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O “efeito família” na saúde física e mental

Não é só herança genética. A influência dos parentes passa até pelos almoços de domingo. E a ciência já está calculando esse impacto — para o bem e o mal

Por Theo Ruprecht
Atualizado em 21 fev 2019, 18h12 - Publicado em 5 fev 2016, 10h05
André Moscatelli
André Moscatelli (/)
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Desde o início da década de 1990, o Brasil possui um programa voltado à saúde da família. A estratégia envolve visitas domiciliares de uma equipe multidisciplinar e instruções para prevenir doenças e melhorar a qualidade de vida de todos os moradores da casa. Esse jeito de enxergar a saúde — não como atributo individual, mas como algo compartilhado entre pessoas próximas — faz todo o sentido quando deparamos com novos estudos que mensuram o efeito de pais, filhos, irmãos e parceiros no bem-estar físico e mental.

Em um levantamento com mais de 100 mil pessoas, conduzido por instituições americanas e chinesas, constatou-se uma mortalidade 46% maior entre mulheres que nunca casaram e 45% mais elevada em homens na mesma situação. Já uma pesquisa com a população dinamarquesa revela um risco adicional de sofrer um AVC entre viúvos (21%), divorciados (34%) e solteiros (16%). “A solidão pode estressar, e isso estimula processos inflamatórios envolvidos em problemas sérios”, aponta o clínico geral Paulo Olzon, da Universidade Federal de São Paulo.

Mas há mais por trás desse elo. No Instituto Karolinska, na Suécia, cientistas avaliaram 27 235 vítimas do melanoma, um tipo agressivo de câncer de pele. Descobriram que homens sozinhos têm uma probabilidade 43% maior de serem diagnosticados com esse tumor só em estágios avançados.

Conclusão: quem não convive com alguém íntimo perde a oportunidade de ter a pele inspecionada, o que ajuda a flagrar pintas suspeitas. “A família é o primeiro núcleo de proteção social”, diz o médico Nelson Ibañez, presidente da Associação Saúde da Família. Proteção que se apoia até em um olhar mais atento.

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A solidão molda uma porção de comportamentos, sobretudo o alimentar. Prova disso vem da Universidade de Tecnologia de Queensland, na Austrália, onde a nutricionista Katherine Hanna revisou 41 artigos científicos sobre o tema. No fim das contas, ela reparou que o fato de viver sozinho está associado a um menor consumo de frutas, verduras e peixes, além de promover um padrão nutricional desequilibrado.

“Há diversas razões possíveis para o achado. Elas incluem uma menor motivação para cozinhar, falta de suporte para seguir recomendações dietéticas balanceadas e dificuldade para comprar produtos frescos e consumi-los antes de estragarem”, enumera Katherine. Realmente, ir ao mercado ou à feira quase todo dia e, ao chegar ao conforto do lar, ainda preparar uma refeição (sem sequer ouvir um elogio depois) não é tarefa simples — mais fácil traçar a lasanha congelada do freezer.

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Agora, uma residência cheia não significa que a alimentação vá melhorar ou você irá adotar hábitos virtuosos. Às vezes, trocar alianças com alguém cheio de manias inclusive prejudica a qualidade do prato e da saúde. Que o diga um estudo da Universidade McGill, no Canadá, com nada menos do que 75 498 casais. Segundo ele, juntar os trapos com um portador de diabete tipo 2 faz subir em 26% o risco de desenvolver a doença. Mas como um problema não infeccioso passa de um indivíduo para o outro?

“Por meio de mudanças inadequadas no estilo de vida, que são estimuladas, consciente ou inconscientemente, pelo companheiro”, responde o endocrinologista Márcio Krakauer, coordenador do Departamento de Novas Terapias da Sociedade Brasileira de Diabetes. Vale lembrar que estamos falando de uma condição atrelada a excesso de peso, sedentarismo e ingestão excessiva de açúcar e gordura. E quem é que, ao ver o parceiro enchendo uma taça de sorvete, não se sente tentado a seguir o exemplo?

