Assine VEJA SAÚDE por R$2,00/semana
Continua após publicidade

Pesquisa acusa lacunas na prescrição médica de exames e tratamentos

Estudo recém-apresentado mostra falhas no controle de doenças crônicas, como diabetes, obesidade, gordura no fígado e problemas cardiovasculares

Por Diogo Sponchiato
26 out 2022, 18h55

Uma pesquisa inédita com médicos brasileiros aponta uma distância significativa entre o que propõem as últimas diretrizes científicas e as prescrições dadas em consultório. A primeira edição do estudo Receita de Médico, apresentado no congresso Diacordis, em São Paulo, evidencia lacunas preocupantes na prevenção, no diagnóstico e no tratamento de doenças crônicas como obesidade, diabetes e problemas no coração, nos rins e no fígado.

O levantamento, conduzido via internet pela Clannad Editora Científica e coordenado pelo endocrinologista Carlos Eduardo Barra Couri, entrevistou 654 médicos de praticamente todos os estados do país, a maioria do Sul e do Sudeste. Quase 90% deles fazem atendimento em caráter particular, em paralelo ou não à atuação com convênios e na rede pública.

A maior parte dos participantes é formada por endocrinologistas, seguidos de cardiologistas e clínicos gerais. Trata-se, portanto, de uma amostra especializada e qualificada do ponto de vista do acesso à educação médica e da infraestrutura de trabalho. E que costuma cuidar, na rotina, de pacientes com diabetes, excesso de peso, doenças cardiovasculares etc.

“Mesmo assim, constatamos lacunas de aprendizado e falhas importantes na hora de controlar as doenças crônicas. E é provável que a situação seja ainda mais grave se considerarmos a realidade geral brasileira”, analisa Couri, colunista de VEJA SAÚDE.

+ LEIA TAMBÉM: O elo traiçoeiro entre obesidade, diabetes e doenças cardíacas

Colesterol negligenciado

Chama a atenção, logo de cara, que, considerando pessoas com diabetes e alto risco cardiovascular, apenas 40% dos médicos entrevistados indiquem como meta níveis de colesterol abaixo de 50 mg/dl, algo recomendado pelos guidelines baseados em evidências científicas.

“Podemos dizer que, entre os fatores de risco cardiovascular, o colesterol alto é o mais impactante. Ele tem de ser tratado com medicamentos e mudanças no estilo de vida”, contextualiza o coordenador da pesquisa Receita de Médico. Isso significa que, se essa meta não for levada a sério, os pacientes ficam mais vulneráveis a complicações como infarto.

Continua após a publicidade

Segundo os profissionais ouvidos, os principais empecilhos para o tratamento medicamentoso do colesterol são a dificuldade de adesão dos pacientes, o custo dos fármacos (ainda que boa parte seja fornecida pelo SUS e o programa Farmácia Popular) e os relatos de dores musculares associadas às estatinas.

Couri destaca, ainda, outro achado da investigação: só metade dos médicos adiciona um novo medicamento ao esquema terapêutico quando o tratamento clássico à base dos comprimidos estatina e ezetimiba falha. No caso, a opção para resguardar as artérias seria encorpar o combo com um medicamento injetável da classe dos inibidores de PCSK9, que reduzem a produção de colesterol pelo organismo.

LEIA TAMBÉM: No tratamento do colesterol alto, um é bom; dois são ótimo!

Sob pressão

Boa parte dos brasileiros com maior suscetibilidade a eventos cardiovasculares tem tanto hipertensão como diabetes. É imperativo, nesses casos, otimizar o tratamento de ambas as condições para minimizar as ameaças.

Nesse sentido, o novo estudo mostra que um quarto dos especialistas não anda prescrevendo a terapia combinada de medicamentos para controlar a pressão alta, como mandam as diretrizes. Como a doença é multifatorial, a ideia da terapia combinada, que pode reunir diferentes princípios ativos num mesmo comprimido, é atuar em mais de uma frente de batalha.

Diabetes e hipertensão também estão entre as principais causas de insuficiência renal, quando os rins não conseguem mais cumprir seu trabalho de filtrar o sangue. Mas hoje o controle efetivo, sobretudo com o apoio de certos medicamentos, ajuda a evitar um desfecho desses.

Continua após a publicidade

Só que a pesquisa constatou que ao redor de 25% dos médicos não privilegiam o uso da classe de fármacos com maior potencial de preservação da saúde renal, os chamados inibidores de SLGT2, em indivíduos com diabetes tipo 2 cujos exames já sinalizam estragos nos rins. Esses remédios, aliás, devem ser incluídos no programa Farmácia Popular ainda este mês.

+ LEIA TAMBÉM: Pesquisa responde se há melhor horário para tomar o remédio da pressão

O peso na consulta

Um dos dilemas que envolvem o tratamento da obesidade, uma condição caracterizada como crônica, é que as mudanças de hábito e mesmo o tratamento medicamentoso devem ser mantidos a despeito da perda de peso inicial ou almejada, sob pena de os quilos perdidos voltarem.

Parte da explicação para o efeito sanfona reside na dificuldade de as pessoas se engajarem, mês a mês, num estilo de vida ativo e equilibrado e seguirem à risca o que está na receita médica. Mas falhas de orientação e prescrição do lado do médico também estão por trás disso, como se pode inferir da pesquisa apresentada no Diacordis.

