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Solidão faz mal à saúde?

Estar no seu canto, por livre e espontânea vontade, pode ser prazeroso e necessário. Já não ter com quem contar na vida costuma abalar mesmo o bem-estar

Por André Bernardo
Atualizado em 27 mar 2019, 13h50 - Publicado em 23 mar 2019, 10h30
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  • O que é, o que é? Tem sintoma, mas não é doença. Faz mal à saúde, mas não é excesso de peso. Pode até matar, mas não é tabagismo. Acertou quem disse: solidão.

    Parece brincadeira, mas o assunto foi alçado a problema de saúde pública. A primeira-ministra britânica, Theresa May, criou um ministério só para cuidar do mal que ela define como “a triste realidade da vida moderna”.

    Na terra da rainha, o isolamento social involuntário atinge 9 milhões de cidadãos, algo em torno de 15% da população. Desses, um em cada três, na casa dos 75 anos, afirma que o sentimento de não ter com quem contar está fora de controle.

    Nesse contexto, a ONG inglesa Campanha para Acabar com a Solidão, fundada em 2011, lançou um vídeo com a seguinte pergunta: “Você conseguiria passar uma semana sem falar com ninguém?” Em uma de suas enquetes, apurou que 52% dos entrevistados gostariam de ter com quem conversar, 51% sentiam falta de ouvir risadas de alguém e 46% se queixavam de não receber um abraço.

    “Todos nós, governo e sociedade, temos uma missão a cumprir. De nossa parte, criamos o movimento “Seja Mais Nós”, que encoraja pequenas conexões diárias, como cumprimentar desconhecidos na rua, convidar os vizinhos para um chá ou telefonar para algum solitário em potencial. Dez minutos de bate-papo fazem a diferença”, conta Laura Alcock-Ferguson, diretora da entidade.

    O fantasma da solidão não tira o sono apenas dos britânicos. Estimativas apontam que uma em cada quatro pessoas no mundo não tem amigos pra valer, vive longe da família ou se sente desconectada socialmente.

    A psicóloga Julianne Holt-Lunstad, da Universidade Brigham Young, nos Estados Unidos, revisou estudos englobando, ao todo, 3,7 milhões de voluntários, e chegou a uma conclusão alarmante: sentir-se sozinho faz tão mal à saúde como estar acima do peso, ser sedentário ou fumar 15 cigarros por dia! “Se medidas não forem tomadas, a solidão poderá atingir proporções epidêmicas até 2030”, prevê.

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    O brasileiro é solitário?

    Mas e o Brasil? Somos um povo solitário ou sociável? Levantamento da Universidade de Chicago, nos Estados Unidos, revela que lideramos o ranking dos países em que as pessoas menos vivem sozinhas. Bom, né? Nem tanto.

    A Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia perguntou a 2 mil pessoas acima dos 55 anos qual o pior medo que sentiam. Três em cada dez não tiveram dúvidas em responder que é “acabar sozinho”. O receio de não conseguir enxergar ou se locomover ficou em segundo lugar, e o de ter uma doença grave em terceiro.

    “Por definição, solidão corresponde à diferença entre o que você espera de um relacionamento e o que ele tem a oferecer. Por esse motivo, muitos relatam se sentir solitários mesmo vivendo em uma casa cheia de gente”, explica a neurocientista Stephanie Cacioppo, da Universidade de Chicago.

    Por essas e outras, será que a criação de um Ministério da Solidão, parecido com aquele do Reino Unido, teria serventia por aqui? Na opinião da psicóloga Cecília Carmona, da Universidade Federal do Triângulo Mineiro, sim. Autora do estudo A Experiência de Solidão e a Rede de Apoio Social de Idosos, ela acredita que uma pasta ou uma estrutura para tratar exclusivamente do assunto seria essencial à implantação de políticas públicas eficientes.

    “Estar só e sentir solidão são coisas diferentes. Estar só remete à ideia de prazer, relaxamento e satisfação. Já solidão é sinônimo de abandono, tristeza e desamparo. Sem o enfrentamento necessário, a solidão pode evoluir para a depressão e, em casos mais severos, levar ao suicídio“, alerta Cecília.

