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Para cuidar bem das dores da mulher

As queixas ligadas à cólica menstrual e à endometriose estão cada vez mais comuns. Felizmente despontam novas opções de tratamento — inclusive sem remédios

Por Goretti Tenorio
Atualizado em 20 fev 2018, 13h34 - Publicado em 6 nov 2016, 12h00
 (Foto: Bruno Marçal/)
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Um sofrimento intenso e recorrente, que pode se arrastar por anos sem diagnóstico e interferir na autoestima e na qualidade de vida — eis o que as dores pélvicas fazem com uma multidão de mulheres no Brasil e no resto do mundo. A aflição é antiga: Hipócrates, o pai da Medicina, já havia documentado o problema por volta de 460 a.C. Séculos depois, não é raro que a causa do incômodo continue um enigma a ser decifrado no consultório. E isso quando a dona da dor presta queixa ao médico – muita mulher ainda acha que aqueles desconfortos no baixo ventre são normais e aguenta as pontadas firme, só e calada.

Pra início de papo, há dores e dores. No ciclo menstrual, é comum que parte da ala feminina encare episódios de dismenorreia, o nome técnico da cólica típica desse período. No entanto, se o suplício se torna persistente ou incapacitante, pode indicar a presença de alguma encrenca nas bandas do útero ou em suas vizinhanças. É o caso da endometriose, condição que tem azucrinado cada vez mais mulheres em idade reprodutiva e pode atrapalhar inclusive a vontade de ser mãe. “Hoje o estilo de vida tende a empurrar a decisão de ter filhos para depois dos 30 anos e é normal as mulheres engravidarem menos vezes. Com isso, elas acabam menstruando mais ao longo da vida”, explica o ginecologista Newton Busso, professor da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.

E o que isso tem a ver com a endometriose? Ora, uma das causas do problema é a menstruação retrógrada – parte do fluxo sanguíneo, em vez de ser expelida, se espraia pelos órgãos próximos ao útero. “Esse escape não é incomum e, em geral, o sistema imune detecta os elementos estranhos ali e os elimina”, esclarece a ginecologista Cintia Pereira, do Hospital São Camilo, na capital paulista. “Mas, em algumas mulheres, esse fenômeno passa despercebido. Aí, fragmentos do tecido que revestia o útero se acumulam em regiões impróprias e dão origem à doença”, conclui. É como se deixassem as sementes para a endometriose surgir e prosperar.

Um levantamento da Fundação Mundial de Pesquisas em Endometriose feito em dez países acusa um tempo médio de sete anos entre os primeiros relatos dos sintomas (pontadas no ventre, dor durante as relações sexuais, dificuldade para engravidar…) e a confirmação da disfunção. Nesse intervalo, muitas delas veem minguar a energia, o relacionamento e até a produtividade – há quem chegue a abandonar o trabalho.

Para descobrir se a causa das dores pélvicas é a endometriose ou algum outro transtorno, o médico terá de destrinchar uma porção de sintomas que tantas vezes confundem a investigação. “É grande o leque que se abre quando se trata de problemas nessa região”, admite a ginecologista Telma Mariotto Zakka, da Sociedade Brasileira de Estudos da Dor. “A pelve, que começa abaixo do umbigo e se estende até a raiz das coxas, é rica em vísceras, músculos, vasos… Ou seja, tudo ali é suscetível à dor, o que dificulta a identificação da origem das queixas”, completa.

Leia mais: Consumo de bebida alcoólica aumentou entre as mulheres

Além das cólicas, indícios como náusea, vômito, fadiga, dor de cabeça, diarreia e sensação de peso nas pernas são comuns a diferentes disfunções, e não apenas às ginecológicas. Até mesmo problemas marcados por inflamações no intestino, como a colite ulcerativa e a doença de Crohn, podem embaralhar as hipóteses de diagnóstico. A síndrome do intestino irritável, mais incidente em mulheres, é outro desarranjo a ser considerado: fora os incômodos abdominais, ela também chega a provocar dor durante a relação sexual. É ou não é um quebra-cabeça?

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Por isso não dá pra ficar adiando a ida ao consultório ou, pior, agir por conta própria. Recorrer a analgésicos e anti-inflamatórios sem orientação na busca de alívio rápido pode mascarar o problema e complicar as coisas. Não é que os remédios sejam ruins. Pelo contrário, quando bem receitados, ajudam a domar as sensações dolorosas. Acontece que eles não tratam a enfermidade por trás. E mais: o uso inadequado pode repercutir em úlceras gástricas e danos renais.

Daí que o acompanhamento ginecológico e uma boa conversa com o especialista são regras de ouro para detectar precocemente a causa do problema e atuar com precisão, inclusive para prevenir desfechos como a infertilidade – a endometriose figura no histórico de 25 a 50% das mulheres com dificuldade para engravidar. “Quanto mais tempo a paciente passa com dor, menor a chance de cura. O diagnóstico rápido faz a diferença para a reversão do quadro”, afirma Paulo Cesar Giraldo, presidente da Sociedade de Obstetrícia e Ginecologia do Estado de São Paulo (Sogesp).

Na caça à encrenca, o profissional leva em conta eventuais anormalidades no ciclo menstrual, a intensidade das cólicas e a presença de espessamentos ou nódulos na região. Cirurgias pélvicas prévias, inclusive cesáreas, também devem ser informadas, uma vez que facilitam o extravasamento do endométrio, o tecido que reveste o útero.

