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Barulhos do corpo: o que eles significam para a saúde

Uma verdadeira orquestra se apresenta todos os dias dentro de você. Saiba quais ruídos são inofensivos e por que alguns merecem ser ouvidos pelo médico

Por Chloé Pinheiro
Atualizado em 25 fev 2019, 10h30 - Publicado em 25 fev 2019, 10h30
corpo humano barulhos
Alguns sons emitidos pelo corpo humano indicam problemas de saúde (Ilustração: Daniel Almeida/SAÚDE é Vital)
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O cientista inglês Robert Hooke (1635-1703) registrou em livro que escutar os sons internos era uma maneira de saber se o organismo estava funcionando conforme o esperado. Hooke, especialista em acústica, acreditava que os conceitos de harmonia e dissonância utilizados na música também se aplicavam à medicina e a diversas outras áreas. Para ele, o fato de um processo fisiológico ser audível significava que algo poderia estar errado, como um instrumento fora do tempo que se destaca dos demais em um concerto.

A análise faz sentido, mas também não é para levá-la ao pé da letra. “Alguns barulhos são normais e esperados, como as flatulências, para citar um exemplo”, comenta a clínica geral Alessandra Rodrigues Fiuza, da BP — A Beneficência Portuguesa, em São Paulo.

E, apesar de o volume alto causar constrangimento, não é ele que denuncia se o organismo está em desalinho. “O que diz se um som deve preocupar é a frequência com que ocorre e se existem incômodos associados a ele”, completa a médica.

Outras notas, contudo, devem chamar a atenção assim que forem executadas. Nos tópicos a seguir, a gente explica como a banda (ou melhor, seu corpo) toca — e quando há indícios de que o show está desafinando.

1) Trovoadas na barriga

O ronco que vem do abdômen é um clássico exemplo de ruído natural. Quando chega a hora de comer, o cérebro, apressadinho, já dispara comandos relacionados à digestão. Entre eles está a peristalse, isto é, a contração involuntária dos músculos do aparelho digestivo — sua função é empurrar a comida goela abaixo.

Isso ocorre várias vezes ao dia, mas aparece de forma mais clara quando estamos famintos. É que, nesse momento, o caminho é ocupado principalmente por líquidos e bolhas de ar, sem alimentos para abafar o eco do reflexo gastrointestinal.

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Curiosamente, pessoas magras são as que soltam mais grunhidos, já que a gordura do corpo funciona como isolamento acústico.

Nas profundezas do intestino

Cientistas australianos desenvolveram uma cinta capaz de flagrar a doença inflamatória intestinal (DII). A condição altera as contrações do intestino e a quantidade de gases e líquidos presentes ali. Assim, a música muda: com o dispositivo, o grupo identificou 26 sons que caracterizariam o transtorno. Muitos são imperceptíveis aos nossos ouvidos.

2) Gases à solta

A flatulência, ou simplesmente “pum”, é o sopro mais infame da nossa banda interior. Ela é resultado da eliminação de ar ingerido junto com a comida e também de gases produzidos no intestino a partir da fermentação de açúcares feita pelas bactérias que habitam o órgão.

O corpo humano saudável elimina, em média, 20 deles por dia — inclusive enquanto dormimos. Para nossa sorte, nem todos são audíveis.

Certas condições, contudo, reduzem a velocidade do intestino e promovem acúmulo de gases e desconforto. É o caso da doença inflamatória intestinal, intolerâncias alimentares e desequilíbrios na microbiota.

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Opa, fedeu!

Apesar de impactantes, cheiros mais intensos não apontam doenças. Gases fétidos são, na verdade, consequência da composição da microbiota e da fermentação de certos alimentos, como feijão, ovo, carnes, leite e tantos outros.

3) Com a boca no trombone

Para nós, é arroto, mas a ciência tem um nome mais bonito: eructação. A história do seu aparecimento é similar à do flato — só que a eliminação é por cima.

Tudo começa ao engolirmos ar, movimento chamado de aerofagia, mais comum nos ansiosos. Esse ar chega ao estômago, que se distende e o envia de volta pelo esôfago. A mistura com os gases concentrados por ali dá o cheiro característico dessa reação, que pode retumbar no ambiente. Mastigar rápido, falar durante as refeições e tomar bebidas gaseificadas são hábitos que patrocinam o processo.

Há ainda o pseudoarroto, que libera gases expelidos pelo estômago. Esse dá as caras eventualmente, mas, se é constante e acompanhado de queimação, dor e regurgitação — quando um pouco da comida volta à boca —, vira sinal de alerta. Pode ser refluxo, gastrite ou outro perrengue. Melhor investigar.

