exames no mundo, numa proporção bem mais baixa em comparação com os outros. Acredita-se que os números reais sejam cerca de 8,5 vezes maiores que as estatísticas oficiais. E um dos motivos que nos levam a crer nesse cenário é o fato de a mortalidade ser alta e estar em crescimento. 

Para melhorar a prevenção e o combate à pandemia, precisamos apostar na prevenção e fazer mais provas. Há carência de exames de PCR e também dos testes rápidos. Assim, a população vai entender a real gravidade do cenário, o que ajudará no respeito às medidas necessárias, como o isolamento social e o uso de máscaras. 

É urgente levar em conta que o México é o país mais obeso e com a maior taxa de diabetes e hipertensão do mundo. Portanto, a Covid-19 pode ser mais grave por aqui. Para evitar o desastre, precisamos de uma melhor coordenação nacional, em que o governo federal assuma a batuta e organize os trabalhos dos estados e das cidades.

Não temos vacina ou remédio disponíveis e nosso sistema de saúde enfrenta uma de suas piores crises. Tanto o governo quanto a população precisam entender de uma vez por todas que a vida como conhecíamos antes de 2020 terminou”. 

Colômbia

As respostas vieram direto do ministro de saúde e proteção social, o médico Fernando Ruiz Gómez:

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“Estamos observando os resultados positivos da quarentena, que começou no dia 25 de março. Registramos que o número de novos casos, hospitalizações e mortes se estabilizou. No final de março, cada pessoa infectada transmitia o vírus para outros dois indivíduos. Hoje, graças ao isolamento, essa taxa caiu para apenas um. Em outras palavras, freamos o crescimento exponencial dos primeiros dias, o que nos permitiu ganhar tempo e ampliar a capacidade de nossos hospitais. Com isso, vamos ter mais estrutura e recursos financeiros para quando flexibilizarmos o isolamento social.

O governo tomou medidas oportunas, como o fechamento de aeroportos e escolas, a suspensão de eventos e o próprio isolamento. Isso se demonstrou um feito, pois essa estratégia se sustentou por um mês e meio e houve uma manutenção constante da capacidade dos hospitais. 

Sem dúvida, sabemos que a quarentena é insustentável no longo prazo. O desafio será permitir que certos setores retomem suas atividades e isso requer disciplina. As sociedades latinas têm a característica de muito contato físico na vida diária e, com frequência, somos reticentes a obedecer ordens. Pois bem, chegou o momento de demonstrar que podemos seguir afetuosos e solidários, mas mantendo uma distância física”. 

El Salvador

Quem trouxe notícias desse país da América Central foi o médico Juan José Herrera Magaña, diretor da Clínica HM Mestapán:

Atualmente, todos os residentes em El Salvador se encontram numa quarentena domiciliar. Nos foi indicado que todos devemos permanecer em nossas casas e somente sair quando for estritamente necessário. Só está permitido trabalhar aqueles funcionários que prestam algum tipo de serviço essencial. E mesmo nesses casos deve-se portar uma carta de autorização para circular pelas ruas. Só vemos abertos estabelecimentos de atenção ou emergências, como hospitais, restaurantes que entregam comida, bancos e supermercados. Com essas medidas, se pretende manter o distanciamento social e, assim, evitar o contágio entre as pessoas.  

Junto com esse esforço, o nosso Ministério da Saúde está se desdobrando para manter uma busca ativa de novos casos suspeitos. Isso permitirá entender o real cenário da Covid-19 por aqui e ajudará a conter riscos maiores. A polícia nacional e o exército também fazem parte desses esforços. 

Vemos, porém, uma certa oposição e várias pessoas que não desejam acatar as medidas necessárias. Precisamos focar na informação, com a publicação objetiva e atualizada dos números de casos e óbitos. Também devemos reforçar as medidas básicas de prevenção, como uso de máscaras e a limpeza das mãos. E, claro, seguir apostando no distanciamento social, que é a melhor arma que se pode empregar para combater o coronavírus. 

Para lidar com os indivíduos que seguem desrespeitando as orientações, penso que o governo e as autoridades devem procurar outras formas de comunicação, para que a mensagem fique mais clara e crie uma consciência social. O fator psicológico e o estresse vivido por todos faz com que muitos usem as saídas de casa como uma maneira de se distrair e relaxar, o que é perigoso no atual momento.  

E os outros países?

Além desses retornos que você leu aí em cima, também entrei em contato com fontes de Uruguai, Argentina, Paraguai, Bolívia, Peru e Venezuela. Infelizmente, não obtive resposta a tempo da publicação. 

Caso tenha algum posicionamento nos próximos dias, atualizo a reportagem — ou, se vocês curtirem, faço uma nova versão com outras visões do coronavírus na América Latina. 

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