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Já cuidou dos seus pés hoje?

Eles nos levam para cima e para baixo e, em geral, não ganham a devida atenção. Mas podem e devem receber cuidados — e tem até exercícios para essa dupla

Por Maurício Brum e Caroline Guarnieri
27 set 2021, 19h00
meus pés estão me matando
Dores, calos, feridas e frieiras estão entre os perrengues mais comuns na região. (Ilustração: Bernardo França/SAÚDE é Vital)
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Milênios antes de os tênis de corrida surgirem, nossos antepassados já andavam em alta velocidade por aí. Não por esporte: eram tempos de caça ou caçador. Em meio à concorrência com outros animais, o ser humano também pulava, escalava e escapava dos obstáculos pelo caminho. Para ter sucesso em suas jornadas diárias, nossa espécie dependia de uma tecnologia avançada que já vinha de fábrica: os próprios pés.

Mas, com o avançar dos séculos, os calçados que foram inventados inicialmente para protegê-los do frio ou de pedras e espinhos se converteram em algo a mais. Andamos dentro de casa de chinelo, vamos ao escritório de sapato e ainda nos exercitamos com tênis que potencializam nossas habilidades naturais. Daí que os pés não precisam mais fazer o trabalho duro de antigamente. E isso pode se tornar um problema.

“Nossos pés têm mais de 150 elementos, entre músculos, articulações e ligamentos. Mas hoje ficam muito tempo acomodados em calçados mais rígidos e estruturados”, explica a educadora física Isabel Sacco, coordenadora do Laboratório do Movimento e Postura Humana da Universidade de São Paulo (USP).

“Tudo que eu não uso acabo perdendo. Se não faço exercícios regularmente, perco massa muscular, perco a elasticidade dos tecidos musculoesqueléticos… E, com o pé, é a mesma coisa”, resume.

Pensando nessa realidade, a pesquisadora e sua equipe desenvolveram uma série de exercícios focados no fortalecimento dos pés e suas inumeráveis estruturas — uma parte do corpo que acaba negligenciada não só porque os calçados mais modernos são desenhados para facilitar a vida deles mas também devido a uma rotina mais sedentária, que só se intensificou com a pandemia de Covid-19.

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Seguindo o raciocínio do biólogo evolutivo Daniel Lieberman, da Universidade Harvard, nos Estados Unidos, muitos especialistas concordam que o ideal seria aproveitarmos melhor o que a natureza nos deu, andando mais descalços por aí. E desde a infância: já virou passado, por exemplo, o uso indiscriminado de botinhas ortopédicas para corrigir pé chato.

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Hoje se sabe que o arco do pé é determinado geneticamente, e a melhor maneira de garantir seu desenvolvimento é simplesmente andando e correndo ao natural. “Essa é uma recomendação que vale não só para a infância. Não há nada mais fisiológico do que andar descalço, seja o terreno regular ou irregular”, argumenta o ortopedista Daniel Vieira, professor da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR).

“Quando se pisa dessa forma, toda a musculatura e as articulações do pé são utilizadas. Com o calçado, não conseguimos mobilizá-las corretamente”, concorda o ortopedista José Antonio Sanhudo, presidente da Associação Brasileira de Medicina e Cirurgia do Tornozelo e Pé (ABTPé). É claro que isso não é um convite a aposentar tênis e sapatos: vamos continuar precisando deles (ainda bem!) quando sairmos por aí.

Para algumas pessoas, como quem tem diabetes e sensibilidade reduzida nos membros inferiores, deixar a região exposta a cortes e batidas é altamente contraindicado, pois as lesões podem passar despercebidas e acarretar complicações. Mas é bom ter em mente que os cuidados com os pés vão muito além de andar com ou sem calçado.

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A atenção com os pés exige que a gente use e abuse dos bons e velhos sentidos. Parece banal, mas você deve olhar mais para eles, tocá-los e sentir eventuais odores ali. Tem um calo? Pode ser que o calçado não esteja adequado. Viu uma vermelhidão? Há algo inflamado. Sente um cheiro desagradável? O chulé indica que os pés precisam respirar.

Algumas pessoas penam até com uma transpiração excessiva na região, o que tem raízes genéticas e pode ser resolvido com cirurgia. O fato é que não é legal deixar os pés recobertos e abafados demais, condição ideal para fungos se alastrarem.