Arrotinho de bebê

Ele é resultado da entrada de ar junto com o leite no sistema digestivo durante a amamentação. Estimular o bebê a arrotar elimina parte dos gases que iriam para o intestino — portanto, o ato até facilita a digestão. Mas isso não é regra: algumas crianças não arrotam, e tudo bem.

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Um pouco de leite pode voltar com o ar por causa da imaturidade do sistema digestivo. Assim, o ideal é que o pequeno fique com o corpo inclinado para cima depois da mamada. Desconfie de algo mais sério se ele perder peso ou apresentar chiado no peito.

4) Pulmões em fúria

A tosse se manifesta toda vez que o organismo precisa eliminar algo estranho do aparelho respiratório. Seja resto de alimento, secreção do nariz na garganta ou catarro, o mecanismo é o mesmo: os pulmões se enchem de ar, e a glote, espécie de válvula que tampa a garganta, se fecha para criar um efeito de compressão.

Depois, o ar é liberado de uma tacada só. O golpe, pasme, alcança até 90 km/h — tape a boca para a rajada não atingir o colega.

Essa expiração pra lá de brusca merece avaliação se durar mais de 15 dias, surgir várias vezes ao dia e incomodar. Aliás, a frequência importa mais do que a tosse ser seca ou com secreção.

5) Soprinho no peito

O chiado, aquele som que lembra um rádio sem sinal, é fruto de broncoespasmos. Na prática, falamos de contrações fora do ritmo da musculatura dos brônquios, tubos que comandam a entrada e a saída de ar dos pulmões. Elas indicam que a respiração está difícil e há um atraso no esvaziamento do órgão.

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O sibilo, nome técnico do barulho, deve ser avaliado por um médico sempre, pois tem relação com infecções que levam ao acúmulo de muco nos pulmões e a quadros alérgicos desencadeadores de bronquite — inflamação que restringe a circulação de ar.

Exposição à poluição, mudanças repentinas de temperatura, produtos químicos e até pó provocam a encrenca. Alguns quadros respiratórios mais sérios, como asma e doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), também estão por trás do assobio. Fique de olho, especialmente se for fumante.

Não abafe o som com a peneira

Muitas pessoas encaram tosse, pigarro e chiado como eventos sem importância. Assim, apostam em soluções caseiras que aliviam o inconveniente: mel, limão, chazinhos… Essas medidas até têm serventia quando se trata de um resfriado leve. Mas só aí. É que elas podem mascarar outros problemas para os quais há poucos sintomas.

Tanto que, neste ano, a Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia lançou a campanha “Escute Seu Pulmão”, de olho no diagnóstico precoce de condições como a DPOC. Portanto, não invista em nenhum método (por mais inofensivo que pareça) antes de descobrir os motivos por trás da tosse persistente ou incômoda e do chiado vindo dos pulmões.

6) Soluço

O barulho que não nos deixa terminar uma frase é a consequência de uma contração súbita do diafragma, músculo que controla a respiração localizado entre os pulmões e o estômago. Ele tem várias justificativas, como tomar um líquido gelado ou quente demais e dar aquela exagerada à mesa. Nesse segundo cenário, o estômago dilata e faz pressão sobre o músculo.

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Outra situação mais rara é o estímulo exagerado dos nervos que comandam o diafragma. Isso pode ocorrer devido a distúrbios do sistema nervoso, tumores e derrame, além de desbalanços químicos que interferem na musculatura, como a falta de potássio.

Mas relaxe: para que o soluço seja algo perigoso, é preciso que a crise persista. Tomar água ou prender a respiração podem aliviar o “hic, hic”. E, mesmo que o soluço seja crônico, é possível silenciá-lo com remédios específicos ou até um marca-passo local.

7) Juntas que rangem

Estalar os ombros durante uma espreguiçada é quase sempre inofensivo: o som reverbera quando os tendões deslizam sobre uma protuberância óssea. Já o estalido constante recebe o nome de crepitação e é caracterizado pelo atrito entre a cartilagem e o osso — algo provocado por irregularidades nos tecidos ou diminuição no líquido que lubrifica a articulação.

Nesse contexto, o estampido pode representar um prelúdio de desgastes vinculados a doenças como artrose, capaz de dificultar a movimentação. Converse com um especialista se o ruído vier seguido de inchaço, dor e sensação de calor no local.