Se necessário, a pesquisa prossegue com um exame de sangue que dosa a proteína CA 125 – uma concentração muito alta acende a luz amarela – e com as imagens da ressonância magnética com contraste. Por fim, o médico pode optar pela videolaparoscopia, procedimento cirúrgico feito com o auxílio de uma microcâmera. “Ela não apenas dá a certeza do diagnóstico como é uma forma de tratamento, porque, ao longo do exame, focos de endometriose vão sendo eliminados”, conta Telma.

Tratar quadros intensos de cólica menstrual ou uma doença complexa como a endometriose exige muitas vezes uma abordagem multidisciplinar. “Para essa condição, indicamos o uso de medicamentos específicos, fisioterapia, psicoterapia e inclusive técnicas de relaxamento como a meditação”, lista o ginecologista Nucélio Lemos, especialista em dor pélvica do Hospital Samaritano, na capital paulista. O esquema terapêutico passa pela prescrição de anticoncepcionais combinados, via oral, injetáveis ou por meio de dispositivo intrauterino, o DIU, que vai liberando diariamente uma dose de hormônio. O objetivo é suspender a menstruação para interromper o crescimento do endométrio. O monitoramento do quadro aponta a necessidade ou não de apelar para a videolaparoscopia a fim de restringir o crescimento do tecido e remover aderências.

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Antes, durante e depois do tratamento, a mulher deve estar cercada de uma rede de cuidados, com foco até na dieta. “Na endometriose, o funcionamento intestinal alterna ciclos de diarreias e de dificuldade na evacuação”, relata a nutricionista Marisa Coutinho, do Hospital São Camilo. Uma alimentação equilibrada e rica em fibras auxilia a regular o intestino e a poupar desconfortos extras.

Passar anos a fio sob o domíno de dores, vamos convir, desafia o equilíbrio emocional de qualquer um. “E se essa disfunção afeta o sexo e a fertilidade, então, por si só se torna um fator estressante”, diz o psicólogo Jamir Sarda, professor da Universidade do Vale do Itajaí, em Santa Catarina. “Por isso, a endometriose e seu ciclo vicioso de dor, ansiedade e depressão podem exigir apoio psicoterapêutico”, afirma.

Além de trabalhar a mente, é preciso botar o corpo pra mexer. Daí o conselho de praticar atividade física e fortalecer a musculatura do baixo ventre. “Na tentativa de minimizar o sofrimento das cólicas, o corpo sofre desvios no alinhamento do quadril e dos membros inferiores, ocasionando alterações nos músculos do assoalho pélvico, que sustenta a bexiga, o intestino e o útero”, observa a fisioterapeuta Ana Paula Bispo, da Universidade Federal de São Paulo. Enquanto exercícios mais gerais e dirigidos ajudam a prevenir as crises, compressas quentes e massagens são boas pedidas para apaziguar o martírio.

Entre as terapias não medicamentosas, a neuroestimulação elétrica (conhecida pela sigla TENS) é a que mais chama a atenção recentemente. Trata-se de uma técnica “importada” das clínicas de fisioterapia que agora poderá ser empregada em casa, por meio de um dispositivo portátil criado pela empresa Medecell. Ele foi alvo de um estudo conduzido por Giraldo e sua equipe na Universidade Estadual de Campinas com 22 mulheres com endometriose profunda e em tratamento hormonal. A pesquisa mostrou que o uso ao longo de oito semanas trouxe alívio significativo contra as cólicas, com a vantagem de não ter efeitos colaterais (entenda mais à esquerda). Pois é, se bem indicados, até choquinhos são úteis para calar a dor.

Exercícios contra a cólica

Por melhorarem a circulação local, exercícios pélvicos ajudam a evitar ou atenuar os episódios dolorosos. Para fazer jus ao benefício, basta repetir dez vezes sequências como esta: com as pernas apoiadas numa bola grande, daquelas de pilates, e os braços ao lado do corpo, eleve a bacia contraindo abdômen e glúteos. Com o quadril no alto, inspire e desça devagar. “Movimentos similares aos da dança do ventre também atuam no fortalecimento da musculatura interna”, ensina a fisioterapeuta Ana Paula Bispo.

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Há dores e dores

Conheça outros problemas por trás de incômodos na região pélvica

Vulvodínia: Caracteriza-se por dor ou ardor crônico na vulva, área externa do órgão sexual feminino, que fica bastante sensível ao toque.

Infecções uterinas: Cólicas, inchaço e corrimento sinalizam processo inflamatório despertado por micróbios, em geral transmitidos por contato sexual.

Cistos ovarianos: Os pequenos caroços de conteúdo fluido que se formam nos ovários ou ao redor deles podem causar ciclos menstruais irregulares e dolorosos.

Varizes pélvicas: Veias dilatadas em torno dos órgãos da pelve estão por trás de incômodos como aumento do fluxo menstrual, pontadas e sensação de peso no abdômen.

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Adenomiose: O crescimento do endométrio na camada muscular do útero traz menstruação prolongada, prisão de ventre e dor durante o sexo.

Em busca de alívio

O que pode compor o arsenal terapêutico contra as cólicas e as dores da endometriose

Medicamentos: Analgésicos, anti-inflamatórios e drogas que minimizam as contrações uterinas costumam ser receitados pelo médico.

Hormônios: A tática aqui é o uso contínuo de anticoncepcionais, que bloqueia a menstruação e, assim, limita o crescimento do endométrio.

Acupuntura: Coadjuvante, a aplicação de agulhas estimula a produção de serotonina e endorfina, substâncias cerebrais que reduzem a percepção das dores.

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Fisioterapia: Os exercícios guiados melhoram o tônus muscular e dessensibilizam pontos de tensão e inflamação na região pélvica.

Termoterapia: De bolsas térmicas a radiação infravermelha, o calor aumenta a dilatação dos vasos sanguíneos no abdômen, abrandando as cólicas.

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