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Ozempic manipulado funciona?

Semaglutida e até tirzepatida manipuladas estão sendo vendidas em farmácias magistrais, mas eficácia e segurança não são garantidas

Por Ingrid Luisa
Atualizado em 2 dez 2024, 11h56 - Publicado em 2 dez 2024, 11h41
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As canetas de Ozempic viraram alvo de falsificações. (Foto: Chemist4U/Flickr/Divulgação)
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Os análogos de GLP1, categoria que inclui a semaglutida — princípio ativo do Ozempic e do WeGovy, da farmacêutica Novo Nordisk — e a tirzepatida, do Mounjaro, da Eli Lilly, são os medicamentos mais eficazes para o tratamento de pessoas com obesidade ou sobrepeso com comorbidades.

Eles funcionam bem, mas têm um custo alto: uma caneta de Ozempic custa cerca de mil reais. Já o WeGovy está na faixa dos dois mil. O Mounjaro ainda nem desembarcou por aqui, mas estima-se que possa bater os três mil reais por caneta.

A grande popularização está fazendo muita gente buscar alternativas mais em conta, oferecidas por farmácias de manipulação. Nesses estabelecimentos, vende-se 1mg de semaglutida (princípio ativo e mesma dose do Ozempic) por 300 reais, e 15mg de tirzepatida (princípio ativo e mesma dose do Moujaro) por 600.

Mas será que faz sentido apostar em “Ozempic manipulado” ou algo do tipo? É a mesma coisa que o medicamento vendido em farmácia? Saiba a seguir!

+Leia Também: Ozempic: os riscos de usar apenas para perder uns quilinhos

Para que servem os medicamentos manipulados

Antes de tudo, é importante compreender para que serve um remédio manipulado.

“A função da farmácia magistral [nome oficial da farmácia de manipulação] é principalmente fazer o que não existe na indústria farmacêutica para atender a necessidades individuais do paciente”, explica Antonio Geraldo Ribeiro, coordenador o Grupo de Trabalho sobre Farmácia Magistral do Conselho Federal de Farmácia (CFF).

“Às vezes um produto só existe em comprimido, e precisamos dele, por exemplo, em suspensão ou xarope para atender um bebê. Isso é normal, e não é feito da cabeça do farmacêutico, mas sim sob prescrição médica”, completa o farmacêutico.

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Segundo a Anvisa, as farmácias de manipulação podem até fazer medicamentos com ativos patenteados, desde que a dose seja diferente da comercial disponível no mercado e haja prescrição médica específica.

Paulo Miranda, presidente da Sociedade Brasileira de Endocrinologia (SBEM), complementa que é importante que a pessoa que vai tomar uma medicação manipulada fique ciente que a eficácia e a segurança da nova forma de administração podem ser diferentes.

“A manipulação deve ser feita por via que, de alguma maneira, foi testada pela ciência e que garanta que o paciente vai ter o resultado esperado”, complementa o médico.

+Leia Também: Ozempic custa caro: dá para conseguir medicamento pelo convênio?

É permitido fazer Ozempic manipulado?

Pela legislação vigente, sim. Caso haja receita médica, segundo Ribeiro, a farmácia pode fazer um manipulado de semaglutida. Já a tirzepatida, que ainda não chegou por aqui oficialmente, não pode ser manipulada. Toda e qualquer farmácia que ofereça está infringindo as regras da Anvisa.

“Quem decide a prescrição não é a farmácia nem o farmacêutico, é o médico. E a semaglutida está disponível no Brasil, então as farmácias podem comprá-la de fornecedores autorizados pela Anvisa e manipular conforme a receita médica”, afirma o coordenador do CFF.

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Mas tem um caroço nesse angu. A única semaglutida autorizada pelo Brasil é a produzida e comercializada pelo Novo Nordisk. Essa é uma molécula de produção biológica (feita a partir de células vivas), e a farmacêutica afirma que não fornece sua molécula para nenhuma farmácia de manipulação.

Então, de onde as farmácias magistrais compram o insumo? Marcela Saturnino Caselato, endocrinologista e diretora de medical affairs da Novo Nordisk, afirma que elas usam versões sintéticas da molécula, que já são produzidas em países como China e Índia. Mas essas versões não têm autorização da Anvisa, e não tiveram sua segurança e eficácia avaliadas. 