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“O cuidado básico começa em casa, lavando os pés com água e sabão, e depois secando direito, em especial entre os dedos. É fazendo a higiene diária e tendo atenção constante que a pessoa identifica problemas antes que eles se agravem”, ressalta Sandra Lúcia Oliveira, professora da área de beleza e estética do Senac de São Paulo.

Embora a hidratação com cremes específicos seja bem-vinda — tanto no verão, quando há maior exposição dos pés, quanto no inverno, quando a pele fica mais ressecada com os banhos quentes —, ela não pode ser confundida com umidade. Eliminar todo resquício de água após o banho é o primeiro passo para fugir do mau odor e das frieiras.

“Já o corte das unhas deve se manter reto e não chegar aos cantos para evitar que elas encravem, o que também abre caminho a infecções”, explica Sandra.

Mas não basta fazer a higiene e a secagem como manda o figurino se a gente ignora onde bota os nossos pés. Na hora de vesti-los, o cuidado começa pelas meias. “Deve-se priorizar as de algodão, que absorvem melhor o suor, e não usar o mesmo calçado em dias consecutivos”, orienta Neusa Pereira, presidente da Associação Brasileira de Podólogos (ABP).

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Assim, você garante que o sapato ficará arejado e foge dos tão temidos fungos, por trás de micoses e tantos desconfortos. Aliás, conforto é palavra-chave quando falamos do que vamos calçar: é um mito, por exemplo, esperar que um calçado apertado lasseie e fique mais agradável com o uso. “O calçado deve se adequar aos pés desde o início”, afirma Neusa.

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Uma dica para não passar aperto no futuro é deixar para comprar os sapatos no final do dia, quando os pés estão mais inchados após horas de labuta, o que evita surpresas em relação ao tamanho depois.

E lembre-se de que, chegando em casa no dia a dia, não só esses acessórios devem tomar um ar como seus pés merecem ventilação e o contato direto com o chão. Anos e anos de evolução não os moldaram para uma vida em reclusão.

Já que não dá para andar sempre descalço, a melhor alternativa é encontrar aquilo que mais imita o funcionamento normal dos pés: calçados flexíveis, com solado baixo e sem salto, fugindo de materiais sintéticos e abafados. Mesmo que algumas situações sociais exijam calçados menos confortáveis, convém pontuar que qualquer alteração no formato habitual do pé gera uma pressão sobre determinadas estruturas ali.

Ao caminhar descalço, o peso é distribuído quase igualmente entre as duas pontas do pé, com ligeira sobrecarga no calcanhar. Já um salto alto desequilibra totalmente a balança, podendo colocar até 90% do peso no lado oposto — a ponta dos dedos.

Cuidar da base tem repercussões em todo o edifício. Com os pés não é diferente. Lesões ali, até por atrapalharem o caminhar, podem ser o pontapé inicial para desgastes articulares e alterações ósseas. Um caso famoso é o do esporão, quando o osso do calcanhar cresce de forma anormal devido à tração excessiva sobre a área, o que pode acontecer com a prática de atividades como corrida.

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Mas os problemas não acabam por aí. “A sobrecarga não afeta só os pés. Eles são o nosso ponto de apoio, então o uso de calçado inadequado e outras situações acabam comprometendo também tornozelo, joelho, quadril e até coluna”, alerta Vieira.

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Daí a sacada daquele treinamento físico para os pés da equipe da USP. São exercícios simples de fazer para garantir o fortalecimento da dupla, explorando o potencial de músculos, ligamentos e articulações pouco recrutados quando vagamos calçados por aí. Esse esforço extra e dirigido compensa. Segundo Isabel, quase oito em cada dez corredores sofrem algum tipo de lesão nos pés em um ano de atividade.

“Nosso estudo clínico demonstrou que essa incidência chega a cair duas vezes e meia com esses exercícios específicos”, conta a pesquisadora. E os benefícios não se limitam aos atletas: quem se movimenta menos também pode botar os pés para trabalhar. “Em idosos, vimos que o risco de quedas diminuiu em sete vezes com o aumento da força dos pés”, relata Isabel.

Para você ter uma noção do que nossos pontos de apoio fazem por nós, saiba que, em média, a cada 25 anos, uma pessoa sem problemas de mobilidade chega a caminhar 40 mil quilômetros — o equivalente a uma volta ao planeta.