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    Darwin também explica

    Em 1967, quando compôs os versos de Wave, Tom Jobim (1927-1994) postulou: “É impossível ser feliz sozinho!” O psicólogo John T. Cacioppo, também de Chicago, vai além: “É impossível sobreviver sozinho”.

    Se você está lendo SAÚDE, é porque nossos ancestrais – lá atrás, ainda na era das cavernas – se sentiram sós. Sem vínculo social, a espécie humana já teria desaparecido há muito tempo.

    “A dor física protege o indivíduo dos perigos físicos. A dor social, também conhecida como solidão, protegia o indivíduo de permanecer isolado”, escreve Cacioppo em Solidão – A Natureza Humana e a Necessidade de Vínculo Social (Editora Record). “Os primeiros humanos tinham mais chance de sobreviver quando se mantinham juntos.”

    Com a evolução da espécie, a solidão tornou-se um fenômeno histórico. Condição incompreendida e estigmatizada, é vista com desconfiança por uns e utilizada como punição por outros.

    “Na escola, as crianças birrentas são mandadas para a biblioteca. No casamento, uma praga comum em momentos de ódio é: ‘Você vai morrer sozinho!’ No sistema carcerário, o pior castigo que existe é a solitária”, dá exemplos o historiador Leandro Karnal, que acaba de lançar [amazon_textlink asin=’8542214366′ text=’O Dilema do Porco Espinho – Como Encarar a Solidão‘ template=’ProductLink’ store=’v0858-20′ marketplace=’BR’ link_id=’3c475415-6c59-480c-bd75-ff526dd178a2′] (Editora Planeta).

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    Do ponto de vista médico, solidão não é doença. Mas possui sintomas – choro frequente, perda de apetite, baixa autoestima… – e pode ser classificada como crônica ou aguda. Todos nós, em algum momento, estamos sujeitos a “picos de solidão”.

    Na infância ou na adolescência, quando mudamos de cidade ou de escola. Na vida adulta, quando perdemos o emprego ou os filhos saem de casa. Na velhice, quando nos aposentamos ou ficamos viúvos.

    Existem evidências, aliás, de que, quanto mais jovem é a pessoa, mais solitária ela se sente. A geração americana de 18 a 22 anos apresentou, em uma pesquisa da Universidade da Califórnia, o maior índice de solidão, no comparativo com as turmas de 23 a 37 e de 52 a 71 anos. Em uma investigação inglesa, a faixa dos 16 aos 24 também compõe a dos mais sozinhos.

    “Na maioria das vezes, episódios de solidão, quando você muda de bairro e precisa fazer novos amigos, por exemplo, são inevitáveis e não trazem sequelas. O problema é quando essa sensação persiste”, analisa a psicóloga Pamela Qualter, da Universidade de Manchester, na Inglaterra.

    Um bom exemplo de solidão aguda que pode se tornar crônica é a do luto. Superar a perda de um ente querido nunca é fácil. Mas a tarefa de seguir adiante pode se tornar ainda mais difícil em casos de mortes repentinas, violentas, múltiplas ou de filhos.

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    Nesses casos, sentir raiva, culpa ou tristeza é perfeitamente normal. O que precisa ser observado é se tais sintomas perduram por muito tempo ou impedem o enlutado de retomar sua vida”, esclarece a psicóloga Ingrid Esslinger, do Laboratório de Estudos sobre a Morte da Universidade de São Paulo. “Há pessoas que, mesmo depois de anos, ainda se emocionam ao falar da perda que sofreram ou não conseguem se desfazer dos pertences do morto.” Quando isso acontece, pode ser bem-vinda uma sessão com o psicólogo.

    Caso suspeite que a solidão já passou dos limites no seu caso, você pode fazer um teste aprovado pela ciência para saber qual seu grau de isolamento e se é preciso buscar ajuda.

    Solidão e saúde

    Nos últimos anos, cientistas vêm esmiuçando os possíveis efeitos fisiológicos da solidão. Uma das descobertas é que seu impacto é semelhante ao do estresse.

    Em estado de tensão constante, você tende a relaxar menos e a dormir mal. No organismo, o cortisol, apelidado de hormônio do estresse, vai às alturas. Tá, mas o que isso significa na prática? Ora, uma maior exposição a problemas de saúde.

