Happytalismo: “Precisamos ter um sistema com mais liberdade e felicidade”
O espanhol Luis Gallardo defende mudança de valores para garantir o bem-estar físico e psíquico da sociedade
O que determina a sua felicidade? Você pode até pensar que a resposta à pergunta é completamente subjetiva, mas estudiosos da mente humana já identificaram os principais fatores que influenciam a nossa satisfação.
Para o sociólogo espanhol Luis Gallardo, reconhecer esses mecanismos é essencial para alcançarmos uma sensação de plenitude e, a partir daí, transformarmos a sociedade inteira.
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Criador do conceito de happytalismo, o especialista propõe um novo sistema em que a felicidade e a liberdade sejam priorizadas em detrimento de metas, fortunas e aparências.
Atração do 6º Congresso Internacional de Felicidade, realizado em Curitiba (PR), Gallardo explica como podemos aplicar o happytalismo em nosso dia a dia.
VEJA SAÚDE: Após milênios discutindo o que é a felicidade, o que a psicologia positiva agrega sobre o tema?
Luis Gallardo: O mundo da psicologia positiva define a felicidade como a interligação de três aspectos: do prazer, do propósito e da utilidade. Ou seja, nos faz feliz algo que nos torna satisfeitos, nos dá um sentido e nos permite investir nossas energias e habilidades.
O que podemos fazer hoje, a partir desse entendimento, é empregar o método científico para identificar e criar ferramentas que permitam às pessoas alcançar esse estado.
Segundo pesquisas da área, o que é essencial à felicidade? Existe uma fórmula para ser feliz?
Há cinco fatores muito importantes para a nossa satisfação. Um aspecto determinante é ter uma base segura. Se não tivermos condições adequadas de moradia e alimentação, se não conseguirmos prover isso à nossa família, se não tivermos o mínimo que nos permita viver neste mundo, é muito difícil chegar a esse estado.
Além de termos acesso ao básico, é fundamental que nos sintamos apreciados, vistos ou reconhecidos. Isso é algo que mexe com todos nós — e pode definir o crescimento ou isolamento de alguém.
Em terceiro, é importante nos sentirmos satisfeitos e confortáveis com o que fazemos. O que nos leva ao quarto elemento: o propósito. Vemos significado no que fazemos? Isso nos motiva? Por último, o sentimento de pertencimento é indispensável.
Saber que não estamos sozinhos faz toda a diferença. Em paralelo, devemos também avaliar nosso interior e aprender a superar os traumas — procurando ajuda profissional também, quando for preciso.
É um desafio equilibrar esses fatores em um mundo desigual e automatizado, não?
Sim. Vivemos em uma era não linear, imediatista e impulsiva. As coisas acontecem e não percebemos o porquê. Isso gera muita ansiedade. E, por vivermos em um mundo que baseia o sucesso no acúmulo de capitais, acabamos perseguindo fama, poder, dinheiro — o que só gera competições, comparações e muito estresse.
Isso não traz felicidade.
O que propõe para confrontar essa realidade?
Devemos mudar a régua com a qual medimos o sucesso. Chega de fama, poder e dinheiro. A liberdade de viver sem medo é o que deveríamos almejar.
Por isso, introduzi o conceito de happytalismo, um regime que se contrapõe ao acúmulo de riquezas e à perspectiva individualista que domina o modelo capitalista. O happytalismo é um convite a ver um mundo melhor não como uma utopia, mas como um futuro que pode ser construído continuamente.
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Na sua visão, a sociedade está preparada para essa mudança?
Sim, ainda que limitada. Acredito que o ser humano nasce com a capacidade de ser feliz, mas vivemos em um sistema excludente e que cria expectativas muito altas para nós.
Quando temos grandes expectativas e não conseguimos alcançar os resultados, nos frustramos. Então, o que precisamos é ter um sistema com mais liberdade, mais consciência e mais felicidade.
É claro que isso não irá extinguir o sofrimento, que faz parte da vivência humana. Ainda viveremos lutos, divórcios, acidentes e decepções — mas poderemos gerenciar melhor nossas dores e traumas se vivermos em um sistema que potencializa o que há de bom.
Como podemos praticar o happytalismo no cotidiano?
O primeiro passo é perceber o que está acontecendo ao nosso redor. Podemos alcançar essa consciência por meio da contemplação, pois ela cria espaço para o silêncio, e no silêncio podemos encontrar muitas respostas.
Técnicas de meditação ou mindfulness são práticas que podem nos ajudar a atingir esse estado contemplativo. É um processo bastante reflexivo, mas é preciso também partir para a prática. Como criar comunidades para compartilhar suas reflexões e agir em prol do bem-estar comum.
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É necessário ter uma atitude de não violência perante as coisas e compreender a interdependência entre as espécies e o planeta. Respeitar a vida acima de tudo. Assim podemos construir um espaço de amor, perdão e gratidão — e isso nos dará muitas possibilidades de mudar tudo.
Quais são os desafios globais para essa proposta?
Os países precisam atuar para criar e garantir condições que nos ajudem a ter uma base econômica segura, que permita a todos nós ter acesso ao elementar para viver com dignidade.
Além de suprir essas demandas, é necessário que sejam adotadas políticas que reforcem o senso de comunidade e de inclusão. Focar no bem-estar da população envolve repensar e garantir educação, saúde e segurança pública também.