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Controle do colesterol agora está mais rígido. Veja as novas metas para proteger o coração

Novas diretrizes dos cardiologistas recomendam colesterol abaixo dos 115mg/dL para população em geral e criam categoria de "risco extremo"

Por Sílvia Lisboa, Maurício Brum, Valentina Bressan, Clarice Sena e Thiago Müller (texto), Letícia Raposo e Sergio Bergocce (design e ilustração)
Atualizado em 22 set 2025, 15h48 - Publicado em 19 set 2025, 15h20
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O colesterol alto é um dos principais fatores de risco para infartos e AVCs  (Design: Letícia Raposo/Estúdio Coral / Lettering: Sergio Bergocce / Foto: Iryna Veklich/Getty Images/Veja Saúde)
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Na prescrição do seu próximo check-up, é provável que uma nova e estranha sigla dê as caras: Lp(a). Os cardiologistas se referem a ela como “Lp-azinho”, mas, embora o nome soe inofensivo, não se engane. A lipoproteína (a) é uma ameaça das grandes. “Seu apelido virou ‘o colesterol amaldiçoado’”, conta o cardiologista André Zimerman, do Hospital Moinhos de Vento, em Porto Alegre.

Pois é, trata-se de uma prima do colesterol LDL — aquele popularmente chamado de “ruim” —, só que cinco vezes mais agressiva às artérias. Ou seja: quem tem altos níveis de Lp(a) no sangue, algo determinado pela genética, corre um risco tremendamente maior de sofrer um infarto ou AVC.

Por isso, medi-la uma vez na vida acaba de entrar na lista de recomendações para o controle do colesterol e a proteção contra doenças cardiovasculares. E essa é uma das mudanças que fazem parte da novíssima Diretriz Brasileira de Dislipidemias e Prevenção da Aterosclerose, elaborada pela Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) e apresentada no 80º Congresso Brasileiro de Cardiologia, em São Paulo.

VEJA SAÚDE teve acesso antecipado ao documento, que também inclui metas mais rígidas para o LDL, estabelece o momento ideal para entrar com medicações e sublinha a necessidade de identificar o risco cardiovascular precocemente, com base em uma lista de fatores ainda mais ampla.

“É uma atualização da diretriz de 2017, mantendo o foco na estratificação de risco, mas com uma abordagem diferente, mais refinada e individualizada”, resume a cardiologista Fabiana Rached, médica do Instituto do Coração (InCor), na capital paulista, e uma das coordenadoras do trabalho. “Há uma ênfase em identificar os indivíduos de mais alto risco e a introdução do conceito de risco extremo”, detalha.

Nessa matéria, você vai conferir:

  1. As novas diretrizes para o controle do colesterol
  2. Os perigos do colesterol alto
  3. O que é a Lp(a), ou o “colesterol amaldiçado”
  4. Quais são os tipos de colesterol?
  5. Por que a influência genética não é uma sentença
  6. O papel do estilo de vida no controle
  7. Desinformação sobre remédios atrapalha tratamento
  8. Quando fazer exames para dosar o colesterol?
  9. As novas metas de colesterol
  10. Como saber meu grau de risco?
  11. Quais são os exames essenciais para proteger o coração?
  12. Os tratamentos cada vez mais modernos para domar o colesterol
  13. O que faz o colesterol subir 
  14. A hipercolesterolemia familiar 
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As novas diretrizes para o controle do colesterol

Embora seja voltada para cardiologistas e outros médicos de todas as regiões do país, a diretiva tem o objetivo de expandir e popularizar as recomendações também entre os pacientes. E isso é mais do que urgente.

Em primeiro lugar, porque se estima que 40% da população adulta no Brasil conviva (por vezes sem saber) com o colesterol alto, e as doenças cardiovasculares patrocinadas por ele lideram as causas de morte no mundo.

Segundo porque o desconhecimento sobre o assunto ainda é gritante. Um levantamento da Global Heart Hub, em parceria com o Instituto Lado a Lado pela Vida, revela que apenas metade dos brasileiros com níveis elevados de colesterol associa o quadro ao desenvolvimento dos problemas nas artérias.

Pior: 50% dos entrevistados não alteraram o estilo de vida após receber o diagnóstico nem sabiam da importância dos remédios para baixar as taxas. É uma realidade que, infelizmente, ainda destoa dos avanços recentes na medicina.

+Leia também: Colesterol: maioria das pessoas não controla direito e desconhece o risco

O cardiologista José Francisco Saraiva, professor da PUC-Campinas e um dos autores da nova diretriz, argumenta que hoje contamos com um arsenal terapêutico capaz de reduzir drasticamente os níveis de colesterol, sobretudo em indivíduos de alto risco. “Nos últimos anos, assistimos à chegada de pelo menos seis medicações, inclusive drogas biológicas e outra que atua no RNA das células do fígado, onde se produz o colesterol”, conta o médico.

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Essas novidades vêm se somar às consagradas estatinas, por ora as únicas disponíveis no SUS. “É hora de mostrar o progresso na cardiologia inclusive para diminuirmos as diferenças no acesso ao melhor tratamento”, afirma o especialista.