Quando chegamos aos 75, já estamos completando a terceira volta. Como em toda longa viagem, é fundamental estar preparado para encarar o percurso sem sustos. “É importante a gente cuidar bem dos pés para eles cuidarem bem da gente”, sentencia Sanhudo. Siga nossos passos:

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1- Pé chato, pé neutro, pé cavo

Os pés podem ser divididos em três tipos de acordo com sua curvatura. Os pés neutros têm arcos mais suaves. Eles conseguem suportar o peso do corpo de forma mais equilibrada, e se adaptam melhor aos diferentes tipos de calçado.

Já os pés que tocam quase por inteiro o chão, praticamente sem fazer arco algum, são os pés chatos ou planos.

O outro extremo é o pé cavo, em que o arco é acentuado a ponto de ter partes que nunca chegam a tocar o solo. O tipo de pé é determinado geneticamente e é preciso buscar ajuda profissional caso esteja gerando algum incômodo.

2- Os tipos de pisada

As pisadas são resultado da curvatura dos pés: os neutros têm pisada normal, enquanto os chatos têm pisada pronada e os cavos, pisada supinada. Elas são normalmente identificadas por um ortopedista, mas é possível observar sinais nos próprios calçados.

As pisadas que saem do eixo normal causam desgastes irregulares nas solas com o passar do tempo, indício de possíveis perrengues futuros. Na pronada, a pessoa tende a pisar “para dentro” e pode forçar o ligamento interno do tornozelo. Já na supinada, o sujeito pisa “para fora”, o que estressa mais o ligamento externo.

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3- O efeito do sedentarismo

O sedentarismo tem consequências negativas em todo o corpo, e os pés não são exceção. Nessas extremidades, a falta de atividade provoca atrofia muscular, perda de reflexos e, pelos efeitos no caminhar, repercussões até na coluna.

A falta de exercício sobrecarrega o tornozelo, região responsável por suportar a maior parte do peso do corpo, o que aumenta as chances de uma torção. Em pessoas sedentárias acima do peso, a situação é ainda pior porque os quilos a mais tendem a agravar a pressão sobre as articulações e a musculatura enfraquecida dos pés.

4- Treinamento para os pés

Mesmo quem não é sedentário costuma trabalhar e se exercitar calçado, deixando de movimentar um monte de estruturas que compõem os pés. Por isso, pesquisadores do Laboratório de Biomecânica do Movimento e Postura Humana da USP criaram um treino específico para fortalecer essa região.

Focados originalmente na prevenção de lesões em atletas, os exercícios podem ser realizados por qualquer pessoa — idosos, por exemplo, ficam menos reféns de quedas ao se engajarem nas sessões. O programa completo pode ser acessado e personalizado gratuitamente no aplicativo SoPeD, mas mostramos abaixo algumas atividades — que devem ser feitas sempre de pés descalços.

Mexa os dedos: com os pés no chão, faça os movimentos de separar e juntar os dedos dos pés. Repita por dez vezes, mantendo os dedos por dois segundos em cada posição.

Levante o arco: mantenha o calcanhar e a ponta dos dedos no chão e tente erguer o pé em “concha”. Faça dez vezes, com contrações de cinco segundos.

Agarre objetos: tente pegar uma bola de borracha ou de algodão ou uma caneta utilizando os dedos dos pés, mantendo o calcanhar no chão. Repita dez vezes.

5- Higiene sempre

É crucial lavar os pés diariamente. Com a limpeza, são eliminadas as sujeiras que podem contribuir para o surgimento de infecções, em especial se há alguma ferida.

No processo de lavagem, também é possível examinar os pés em busca de pequenos machucados, que podem ser imperceptíveis — uma observação ainda mais importante para indivíduos com diabetes, que podem sofrer com a perda de sensibilidade na região.

Os odores desagradáveis normalmente vão embora quando se capricha na limpeza, mas também há fatores genéticos envolvidos, e algumas pessoas transpiram mais ali. Independentemente da causa, algumas coisas ajudam a evitar o chulé, como privilegiar calçados mais arejados, que facilitam a troca de umidade entre os pés e o ambiente, e deixar os pés ao ar livre no fim do dia.

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6- Tem que secar direito

Tão importante quanto lavar os pés é secá-los. A umidade excessiva pode atrair fungos, que não só provocam mau cheiro e ardência como abrem alas a infecções difíceis de tratar — mais uma vez, o perigo é maior para quem convive com o diabetes e tem problemas de cicatrização.

Após garantir um bom enxágue, sem deixar resquícios de sabão na pele, a atenção principal na secagem deve estar na região entre os dedos, que costuma ser mais difícil de atingir com a toalha, e acaba se tornando o principal foco de umidade.