Apenas 46% dos profissionais entrevistados concordam com a ideia de que o tratamento com remédios deve ser contínuo e quase um terço dos especialistas acredita que a terapia pode ser suspensa quando o paciente tem uma boa perda de peso. “Sabemos que, se o tratamento não é constante, é alta a chance de haver reganho de peso”, alerta Couri.

BUSCA DE MEDICAMENTOS Informações Legais

DISTRIBUÍDO POR

Consulte remédios com os melhores preços

Favor usar palavras com mais de dois caracteres
DISTRIBUÍDO POR
Continua após a publicidade

O fígado no meio

O coordenador da pesquisa se diz particularmente preocupado com a falta de um olhar dos médicos em relação à saúde do fígado. “Estima-se que 30% da população mundial tenha acúmulo de gordura no fígado, e esse índice sobe para 80% entre pacientes com diabetes”, conta.

“A doença hepática gordurosa não alcoólica é um problema de saúde pública, capaz de levar a cirrose e câncer de fígado, além de estar ligada a maior risco cardiovascular”, justifica o endócrino.

O método padrão-ouro para a detecção da gordura no fígado se chama elastografia (por ultrassom ou ressonância). Não é nenhuma tecnologia de outro mundo, mas ainda pouco difundida entre a classe médica. No estudo, praticamente 50% dos profissionais nunca ou quase nunca pedem o exame a pessoas com diabetes tipo 2.

Pensando no rastreamento do depósito gorduroso nesse órgão, a elastografia é muito mais sensível que métodos como ultrassom de fígado e exames de sangue que dosam enzimas hepáticas como TGO e TGP.

Segundo Couri, esse dado revela quão descoberto está o cuidado com o fígado dos pacientes. E os números sobre a prescrição de fármacos que auxiliam na proteção do órgão também estão longe do ideal.

Continua após a publicidade
Compartilhe essa matéria via:

+ LEIA TAMBÉM: Gordura no fígado é ameaça silenciosa

Em circulação (ou não!)

Na pesquisa, os especialistas foram convidados a emitir opinião sobre um caso clínico comum entre os cidadãos brasileiros. Imagine um sujeito com diabetes tipo 2 que já infartou há coisa de seis anos. Você, médico, prescreveria um antiagregante plaquetário, classe representada pela popular aspirina?

Veja, um paciente com esse histórico é considerado de alto risco cardiovascular e, sim, deveria tomar o comprimido diariamente. Só que metade dos profissionais ouvidos diz não indicá-lo na rotina.

As diretrizes científicas atualizadas recomendam, nesses casos, a prescrição da aspirina em combinação com um anticoagulante de baixa dosagem (rivaroxabana), mas apenas 10% dos endocrinologistas e 16% dos cardiologistas afirmam receitá-los em tais circunstâncias.

Couri também ressalta que, na avaliação do risco cardiovascular e de possíveis complicações do diabetes, tem passado batido outra medida realizada em consultório, o chamado índice tornozelo-braquial. Com o apoio de um aparelho de doppler portátil, o médico checa a pressão nos braços e nas pernas do paciente e, através de uma fórmula matemática, consegue averiguar como está a circulação nos membros e inferir o perigo ao coração.

Para se ter ideia, a Clínica Cleveland, referência em cardiologia nos Estados Unidos, orienta a execução desse simples exame a qualquer pessoa com diabetes acima de 50 anos e qualquer um que tenha mais de 65 anos ou histórico de tabagismo ou evento cardiovascular.

Continua após a publicidade

Porém, a realidade é que 58% dos médicos brasileiros nunca ou quase nunca fazem esse teste em consultório, de acordo com a pesquisa recém-publicada.

+ LEIA TAMBÉM: O que os anticoagulantes têm a ver com o diabetes?

Um olho na depressão, outro na menopausa

O primeiro estudo Receita de Médico ainda confirma a carência de informação sobre saúde mental que perpassa o consultório do médico que não é especializado nessa área. Apenas 28% dos profissionais entrevistados afirmam tratar a depressão porque têm capacitação para isso. Ainda assim, 62% indicam antidepressivos na rotina de atendimento.

“Aqui temos tanto o problema da falta de rastreamento e diagnóstico desse e de outros transtornos mentais como a falha de não encaminhar esses pacientes a psiquiatras e psicólogos”, interpreta Couri. “Devemos lembrar que a depressão também aumenta o risco cardiovascular”, avisa.

Por fim, 66% dos médicos reportaram não se julgar capacitados para recomendar a terapia hormonal a mulheres na menopausa; metade dos profissionais acaba sugerindo que a paciente no climatério procure um ginecologista para essa finalidade.

“Há um momento certo para entrar com a reposição hormonal na menopausa visando ao controle dos seus sintomas. Quando bem indicada, ela inclusive reduz o risco de problemas no coração”, esclarece Couri.

O endocrinologista acredita que os dados da pesquisa refletem, no geral, uma oportunidade de ampliar e aprimorar a educação médica no país. “Isso é fundamental para aumentar o engajamento e o empoderamento dos profissionais e da sociedade nos cuidados com a saúde”, defende o CEO do Diacordis.

Compartilhe essa matéria via:
Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Domine o fato. Confie na fonte.

10 grandes marcas em uma única assinatura digital

MELHOR
OFERTA

Digital Completo
Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 2,00/semana*

ou
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba Veja Saúde impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 12,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$96, equivalente a R$2 por semana.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.