Ainda que o foco da diretriz seja o colesterol, em última instância a missão é evitar desfechos graves e potencialmente fatais. “Quando tratamos o colesterol alto, o objetivo final não é baixar as taxas. É impedir que você tenha um infarto e deixe de ir à formatura do seu neto”, frisa Saraiva.

Por falar em netos, o documento da SBC também ressalta a importância de começar os cuidados com o coração ainda na primeira fase da vida. “Falamos de uma doença crônica e progressiva, que pode se iniciar na infância. Então temos múltiplas oportunidades de prevenção e intervenção ao longo dos anos”, explica Rached.

Os perigos do colesterol alto

A nova diretriz da SBC busca, portanto, o controle do colesterol, em suas várias encarnações, e a prevenção da aterosclerose — o processo de formação de placas capazes de obstruir as artérias, estopim para infartos e AVCs.

Como a maioria das doenças crônicas, ela tem uma trajetória lenta e silenciosa. A questão é que não dá para esperar o surgimento de sintomas e sinais de atenção. Quando eles aparecem, provavelmente o problema já está em um estágio mais crítico e avançado.

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“Ao atingir os vasos que irrigam o coração, isso leva à angina e ao infarto. No cérebro, ao AVC. E, na circulação dos membros, à doença arterial periférica”, resume o cardiologista Roberto Kalil Filho, presidente do Conselho Diretor do InCor. “Os sintomas dependem justamente das artérias acometidas. Em grande parte, são as coronárias, no coração, que se manifestam com dor no peito e falta de ar.”

Outro perigo intensificado pelo colesterol alto é a chamada estenose aórtica, que afeta o funcionamento das válvulas que bombeiam o sangue a partir do músculo cardíaco. Sim, é uma legião de ameaças.

Por tudo isso e mais um pouco, os especialistas reforçam a necessidade de incluir exames de sangue e imagem no check-up periódico. Até porque é possível intervir e deter o avanço da aterosclerose atuando, com mudanças de hábito e/ou medicamentos, numa série de fatores: excesso de peso, hipertensão, diabetes e, claro, o colesterol alto propriamente dito.

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Clique na imagem para ampliar (Design: Letícia Raposo/Estúdio Coral/Veja Saúde)

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O que é a Lp(a), ou o “colesterol amaldiçado”

Ainda assim, como explicar aqueles casos em que a pessoa tem um ataque cardíaco relativamente jovem, sem estar acima do peso ou portar qualquer uma dessas condições?

Parte da resposta está nesse novo elemento que passa a integrar as recomendações da diretriz: as taxas elevadas de Lp(a). “Estudos mostram que ela é herdada geneticamente e está presente naquelas famílias nas quais as pessoas infartam mais cedo”, diz a médica Flávia Coimbra, diretora da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (Sbem).

A bioquímica ajuda a entender o drama. Formadas por gordura e proteínas, as lipoproteínas são um termo guarda-chuva para os diferentes tipos de colesterol que já estavam na mira ou começaram a despertar a atenção dos experts. Essas partículas podem ser de baixa densidade, como o LDL, que se acumula nos vasos sanguíneos, levando às encrencas, ou de alta densidade, como o HDL, que transporta colesterol até o fígado para ser eliminado da corrente sanguínea, o que lhe rendeu o apelido de “colesterol bom”.

Existem outras lipoproteínas, como o VLDL, de muito baixa densidade, que transporta moléculas gordurosas para os tecidos e também entra na conta do grupo mais problemático: o do colesterol não HDL. Essa parcela já é medida nos exames de lipidograma convencionais, mas a novidade, proposta pela SBC, é que o limite deve ser ainda mais baixo, até mesmo para pessoas classificadas com menor risco cardiovascular.

A entrada da dosagem de Lp(a) nesse enredo tem a ver com a maior capacidade de essa versão do colesterol causar estragos. Tudo porque a partícula é formada pela junção de um LDL com uma apolipoproteína (a), o que a torna mais “pegajosa” e capaz de aderir às paredes dos vasos sanguíneos, fomentando o desenvolvimento das placas de gordura e obstruções mais graves.

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Zimerman, que também assina a nova diretriz, compara a apolipoproteína (a) a uma cauda acoplada ao LDL, capaz de dotá-lo de um potencial inflamatório ainda maior. Daí a importância de rastreá-la em exames.

Quais são os tipos de colesterol?

Nesse balaio de letras, convém se familiarizar com alguns detalhes e distinções. Até para não se confundir. Apolipoproteínas (ou “apos”) são moléculas que podem andar lado a lado com diferentes partículas de colesterol. A apolipoproteína (a) é a que torna a lipoproteína (a) tão amaldiçoada.

Mas existem outros tipos. Existe a Apo-A (sim, com A maiúsculo), que é vinculada ao HDL e, portanto, é associada a uma proteção cardiovascular — uma diferença nada sutil, não? E tem a Apo-B, que costuma estar conectada ao LDL, sendo um marcador de risco para a aterosclerose.