Para prevenir encrencas, o ideal é evitar o uso de meias e calçados fechados imediatamente após lavar os pés a fim de que eles continuem a secar naturalmente. Recorrer ao secador em temperatura ambiente também pode ser uma saída.

7- O corte das unhas

Ele tem tudo a ver com a higiene e a prevenção de infecções. Unhas encravadas são um prato cheio para dores e outras chateações. A recomendação é fazer o corte em linha reta, removendo só as pontas que ficam mais pronunciadas.

Um corte muito arredondado ou uma incisão nos cantinhos fazem com que as unhas cresçam contra a pele, encravando ou gerando feridas. Nessas áreas, o jeito é empregar a lixa e deixar tesoura e alicate de lado.

Não só a maneira de cortar demanda cautela, mas também os equipamentos utilizados: eles devem ser sempre higienizados e, de preferência, esterilizados, para não correr o risco de levar micróbios à região. Pessoas com unhas encravadas constantemente tiram proveito do serviço de podólogos e outros especialistas.

8- A escolha do sapato

O primeiro ponto a considerar é o conforto: calçados apertados provocam a formação de calosidades, e aqueles que deixam os pés em uma posição diferente da natural acabam causando mais estresse que o necessário em ossos e articulações, favorecendo as dores e as lesões.

O caso clássico é o salto alto, que faz o peso da pisada ficar principalmente sobre os dedos e reduz drasticamente a pressão que normalmente seria absorvida pelo calcanhar.

A orientação dos profissionais é dar preferência aos calçados que propiciam uma caminhada mais próxima do natural: um modelo feito com tecido flexível, com o solado mais fino e plano e que permita o máximo de movimentos imitando o andar descalço. Para algumas pessoas com problemas nos pés, porém, sapatos específicos ou personalizados são a melhor pedida.

9- Massagem merecida

É possível fazer por conta própria para garantir o relaxamento da região, além de melhorar o fluxo sanguíneo ali. Utilize cremes ou óleos essenciais e manipule o pé inteiro, começando pela dobra dos dedos, passando pela parte superior e depois pela sola, apertando delicadamente até onde se sentir confortável.

A massagem pode ser feita todos os dias, por 15 minutos. O processo deve ser prazeroso. Caso sinta dores frequentes ao encostar em alguma parte do pé, não insista e procure um médico para verificar o que acontece.

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10- Bora hidratar

Pés ressecados resultam em rachaduras, que podem evoluir — sobretudo com o envelhecimento e doenças crônicas — para feridas chatas de sarar, um terreno também fértil para infecções.

Os experts indicam primeiro uma boa esfoliação (com utensílio adequado, não lixa) para remover a pele morta e facilitar a entrada do hidratante.

Existem cremes específicos para os pés: eles devem ser bem espalhados para não só garantir a absorção mas também não deixar a pele úmida. Lembre-se de esperar secar antes de sair andando por aí a fim de evitar escorregões.

11- Autoexame dos pés

Não é nada complicado: basta checar a região com alguma frequência, em geral após o banho, para caçar frieiras, feridas, rachaduras… A inspeção inclui o vão entre os dedos e o pedaço ao redor e sob as unhas. Tudo isso pode servir de porta de entrada para bactérias e fungos.

Também vale sondar a presença de calos e inchaços, às vezes não tão evidentes à primeira vista, porque essas formações costumam sinalizar que o calçado não está sendo bacana com seus pés. O autoexame deve ser ainda mais apurado no caso dos diabéticos, devido à possível falta de sensibilidade na região. Se preciso, peça ajuda aos familiares para essa tarefa.

12- Procure um especialista

Diferentes profissionais atuam na linha de frente dos problemas com os pés: dermatologistas, ortopedistas, enfermeiros, podólogos, fisioterapeutas etc. E inchaços, dores, vermelhidão e cortes que não cicatrizam exigem mesmo um olhar profissional. A dor é o sinal mais notável de que alguma coisa está errada no corpo, mas não é o único a soar o alerta.

Feridas que não vão embora, sangramentos abruptos, mudança na coloração da pele e micoses que cedem e reaparecem são algumas das situações que devem ser avaliadas e tratadas com o apoio de um especialista. Isso evita complicações e garante o bem-estar que as estruturas que nos mantêm literalmente de pé tanto merecem.

 

 

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