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Brasileiro sente piora na saúde mental, mas não faz terapia

Pesquisas relatam altos índices de ansiedade e depressão entre a população, mas pouca gente busca ou tem acesso a tratamentos especializados

Por Fabiana Schiavon
Atualizado em 21 dez 2021, 19h26 - Publicado em 21 dez 2021, 19h26
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  • Procurar o apoio individual e personalizado de um psicólogo é algo entendido como crucial para manter a saúde mental em dia. Mas, mesmo com a alta de casos de depressão, ansiedade, insônia e outros males durante a pandemia do coronavírus, esse recurso ainda é pouco utilizado pelo brasileiro.

    Um levantamento feito em setembro deste ano pela SulAmérica, em parceria com o Instituto FSB Pesquisa, aponta que a saúde mental é, hoje, a principal preocupação da população. Porém, apenas 10% das mais de mil pessoas ouvidas nessa enquete tiram proveito da terapia.

    Uma outra pesquisa realizada no mesmo período, dessa vez pela startup The Bakery, constatou um pequeno aumento no número de indivíduos que procuraram por esse serviço do ano passado para este – de 15% para 29%. Os mais de 500 respondentes ainda citaram a prática de exercícios (44%), meditação (16%) e uso de medicamentos (13%) como forma de alívio.

    A falta de acesso a profissionais por questões financeiras ou resistência a contar com um acompanhamento psicológico são alguns dos fatores que podem explicar esse comportamento.

    + LEIA TAMBÉM: Covid-19: quando o medo de sair de casa se torna preocupante?

    “O preocupante é ter um indicador de que 55% das pessoas sentiram piora da saúde emocional e a maioria não buscou ajuda. Ainda há o estigma de que fazer terapia é sinônimo de conviver com uma doença mental grave. As pessoas têm vergonha”, avalia Raquel Imbassahy, diretora de gestão de Saúde Populacional da SulAmérica.

    O suporte de grupos de amigos e familiares certamente nos fortalece em tempos sensíveis, mas não pode substituir o tratamento profissional e especializado, sobretudo se a vida passa a ser um desafio.

    “Quando a rede de apoio não é suficiente para lidar com o sofrimento, é essencial ir atrás de ajuda”, resume o psicanalista Daniel Kupermann, professor do Instituto de Psicologia da USP e presidente do Grupo Brasileiro de Pesquisas Sándor Ferenczi.

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    “Na maioria das vezes, é preciso ter assistência profissional para lidar com questões pontuais, como desemprego, luto e depressão, porque a pessoa se sente tão consumida por aquele sentimento que não consegue elaborar o que está acontecendo”, analisa.

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    Falta entendimento sobre o que é terapia

    A história da psicoterapia no Brasil vem de um lugar elitista, em que só grupos com alto poder aquisitivo teriam acesso a um tratamento tão personalizado, avalia Claudia Oshiro, especialista em terapia comportamental e cognitiva pela Universidade de São Paulo (USP).

    “Quando a pessoa tem a primeira sessão na rede pública, é preciso explicar para ela como será e o que é conversado ali, porque a maioria não faz ideia de como funciona”, relata Claudia.

    O psiquiatra Antônio Geraldo da Silva, presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP),  também acha que a baixa adesão se deve ao desconhecimento da sociedade sobre o assunto.

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    “Além disso, existe um estigma relacionado ao tratamento, pois muita gente considera que a psicoterapia é um tratamento para a ‘loucura’ ou, ainda, frescura. E isso nada mais é do que psicofobia, ou seja, o preconceito contra os padecentes de deficiências e transtornos mentais”, defende o médico.

    “Com a pandemia, esse conceito está sendo revisto. Mas ainda há a ideia de que psicólogos só atendem problemas graves de saúde mental”, concorda Claudia.

    Os enganos e as concepções tortas estão até nas empresas. “Quando o funcionário conta no trabalho que fará terapia, já acham que ele vai diminuir a produção e não aguentará a pressão”, descreve a psicóloga.

    Acesso a profissionais não é fácil

    Apesar da carência de dados sobre o tema, alguns especialistas acreditam que há menos gente fazendo terapia também porque a demanda está superando a capacidade de atendimento. E isso teria ficado mais visível durante a crise sanitária de Covid-19.

    “Os serviços públicos estão sempre cheios, e as classes média e alta em São Paulo lotaram os consultórios na pandemia. Tudo aponta para a falta de oferta de profissionais, e não de demanda”, raciocina Kupermann.

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    A USP conta com voluntários que oferecem atendimentos gratuitos ao público. Quando há excesso de procura, como ocorreu na pandemia, os profissionais encaminham os pacientes para o Sistema Único de Saúde (SUS).

    Em 2020, ano em que tivemos um isolamento social mais intenso, o Ministério da Saúde ouviu pouco mais de 2 300 pessoas em uma pesquisa sobre o tema. Dessas, 29,33% contaram que procuraram apoio profissional por questões relacionadas à saúde mental, sendo que 20% apostaram em serviços particulares.

    Outros 34,2%, porém, informaram que não foram atrás de ajuda, mas que gostariam de ter apoio psicológico, principalmente para lidar com a ansiedade (78%) e o estresse (51,9%).

    O atendimento pelo SUS chega aos milhares, segundo Rosangela Elias, coordenadora de saúde mental da Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo. Com a pandemia, o atendimento presencial ficou suspenso e, para não deixar de atender quem precisava, foi criado o programa virtual Autoestima. Hoje, a plataforma serve para capacitar profissionais, além de viabilizar os atendimentos.

    + LEIA TAMBÉM: Coração acelerado: como saber se é ansiedade ou doença cardíaca?

    Sem contar com nenhum tipo divulgação, o site recebeu 57 mil acessos. Foram concluídas 1 100 sessões de quase 2 mil pessoas que fizeram a tentativa de agendamento.

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    “Muita gente marca e, depois, tem receio e cancela para pensar melhor. É todo um processo até chegar de fato na sessão. Há ainda casos de conflitos de horário e datas”, explica Rosangela.

    O acesso à internet delimitou ainda mais esse grupo. Quem fez as sessões era, na maioria, do sexo feminino. E os jovens lideraram: 41% dos pacientes tinham de 21 a 30 anos.

    Em nível nacional, o SUS é composto por uma rede especializada em saúde mental, com Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), os Serviços Residenciais Terapêuticos (SRT), os Centros de Convivência e Cultura, as Unidade de Acolhimento (UAs) e os leitos de atenção integral (em Hospitais Gerais, nos CAPS III).

    No entanto, nem todas as cidades possuem essa gama de serviços. Outra questão levantada pela Associação Brasileira de Psiquiatria é que a maioria dos atendimentos acaba concentrada só no CAPS.

    “A saúde mental exige serviços diferentes para necessidades diferentes. O CAPs é apenas um dos equipamentos constantes na atenção à saúde mental, não podendo ser considerado o principal deles”, aponta Silva.

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    “Além disso, a função dos CAPS é a de reabilitar doentes graves crônicos, não podendo funcionar como serviço de emergência ou ambulatório geral, como acontece na atualidade”, acrescenta.

    O médico entende que é fundamental aperfeiçoar o que existe e equipar as redes regionais com serviços capazes de atender mais gente e de forma apropriada.

    “Na psiquiatria brasileira, o sistema privado é de primeiro mundo, baseado nos ambulatórios. Se mirarmos neste modelo, com unidades multidisciplinares especializadas, teremos sucesso também no sistema público”, diz.

     

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