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A invasão dos congelados

Eles ganharam os lares na pandemia. Graças à tecnologia, a comida que fica no freezer agora pode ser mais saborosa e nutritiva

Por Regina Célia Pereira
15 jan 2021, 14h25
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  • Foi em uma viagem ao norte do Canadá que o inventor americano Clarence Frank Birdseye (1886-1956) teve uma grande inspiração. Ele observou, nas pescarias indígenas, que os peixes retirados da água congelavam rapidamente ao entrar em contato com o ar. E, ao degelar tempos depois, mantinham sabor e textura. Ao retornar da expedição, Birdseye desenvolveu sistemas de resfriamento e passou a produzir comida congelada. Isso em 1924. Historiadores contam que a empresa só começou a fazer sucesso na Segunda Guerra Mundial, período em que as mulheres saíam para trabalhar enquanto os maridos estavam na batalha. O cotidiano pedia praticidade.

    Hoje, com a pandemia de Covid-19, a mesma agilidade é requisitada e, outra vez, os congelados abocanham espaço no dia a dia das famílias. Agora, entretanto, servem justamente para quem está confinado no lar, em home office, e participando de reuniões, ajudando na lição do filho, espanando os móveis, tentando fazer alguns minutos de esteira… “Amo cozinhar, mas é impossível ir para o fogão sempre”, conta a nutricionista Cynthia Antonaccio, da consultoria Equilibrium Latam. Vira e mexe ela recorre a alguns pratos guardados no freezer para incrementar as refeições.

    A pesquisa Tendências em Alimentação Saudável: Incluindo Impacto da Covid-19 – Brasil, feita pela Mintel com 1 500 pessoas, revela que 16% consumiram comida pronta, inclusive a congelada, em algum momento da quarentena. E, se no passado as opções se limitavam a receitas de aparência pouco apetitosa, cheias de sódio, gordura e uma porção de aditivos, atualmente há variedade para atender os mais exigentes.

    A começar pelas versões diferenciadas de grandes marcas encontradas em supermercados. “Vale quebrar o preconceito, já que existem produtos com uma melhor qualidade nutricional”, sugere Cynthia. Uma espiada cuidadosa na embalagem e a checagem do rótulo auxiliam nas escolhas. Observa-se ainda a crescente oferta das chamadas “marmitas” de produtores menores e que trazem receitas com um toque mais caseiro. Costumam entregar em domicílio e salvam o dia.

    Cynthia, que é estudiosa de comportamentos alimentares, diz que o movimento reflete algumas tendências. “Ele alia o desejo por ingredientes mais naturais e a procura pelo que é prático e se encaixa na rotina”, analisa. Tanto melhor quando os cardápios desfilam aromas e texturas. “É essencial que o produtor conheça os alimentos e domine técnicas culinárias para garantir comida congelada nutritiva e deliciosa”, salienta a nutricionista Maria Cecília Corsi, criadora da LivLight, na capital paulista.

    Claro que uma forcinha das novas tecnologias conta pontos. Uma das técnicas mais eficazes atende pelo nome de ultracongelamento e permite o resfriamento rápido da comida. “Utiliza-se um tipo de câmara frigorífica mais potente que a convencional”, explica o engenheiro de alimentos Douglas Fernandes Barbin, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Assim, as características do alimento tendem a ser preservadas, o que resulta em uma refeição cheia de sabor.

    “O congelamento é uma das mais eficazes maneiras de preservar a comida”, ressalta Barbin. Atualmente, correntes de ar frio, líquidos resfriados e gases liquefeitos, caso do nitrogênio, são empregados para essa finalidade. Durante o processo, são minimizadas as reações químicas e biológicas desencadeadas nos alimentos por micro-organismos e enzimas, entre outros. “Ocorre ainda a cristalização da água, o que também colabora para diminuir consideravelmente a deterioração da refeição”, explica o professor da Unicamp.

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    A velocidade dessa operação faz toda a diferença. Quanto mais tempo para congelar, maior o tamanho dos cristais formados. Acontece que essas partículas podem causar o rompimento das membranas celulares de vegetais e animais, provocando perda de água e de nutrientes na fase do descongelamento. Legumes, frutas e hortaliças murcham e as carnes perdem a suculência. Algumas vitaminas, como as do complexo B, costumam se esvair literalmente junto desses líquidos.