Diante das polêmicas, e da grande popularização desses manipulados, a Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo questionou a Anvisa sobre moléculas de semaglutida fornecidas por outras empresas que não a Novo Nordisk.

Em nota técnica, a agência regulatória reiterou que só concedeu registro para o insumo farmacêutico ativo (IFA) biológico semaglutida e o também biológico tirzepatida, com avaliação de eficácia e segurança aprovada.

Até a data da publicação do ofício, não existia nenhuma IFAs sintética aprovada. Sendo assim, a importação destas moléculas configura infração sanitária.

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Além disso, o endocrinologista Paulo Miranda ressalta que o tratamento da obesidade não preconiza medicações manipuladas. Então os médicos não deveriam emitir receitas que solicitam e validam esse tipo de manipulação.

“A gente, inclusive, acabou de publicar uma revisão baseada nas evidências científicas disponíveis para o tratamento farmacológico da obesidade e ela não inclui medicamentos manipulados”, afirma o presidente da SBEM.

Ele explica que, para considerar o uso neste contexto, é necessário evidências científicas de equiparação de efeito. E não existe nenhum teste de equivalência entre os remédios contra obesidade oficiais e as versões manipuladas.

+Leia Também: Os remédios que prometem mudar o tratamento da obesidade

Ozempic manipulado funciona?

Olhando para a parte tecnológica, tudo indica que não. A produção dessas moléculas é cara e complexa.

“A semaglutida é uma molécula peptídica obtida por produção biológica. Ou seja, se incorpora o código genético responsável pela produção dessa molécula dentro de uma célula viva, que faz a fabricação.”, explica Marcela, representante da farmacêutica que criou a molécula.

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Ela acrescenta que tudo funciona através de uma cadeia fria, em que os medicamentos precisam ser refrigerados do início ao fim de sua produção, incluindo transportes, já que necessitam ser mantidos entre 2 °C e 8 °C antes de serem administrados.

Outro detalhe é que tanto o Ozempic quanto o WeGovy são injetáveis: por a semaglutida ser uma espécie de proteína, ela funciona melhor quando vai direto para a corrente sanguínea, sem passar pelo trato digestório.

Existe, sim, uma versão oral da semaglutida, o medicamento Rybelsus, indicado para o tratamento de diabetes tipo 2. Mas, garantir que a proteína não seria dilacerada no estômago exige muita tecnologia:

“O Rybelsus tem o SNAC, tecnologia que garante que a semaglutida passe pouquíssimo tempo em contato com o suco gástrico do estômago e logo seja absorvida, não se degradando totalmente”, explica Marcela. “Mesmo assim, essa versão oral precisa de 14mg de semaglutida para fazer o mesmo efeito de 1mg da versão injetada”, complementa.

Pense: as farmácias de manipulação vendem, num comprimido sem tecnologia, apenas 1mg de semaglutida. A chance dessa molécula não ser quebrada pelo processo digestivo e fazer algum efeito é baixíssima.

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+Leia Também: Ozempic natural, shot de azeite e outras 4 farsas da nutrição

Ozempic falsificado pode matar

Pior do que não fazer efeito é colocar em risco à vida das pessoas, o que já tem acontecido com a semaglutida manipulada nos Estados Unidos.

De acordo com um alerta emitido pela NovoNordisk, medicamentos manipulados por lá continham níveis significativamente altos de impurezas em sua composição. Segundo a empresa, isso pode levar a reações graves, como choque anafilático.

Até agora, 144 pacientes dos Estados Unidos foram hospitalizados e 12 pessoas morreram após tomarem cópias falsificadas de semaglutida.

O FDA (a agência de vigilância sanitária dos EUA) alertou que os eventos adversos desses medicamentos irregulares são subnotificados.

No Brasil, em outubro deste ano, a Novo Nordisk comunicou que foram identificados casos de falsificação de Ozempic em seis cidades do país (Rio de Janeiro, Brasília, Anápolis, Curitiba, Belo Horizonte e Paty do Alferes).

Neles, canetas de insulina foram readesivadas com rótulos de Ozempic, o que representa um grande risco à saúde: uma injeção de insulina numa pessoa saudável pode causar hipoglicemia, coma e até a morte. No Rio, uma mulher que usou o medicamento falsificado teve que ir para o hospital às pressas por conta de graves repercussões.

A Anvisa emitiu um comunicado oficial de alerta para casos de falsificação.

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