Estalada voluntária

Diferentemente do que diz a sabedoria popular sobre “engrossar” as articulações, estalar os dedos espontaneamente não traz nenhum malefício imediato. A não ser que o ato vire um vício desmedido: aí há risco de incitar um processo inflamatório no local.

8) Zum-zum no ouvido

Está aí um barulho que só o afetado escuta, mas que definitivamente não deve ser ignorado. Em 90% dos casos, ele indica perda auditiva. Com uma parte do ouvido inativa, as outras trabalham em dobro para dar conta da audição. É daí que irrompe o zumbido.

Coisas mais simples, como um entupimento de cera ou a exposição a volumes altos por curto período de tempo, também geram a irregularidade. Na verdade, existem mais de 200 causas por trás do zumbido. Entre as mais comuns, dá para citar diabetes, hipertensão e distúrbios da tireoide.

Como nem sempre o problema é reversível, certas pessoas precisam aprender a conviver com a chatice — técnicas que mascaram o som e aparelhos auditivos são bem-vindos.

9) Sinfonia noturna

O ronco ecoa quando há um estreitamento da passagem de ar nas vias aéreas. Se estamos muito cansados ou bebemos doses extras de álcool, os músculos do pescoço relaxam demais e pressionam a garganta, fabricando um ronco pontual, que geralmente é tranquilo — embora infernal para o companheiro.

A preocupação vem quando o espetáculo é encenado toda santa noite. É que frequentemente há uma apneia do sono envolvida. Tal condição provoca microdespertares e interrupções perigosas na respiração — e é fator de risco para doenças cardiovasculares.

Ainda que ela não esteja instalada, o ideal é investigar roncos insistentes. Isso porque o esforço recorrente para fazer circular o ar já altera a pressão arterial e os batimentos do coração de maneira danosa. Sem falar que abre caminho para a apneia chegar para ficar.

Guerra dos sexos

Eles têm fama de roncar mais — e há certa verdade nisso. Até a menopausa, a mulher possui uma proteção natural no tônus dos músculos por causa do hormônio estrogênio. Assim, a garganta delas mantém sustentação por mais tempo. Mas os especialistas alertam: depois dos 50 anos, a fraqueza muscular dá as caras e a incidência da ressonada noturna é praticamente igual entre os sexos.

A boa notícia é que, com medidas preventivas, dá para garantir o silêncio no quarto. Praticar atividade física e manter uma alimentação equilibrada são as principais estratégias, pois ajudam a evitar e combater o excesso de peso, um dos principais fatores de risco para a apneia.

10) Dentes em atrito

Apertá-los demais durante a noite pode ser indicativo de bruxismo. O quadro se apresenta de duas formas: a rangida de um lado para o outro e o apertamento do maxilar. Em ambas, o sistema nervoso manda os músculos da região se contraírem.

A causa disso não está totalmente estabelecida, mas se sabe que ansiosos são alvos mais frequentes. Ter a mordida cruzada também pode travar a boca à noite. Há ainda gente que vê a mandíbula apertar involuntariamente de dia e crianças que têm episódios de bruxismo durante períodos de maior agitação.

O som tem que baixar

Quem ouve os rangidos dos dentes de noite costuma ser o parceiro. Mas o efeito deles em quem os produz é bem pior do que os ecos. A arcada dentária fica desgastada e há risco de inflamações na gengiva e cansaço durante a fala e a mastigação.

Além disso, o problema mexe com a qualidade do sono. Fora as dores de cabeça, pescoço, ombros e até mesmo coluna. Converse com seu dentista ou procure um profissional se você ou o cônjuge suspeitarem do bruxismo.

Fontes: Ricardo Barbuti, gastroenterologista do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, em São Paulo; Mary Webberley, bióloga e pesquisadora da Universidade da Austrália Ocidental; Fernando Lundgren, pneumologista e presidente da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia; Frederico Polito Lomar, clínico geral da Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein, em São Paulo; Moisés Cohen, ortopedista e diretor do Instituto Cohen de Ortopedia, Reabilitação e Medicina do Esporte, em São Paulo; Fausto Nakandakari, otorrinolaringologista do Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo; Luciane Kraul, odontologista especialista em disfunção temporomandibular pela Universidade de São Paulo; Denise Abranches, odontologista da Universidade Federal de São Paulo e coordenadora do Serviço de Odontologia do Hospital São Paulo e Marcia Pradella Hallinan, neurologista e especialista em sono do Instituto do Sono, na capital paulista.

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