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Saúde é pop

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Tá na internet, tá na TV, tá nos livros... tá no nosso dia a dia. O jornalista André Bernardo mostra como fenômenos culturais e sociais mexem com a saúde — e vice-versa.
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O caso Simone Biles nas Olimpíadas e a saúde mental no esporte

Conversei com psicólogos do esporte para entender um dos episódios mais emblemáticos dos Jogos de Tóquio e da atualidade — e refletir sobre as suas lições

Por André Bernardo
Atualizado em 3 ago 2021, 10h38 - Publicado em 2 ago 2021, 19h02
simone biles saúde mental
Simone Biles (à direita) com a atriz Jeanté Godlock, que interpreta a ginasta no filme "Coragem para Vencer", baseado na autobiografia da atleta. (Foto: Produtora do filme/Divulgação)
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Simone Biles tinha 6 anos quando sua turma do colégio foi convidada a participar de uma excursão pela natureza. No tão esperado dia, porém, um temporal obrigou a professora a improvisar um plano B. Para não desapontar seus alunos, resolveu levá-los a um ginásio poliesportivo.

Foi como se a pequena Simone tivesse ido a um parque de diversões. Mal chegou lá, já começou a dar cambalhotas e a fazer acrobacias pelo tablado. Impressionados com a desenvoltura da garota, os instrutores pediram a ela que entregasse um bilhete aos seus pais: “Já pensaram em matricular essa menina numa aula de ginástica?”.

Dois anos depois, Simone começou a ser treinada por Aimee Boorman e não parou mais. Só em campeonatos mundiais, ganhou 25 medalhas, 19 delas de ouro, superando o recorde anterior, de 23 medalhas, 12 de ouro, que pertencia ao ginasta bielorusso Vitaly Scherbo, hoje com 49 anos.

Logo em sua primeira Olimpíada, a do Rio-2016, Simone Biles, então com 19 anos, conquistou cinco medalhas, quatro de ouro e uma de bronze. “Não sou a próxima Usain Bolt ou Michael Phelps. Sou a primeira Simone Biles”, declarou a atleta de 1,42 de altura e 47 quilos.

Cinco anos depois, a expectativa era que Simone, hoje com 24 anos, ganhasse mais cinco ouros em Tóquio e igualasse a façanha da soviética Larisa Latynina, que somou nove ouros em três edições dos Jogos. Não foi o que aconteceu. No último dia 27, ela surpreendeu a todos ao anunciar que abandonaria a final da ginástica feminina por equipe.

“Não confio mais tanto em mim quanto antes. Talvez seja o fato de estar ficando velha”, disse, na coletiva de imprensa. “Não somos apenas atletas. Somos pessoas. E, às vezes, é preciso dar um passo atrás”.

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+ Leia também: Os sinais menos conhecidos da ansiedade

No dia seguinte, outro baque: Simone desistiu também de disputar a final individual geral, prova que deu a Rebeca Andrade, de 22 anos, uma inédita medalha de prata para a ginástica feminina brasileira. “Às vezes sinto como se tivesse o peso do mundo sobre as minhas costas. Faço parecer que a pressão não me afeta, mas é difícil”, postou a ginasta em seu perfil no Instagram.

“São muitos os elementos potencialmente estressores na vida de um atleta. A rotina de treinamento, por exemplo, é muito árdua. Não bastasse, eles praticamente não têm vida social. Isso sem falar em torneios, resultados, patrocínios…”, enumera a psicóloga Thabata Castelo Branco Telles, presidente da Associação Brasileira de Psicologia do Esporte (Abrapesp). “Cada atleta lida de um jeito. Uns são mais brincalhões e levam numa boa. Outros, porém, sofrem bastante”.

Pequena notável

Simone Arianne Biles nasceu em Columbus, no estado de Ohio, mas foi criada em Springs, no Texas. Sua mãe biológica, Shanon, sofria de dependência química e, como não tinha condições de criar os quatro filhos, eles foram levados para lares provisórios.

Passado algum tempo, Simone e Adria, as irmãs mais novas, foram adotadas por Ronald, o avô materno, e sua segunda mulher, Nellie, e Ashley e Tevin, os mais velhos, foram morar com uma tia. Na infância, os quatro chegaram a passar fome.