    Daí por que o já mencionado ultracongelamento desponta como o processo mais vantajoso. No equipamento, a temperatura despenca rapidamente: pode chegar a -40 °C em duas horas, enquanto um freezer comum leva até um dia para alcançar, em média, -18 °C. “São formados cristais minúsculos, diminuindo os danos à estrutura dos alimentos e, assim, assegurando qualidade sensorial e nutricional”, afirma o engenheiro de produção Victor Santos, CEO e fundador da Liv Up, empresa que atende vários locais do Brasil.

    Outro benefício atrelado a esse método tem relação com o aumento do prazo de validade da comida. Aliás, que fique claro: congelados não duram para sempre. Por isso mesmo é fundamental que todas as etapas de produção sigam rigorosas normas, essenciais para garantir a segurança. Isso serve para empresas grandes, pequenas e para a turma das “marmitas” caseiras. A manipulação dos ingredientes crus exige uma série de medidas sanitárias. O consumidor deve conhecer a procedência e se certificar de que todos os procedimentos de higiene são respeitados.

    No caso de empresas que entregam em domicílio, é primordial ainda o zelo com o transporte, que deve ser feito em embalagens adequadas e dentro de veículos refrigerados. “E não deixe a comida esquentando na portaria do prédio. Tem que buscar logo”, avisa a nutricionista Ana Beatriz Barrella, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Assim que receber, o melhor é acomodá-la imediatamente no freezer para evitar o degelo. Manter certa distância entre os recipientes promove a circulação do ar gelado e a eficácia da conservação. Outra sugestão de Ana Beatriz é tentar se organizar e planejar as refeições ao longo da semana. Até porque se indica que a comida congelada permaneça na parte de baixo da geladeira algum tempo antes de ser efetivamente preparada.

    Para todos os gostos

    Com a oferta e a demanda em alta, é o momento de aproveitar a variedade de fornecedores e, assim, experimentar novos ingredientes e temperos. Há opções para agradar os mais variados paladares, desde o do vegano até o do esportista, passando pela garotada. Diante da queixa comum de que muitas crianças recusam vegetais, a empresa paulistana PFzinho desenvolveu, por exemplo, versões diferenciadas, como a canja de galinha com inhame. Esse e outros truques vitaminados vieram da destreza culinária de dona Nair.

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    “Minha mãe cuidava das comidinhas da minha filha, Maria Flor, enquanto eu trabalhava e estudava”, conta Sabrina Maróstica, que largou a carreira de cineasta para entrar no ramo da alimentação, inspirada pela baita ajuda que recebeu da matriarca. “Chegava em casa tão cansada que queria chorar quando via uma cenoura”, brinca a empresária, que, além do esmero com os ingredientes, prioriza a praticidade, algo fundamental para os pais com múltiplas jornadas.

    Fora isso, não é todo mundo que domina as panelas e o fogão — principalmente quando falta tempo na agenda. Victor Santos conta que começou a pensar a Liv Up pela própria necessidade de se alimentar melhor em meio ao corre-corre cotidiano. “Também tenho observado que o consumidor quer produtos saudáveis e práticos, sem abrir mão do prazer de comer”, diz.

    A empresa mantém um canal direto com seus clientes. “Já reformulamos receitas e incluímos novos pratos para atender aos seus desejos”, revela a nutricionista Viviane Kim. Respeitar a sazonalidade de frutas e hortaliças, além das mudanças no clima, com inclusão de sopas na temporada mais fria, por exemplo, é parte das estratégias para garantir diversidade e alcançar vários perfis. Inclusive, com o confinamento da pandemia, muitos netos passaram a fazer compras para seus avós, daí a necessidade de adequar as receitas. Um recado aqui para todas as idades: quem apresenta restrições alimentares não pode bobear. “Leia sempre e atentamente os rótulos”, ensina a nutricionista Natália Barros, mestre em ciências pela Unifesp.