Mas calma! Não estamos, de maneira alguma, sugerindo que a solução é desmarcar casamentos com diabéticos do tipo 2 — como você verá mais pra frente, a discriminação e o estigma que cercam qualquer transtorno atrapalham demais o bem-estar da família inteira. A mensagem é ficar atento aos costumes da alma gêmea para que os deslizes dela não se transformem em vícios seus. Mais do que isso: você pode puxar mudanças positivas que servem de incentivo para o outro repensar sua própria rotina e se cuidar mais.

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Parece frase de livro de autoajuda? Pode até ser, mas ela está ancorada em uma análise da University College London, na Inglaterra. Com base em dados de 3 722 casais, os profissionais britânicos apuraram se os atos de abandonar o cigarro, começar a se exercitar e perder ao menos 5% do peso corporal contaminariam a cara-metade. Resultado: sim, sim e sim.

Mais curioso é que, em comparação com um sujeito que sempre se manteve na linha, outro que superou um mau hábito influenciou mais seu parceiro a fazer o mesmo. É aquela sensação de que, se ele consegue, eu também consigo. “Fora isso, um motiva o outro ao longo do processo”, ressalta a psicóloga e epidemiologista Sarah Jackson, que liderou a pesquisa.

Como dá pra perceber, ajustes favoráveis no cotidiano também são, digamos, contagiosos. Se isso é importante para a população em geral, ganha ainda mais valor nas famílias em que no mínimo um integrante já tem o diagnóstico de uma doença crônica. “O perfil dos problemas de saúde vem mudando no Brasil e no mundo. Doenças agudas, como infecções, estão cedendo cada vez mais lugar às crônicas, caso do diabete e da hipertensão”, contextualiza Ibañez. “Isso modifica a dinâmica da família”, completa.

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Ora, se boa parte das moléstias provocadas por parasitas surge e, após um curto período, ou é curada ou acaba com seu hospedeiro, as crônicas são aquelas que viram parte da vida. Logo, requerem ajustes para todo o sempre, tanto do paciente quanto de quem está perto dele. “De pouco adianta somente o diabético ou o hipertenso acertar a dieta. Sem adaptações na rotina dos familiares, eles provavelmente não vão aderir aos exercícios e a uma boa alimentação no longo prazo, o que é essencial para o tratamento”, atesta Olzon.

Não é que, a partir do diagnóstico, pai, mãe, irmão, avô ou primo estão proibidos de se deliciar com um bolo de chocolate ou curtir um domingo no sofá — nem quem tem o problema precisa de tamanha restrição. “Na verdade, só pedimos para as pessoas mais próximas comerem de forma balanceada e realizarem mais atividade física”, orienta Krakauer. “Acontece que o padrão atual de alimentação e prática esportiva está distante disso”, lamenta. Em resumo, o que não podemos é cobrar um estilo de vida saudável do dono do transtorno enquanto enfiamos o pé na jaca frequentemente.

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Entretanto, um bom suporte não se restringe a dar exemplos. “É vital conhecer a condição do familiar para ajudá-lo quando necessário. A educação é para todos”, ensina Krakauer. Vamos recorrer de novo ao diabete. Gente que permanece um tempão ao lado de alguém com a doença deve saber como agir em caso de hipoglicemia — só pra constar, nessas horas o diabético tem de ingerir uma bala, um suco ou água com açúcar para levantar a glicose no sangue e evitar desmaios ou consequências mais graves. É a lógica do “um cuida do outro”, mas que cobra conhecimentos adicionais.

André Moscatelli

Fortalecer os laços e conhecer melhor a família tem outro efeito colateral importante na saúde: desvendar o histórico de doenças mais comuns na sua árvore genealógica. Afinal, os genes que passam de geração em geração abrem as portas a alergias, colesterol alto, tumores e até alcoolismo.

“Cerca de 30% dos cânceres têm alguma herança genética associada. Não quer dizer que, nesses casos, os familiares do paciente terão a doença, mas a situação pede uma investigação aprofundada”, exemplifica o oncologista Bernardo Garicochea, do Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo. Se há indícios de que o DNA contribuiu para o surgimento do mal, talvez valha a pena examiná-lo a fundo e, caso alguma falha seja identificada, comunicar aos familiares para estender essa avaliação. Estar atento a essas influências e entender seu papel na saúde da família é mais do que zelar pelo bem-estar do seu lar. É uma tremenda prova de amor.

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