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Ao longo da carreira, Simone Biles passou por outros apuros. Em janeiro de 2018, ela veio a público prestar solidariedade às ginastas que denunciaram os abusos sexuais sofridos por Larry Nassar e declarar que ela também fora vítima do ex-médico da delegação americana de ginástica.

Em abril de 2020, quando o Comitê Olímpico Internacional confirmou oficialmente o adiamento dos Jogos de Tóquio por causa da pandemia, Simone caiu no choro. Sabia que teria pela frente mais um ano de treinamento puxado.

Algum tempo depois, já refeita do susto, resolveu curtir a vida: comprou uma casa nova, trocou de namorado, adotou um buldogue francês. Uma semana antes de embarcar para Tóquio, foi entrevistada pelo jornal The New York Times. Ao ser indagada sobre qual teria sido o momento mais feliz de sua carreira, respondeu: “O meu tempo livre”.

Nos Jogos de Tóquio, Simone encerrou sua participação com mais duas medalhas no currículo: prata, na geral por equipes, e bronze, na trave. 

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“Para alguns atletas, o peso das expectativas, tanto externas quanto internas, é quase insuportável”, observa João Ricardo Cozac, doutor pelo Laboratório de Psicossociologia do Esporte da Universidade de São Paulo (USP) e pós-doutorando em Psicologia Clínica pela Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP). “A atitude corajosa da Simone Biles precisa ser respeitada. Não é um sinal amarelo, é um sinal vermelho. O esporte de alto rendimento está longe de ser um lugar emocional e psicologicamente saudável. Se o atleta não tiver apoio ou estrutura, poderá sofrer graves prejuízos”.

“Tudo bem não se sentir bem”

Simone Biles não é um caso isolado. Outros esportistas de alto rendimento, como a tenista japonesa Naomi Osaka e o nadador americano Michael Phelps, já declararam sofrer de ansiedade e depressão.

Em maio, Naomi Osaka, que acendeu a pira na cerimônia de abertura dos Jogos de Tóquio, anunciou que abandonaria o torneio de Roland Garros, na França. Participar de coletivas de imprensa depois dos jogos, explicou, é tão estressante que põe em risco sua saúde mental. Vencedora de quatro títulos de Grand Slam, Naomi Osaka é, aos 23 anos, a tenista número 2 do ranking e a atleta mais bem paga da atualidade. “Tudo bem não se sentir bem”, relatou para a revista Time.

Outro atleta que, volta e meia, sofre com episódios de depressão é o nadador Michael Phelps, de 36 anos. Maior medalhista olímpico de todos os tempos – com 23 ouros, duas pratas e três bronzes –, o americano admitiu que, pouco depois dos Jogos de Londres 2012, chegou a pensar em suicídio.

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+ Teste: você está com depressão?

“Não foi fácil admitir que eu não era perfeito. Mas fazer isso tirou um peso enorme das minhas costas”, declarou ao canal de TV ESPN em maio de 2020. “As pessoas que vivem com problemas de saúde mental sabem disso: eles nunca desaparecem. Você tem dias bons e dias ruins. Mas não há uma linha de chegada”.

“O atleta é um ser humano como outro qualquer. A única diferença é que ele tem habilidades físicas fora do normal”, explica a psicóloga Katia Rubio, coordenadora do Grupo de Estudos Olímpicos (GEO) da USP. “Essas habilidades levam o torcedor a acreditar que os atletas não têm problemas, não sentem dores, são infalíveis. Como qualquer outra pessoa, atletas têm o direito de dizer que não estão se sentindo bem mesmo que seja no momento mais importante de suas carreiras”.

E o que nós, meros mortais em matéria de esporte olímpico, temos a aprender com superatletas como Biles, Osaka e Phelps? “Todos nós, em diferentes níveis, sofremos cobranças. Não temos o nível de exigência deles, mas também somos cobrados por um bom desempenho, como se aquele ato fosse o último de nossas vidas. A condição do ser humano é ser imperfeito. Temos que aprender a lidar com nossas imperfeições”, responde Katia.

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