    Para garantir a qualidade da comida, todas as etapas do congelamento pedem prudência. O produtor deve fiscalizar a procedência e conhecer a origem dos ingredientes. Orgânicos sempre são bem-vindos, e muitas empresas fazem questão de exclusividade. Capricho com a higienização dos alimentos crus é ponto primordial. Afinal, submeter a comida a baixíssimas temperaturas não extermina completamente os micróbios, embora reduza sua atividade. É como se tudo ficasse parado no tempo. Logo, quanto mais limpo, melhor.

    Essa regra, inclusive, cabe para quem quer se aventurar a fazer congelados em casa. Outro macete é saber utilizar corretamente os temperos, tanto nas cozinhas industriais quanto nos lares. Por isso, um bocado de intimidade com as panelas torna-se fundamental para a empreitada. “Acertar na escolha das melhores ervas para cada receita, bem como na maneira de acrescentá-las, é uma das estratégias que conferem aromas e realçam o gosto do prato”, ensina a nutricionista e chef Maria Cecília Corsi, que está no ramo há mais de 15 anos.

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    Até mesmo o modo de incluir alho e cebola tem seus segredos — erros podem deixar um rastro rançoso e um odor desagradável. Vale cautela com outros condimentos para não interferir na delicadeza de certas preparações. A professora Roseli Candêo, culinarista e instrutora de gastronomia do Senac EAD, em Curitiba, pede moderação nas pitadas de sal e nas colheradas de açúcar. “O congelamento tende a acentuar o sabor”, justifica.

    Além disso, conhecer algumas técnicas de cozimento faz parte da fórmula do sucesso. “Para assegurar a crocância da cenoura, opte pelo preparo no forno; já a abobrinha pode compor recheios ou entrar na caponata”, propõe Maria Cecília. Entre os conselhos da nutricionista está o de acertar nas combinações. “Inclusive, é possível equilibrar o índice glicêmico da receita”, diz. Juntar arroz com vegetais fibrosos, como a couve ou a abóbora, é uma tática que ajuda a modular as taxas de açúcar no sangue e controlar a fome, por exemplo.

    Errar a mão ao cozinhar, deixando muito tempo no fogo, faz desandar os preparos. Lá se vão texturas e gostos, sem contar que tudo acaba desbotado e sem graça. “Antes do congelamento, massas devem estar no ponto al dente, ou ficarão muito moles ao degelar”, observa a professora Roseli. Mais um macete da mestra é adotar os recipientes apropriados e seguros. Ela não é muito fã de potes de vidro, porque já viu alguns estourarem devido ao choque térmico.

    Falando em embalagens, é importante que estejam bem preenchidas para não formar gelo nos espaços vazios. Quanto menos ar, melhor. Aliás, orienta-se usar sistemas a vácuo para evitar os famigerados cristais gelados. E tudo deve ser etiquetado, sinalizando as datas do processo. Ao se dedicar ao congelamento caseiro, adapte as porções para descongelar só o que for consumir.

    Eles não suportam o frio

    Alguns alimentos, como folhas delicadas, não se dão bem em baixas temperaturas — alface e escarola são desse time. Priorize consumi-las frescas, em saladas. O leite também sofre alterações quando vai ao freezer e, se congelado, fica melhor para ser incorporado em receitas. A batata pode ter a consistência modificada por concentrar amido, que gelatiniza. Até existem industrializados que trazem esse tubérculo pré-frito. “Mas atenção à quantidade de gordura dessas versões”, recomenda Natália.

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    O mesmo olhar de detetive cabe aos rótulos dos vegetais congelados vendidos em saquinhos, isto é, ervilha, milho, brócolis, couve-flor e seleta de legumes. Seja o congelado feito na sua cozinha, seja o do supermercado ou ainda os que chegam via delivery, todos têm vocação para virar bons aliados na correria. Basta reservar um tempinho para preparar e escolher bem.

    De olhos bem abertos

    Tanto nos congelados caseiros quanto nos industrializados, atenção a alguns detalhes: 

    Tempo determinado: As datas de produção e validade precisam estar estampadas em uma etiqueta. Afinal, comida congelada também tem prazo para ser consumida.