    Na Universidade de Newcastle, também em solo inglês, uma equipe detectou que a alta do cortisol eleva o risco de doenças cardiovasculares e, por sabotar a imunidade, nos deixa mais propensos a gripes, resfriados e outras infecções. Num balanço geral, os pesquisadores de Chicago chegam a estimar um aumento de 26% na probabilidade de morte prematura entre quem vive sozinho demais.

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    Antes das repercussões físicas, porém, é provável que a desconexão social impacte a esfera mental. Indivíduos muito solitários estão no grupo que mais sofre de ansiedade, fobia e depressão.

    A solidão afeta uma área do cérebro, o córtex pré-frontal, responsável pela tomada de decisões. E isso ajuda a explicar por que sujeitos que se sentem isolados do mundo tendem a dormir menos, se alimentar mal, abusar do álcool e levar uma vida sedentária.

    Resumo das repercussões físicas da solidão pelo corpo

    No cérebro: a tensão e a tristeza aumentam os episódios de ansiedade e colocam o indivíduo mais próximo da depressão.

    No coração: a solidão profunda lembra um estresse crônico. A liberação de alguns hormônios mexe com a pressão e os batimentos.

    Na imunidade: existem indícios de que o estado criado pela solidão diminui a atuação do sistema imune, aumentando o risco de infecções.

    Como lidar com a solidão

    Por não se tratar de uma doença em si, não existe vacina ou remédio para a solidão. Existem, porém, medidas eficazes para minimizá-la e reduzir suas influências na saúde.

    Isso envolve desde tarefas simples, como fazer um favor a alguém, a atitudes que demandam mais tempo e atenção, como exercer trabalho voluntário. A prática de exercícios e a adoção de um animal também costumam dar bons resultados.

    Outro conselho é engajar-se, aos poucos, em atividades sociais, seja num clube de leitura, seja na academia do prédio. “A interação social tem que ser positiva para ambas as partes. Ao puxar assunto, priorize temas agradáveis. Falar sobre impostos ou doenças pode não ser uma boa ideia”, aconselha Stephanie Cacioppo.

    Na hora de fazer amigos, dê preferência aos de carne e osso. Um experimento da Universidade da Pensilvânia, nos Estados Unidos, indica que, em vez de resolver o problema, o uso excessivo de redes sociais pode até agravá-lo. A psicóloga Melissa Hunt chegou a tal conclusão após entrevistar 143 estudantes da instituição onde dá aula. Durante três semanas, parte dos voluntários limitou seu tempo de uso de Facebook e afins a dez minutos por dia. Enquanto isso, o restante da turma continuou a acessá-los à vontade.

    Terminado o experimento, adivinhe qual grupo se queixou mais de solidão. Sim, o que ficou livre e desimpedido para mergulhar nas mídias sociais.

    “Fazer amigos virtuais não é a melhor estratégia para enfrentar o isolamento. Sugiro sair da frente do computador e interagir com pessoas do mundo real”, recomenda Melissa. “Somos animais sociais e, como tal, precisamos nos conectar com outros para manter o bem-estar físico, mental e emocional”, defende a pesquisadora.

    Não é preciso forçar a barra nem acabar com os momentos a sós. Mas, se a solidão começar a bater, que tal convidar aquele amigo que você não vê há tempos para tomar um café?

    O lado bom de ficar sozinho

    Ao contrário da solidão, estar só costuma ter seu lado positivo. Em 1997, o escritor norueguês Jo Nesbo descobriu que o voo que o levaria de Oslo, na Noruega, onde mora, até Sydney, na Austrália, onde passaria as férias, levaria 32 horas.

    O que ele fez? Abriu seu laptop e começou a trabalhar ali mesmo. Seu primeiro livro nasceu a bordo de um avião. “Às vezes, é bom tirar férias do mundo e passar um tempo só com você mesmo”, afirma o psicólogo Gregory Feist, da Universidade Estadual de San Jose, nos Estados Unidos.

    Outra vantagem do que alguns chamam de “solitude”, como o historiador Leandro Karnal, é o recolhimento e a introspecção. “De vez em quando, estar só traz alívio contra o estresse”, reforça a psicóloga Julie Bowker, da americana Universidade de Buffalo.

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