    Lista de ingredientes: Todos devem aparecer e seguir a ordem decrescente, ou seja, aqueles que estão em maior quantidade vêm antes. E quanto menos ingredientes, melhor.

    Teor de nutrientes: Muita cautela com os pratos prontos industrializados, que costumam carregar doses altas de sódio e gordura saturada, dupla perigosa à saúde.

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    Potenciais ameaças: Quem tem alguma restrição alimentar, caso de diabéticos, celíacos, alérgicos ou hipertensos, precisa conhecer os detalhes da formulação dos pratos.

    Acerte ao descongelar

    Alguns macetes garantem textura, sabor e aroma:

    Na geladeira: Ao retirar do freezer, o recomendável é que a comida descongele na parte de baixo do refrigerador. A sugestão é deixar lá de um dia para o outro.

    No micro-ondas: Traz praticidade, mas a textura pode mudar. Siga as dicas do fabricante e foco na embalagem: algumas não são próprias para esse aparelho.

    No forno: Embora seja conhecido por garantir crocância, esse eletrodoméstico pode deixar certas receitas ressecadas. De novo: veja o que o produtor informa.

    Em banho-maria: Nesse método, o produto é mergulhado em uma panela com água e vai ao fogo até ferver. Certifique-se de que a embalagem é adequada para isso.

    Direto na panela: A dica é levar a comida para uma frigideira grande, antiaderente, adicionar uma colher de sopa de água e tampar. Aí o degelo se dá pelo vapor.

    Mundo de embalagens

    Elas blindam a comida e preservam a temperatura:

    Alumínio: O material segura bem o frio, mas geralmente não é apropriado para ser esquentado no micro-ondas.

    Papel: Uma versão bem ecológica, é revestida de camadas que conservam a temperatura.

    Saquinhos: Feitos de um tipo de plástico, o polietileno, podem ir para o banho- -maria e o micro- -ondas numa boa.

    Plástica: Popular nas “marmitas”, tende a ser fechada hermeticamente, garantindo a segurança.

    Degelou… e contaminou

    O aviso costuma aparecer nas embalagens: após o descongelamento, o produto não deve retornar ao freezer. A indústria e mesmo os pequenos produtores fazem questão de trazer o alerta por questões de segurança, já que a comida degelada corre o risco de se contaminar. Como já foi dito, o congelamento freia a deterioração porque reduz a atividade dos micro-organismos e de enzimas.

    Mas, conforme o termômetro sobe, os germes podem encontrar condições para proliferar. Sem contar que o degelar contribui para perdas de nutrientes, pois facilita o vazamento de vitaminas, como as do complexo B, e sais minerais. Para completar, interfere na textura, no sabor e na cor.

    Ingredientes à mão

    Que tal congelá-los e agilizar o preparo das refeições?

    Ervas: Lave bem, pique e seque. Coloque em saquinhos herméticos e use para incrementar os pratos.

    Molho de tomate: Sobrou do macarrão? Bote em forminhas de gelo. Os cubos congelados podem ir direto ao fogão.

    Frutas: Banana picada ou frutas vermelhas congeladas ficam perfeitas em smoothies.

    Folhas: Congelar a couve batida no liquidificador com água é medida prática para o preparo de sucos.

    Feijão: Faça uma porção farta e distribua em potinhos. Descongele ao longo da semana na panela.

    O branqueamento

    Aposte nessa técnica para assegurar a cor e os nutrientes dos vegetais congelados

    A escolha: O método não é considerado bacana para hortaliças e frutas ricas em água. Exclua, portanto, alface, tomate, escarola, entre outros.

    A higienização: Lave os vegetais em água corrente e, em seguida, deixe-os em imersão em uma solução de hipoclorito de sódio próprio para alimentos.

    Tá quente: Mergulhe os vegetais na panela com água fervente. Espere até levantar fervura novamente. Mantenha os alimentos ali por até três minutos.

    Tá frio: Retire os ingredientes da panela e coloque-os imediatamente em uma tigela cheia de água gelada e pedras de gelo. Seque bem e, só aí, leve ao freezer.

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