Essa Apo-B, inclusive, estreou na nova diretriz nacional, e pode ser averiguada em um exame para avaliar de forma mais minuciosa os riscos de cada indivíduo.

Voltando à Lp(a), apesar de a indicação para sua dosagem ter despontado só agora, a molécula em si não é uma descoberta recente. Ela é conhecida desde a década de 1960, mas apenas nos últimos anos pesquisas mapearam seu papel traiçoeiro para as artérias. E também sua incidência assustadora.

Um estudo com mais de 115 mil pessoas, conduzido pela Novartis e a Dasa, mostrou que 18% dos brasileiros têm níveis de Lp(a) alterados. Transpondo para a nossa população, isso significaria que mais de 38 milhões de pessoas convivem com o perigo no país. O que isso significa?

“Todo mundo vai precisar saber o seu nível como sabe o número que calça”, enfatiza Zimerman. O bom é que basta um único exame, uma vez na vida, para aferir. No momento, porém, não há tratamento específico contra o “colesterol amaldiçoado”. As famosas estatinas e o combo dieta e exercício não fazem cosquinha nele.

O futuro é mais auspicioso em termos terapêuticos, mas, por ora, a recomendação é controlar com ainda mais rigidez as taxas de LDL, bem como a pressão, a glicemia, o peso…

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Clique na imagem para ampliar (Design: Letícia Raposo/Estúdio Coral/Veja Saúde)

Os médicos não têm dúvida: a chave para prevenir os problemas associados ao colesterol alto é agir quanto antes sobre os chamados fatores de risco modificáveis.

E é aí, na prevenção e no manejo, que os brasileiros pecam. “Se o Brasil fosse um paciente, seria um que não está bem tratado do colesterol”, diz o endocrinologista Carlos Eduardo Barra Couri, coordenador do Diacordis, evento anual que reúne endócrinos e cardiologistas. “Um dos maiores desafios é garantir a adesão às medidas de controle, incluindo os medicamentos”, prossegue o pesquisador da USP de Ribeirão Preto.

A preocupação, que perpassa o novo guia da SBC, é convencer as pessoas a se cuidarem — ao longo da vida e antes mesmo que as alterações nos exames e os sintomas apareçam.

“Uma pessoa que apresenta um colesterol muito alto aos 60 anos pode não ter um quadro tão grave quanto um paciente jovem com colesterol um pouco alto a vida inteira, porque ele tem um tempo maior de exposição a esse fator de risco ao longo dos anos”, compara Coimbra. E, não tem jeito, os cuidados têm de ser redobrados quando a loteria genética não joga a seu favor.

+Leia também: As 10 dicas de ouro para proteger o seu coração, segundo a ciência

Por que a influência da genética não é uma sentença

Estima-se que mais de 90% dos casos de Lp(a) alto sejam inteiramente atribuídos a alterações no DNA. É um risco, portanto, que acompanha a vida inteira do sujeito e realmente o expõe à maior probabilidade de sofrer um piripaque mais cedo.

Além dessa situação, escancarada pela diretriz da SBC, outra condição alimentada pelos genes, ainda que menos frequente, é a chamada hipercolesterolemia familiar, problema que transcende gerações e leva a níveis elevadíssimos de LDL. Mas, mesmo nesses casos mais persistentes e difíceis de controlar, há medidas a serem tomadas para minimizar sustos.

O papel do estilo de vida no controle

O primeiro passo, nesse sentido, é identificar a propensão logo cedo para bolar um plano de intervenção — quase sempre com o apoio de remédios.

À mesa, dá para cortar os alimentos mais gordurosos, uma lista que inclui frituras, embutidos, carnes gordas e ultraprocessados, ao mesmo tempo que se investe em uma dieta baseada em comidas mais naturais, com foco nos vegetais e demais fontes de fibras, que reduzem a absorção do colesterol — aliás, cabe lembrar que a maior parte do colesterol em si é produzida pelo próprio organismo, no fígado, e a menor parte vem do cardápio.

Ciente de que corre maior risco, o paciente também deve se engajar em ficar menos tempo sentado e praticar atividade física. A nova diretiva da SBC reforça o que a Organização Mundial da Saúde (OMS) já prescreve: realizar ao menos 150 minutos de exercícios moderados (ou 75 minutos de práticas intensas) por semana.

É uma orientação que se estende a qualquer pessoa, independentemente dos níveis de colesterol e da carga genética envolvida. Para quem está parado, dá para começar com uma caminhada. E ir evoluindo, gradualmente, para modalidades que cobram mais esforço.

Fora isso, o roteiro não muda tanto. É preciso buscar um sono restaurador, gerenciar o estresse e evitar o cigarro e a bebida alcoólica.

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Clique na imagem para ampliar (Design: Letícia Raposo/Estúdio Coral/Veja Saúde)

Desinformação sobre remédios atrapalha tratamento

Inúmeras vezes, o indivíduo com exames alterados sairá do consultório com a receita de medicamentos que baixam o colesterol. E, aí, a desinformação pode ser um obstáculo.

Muita gente pensa que é melhor evitar os remédios e teme mais os supostos efeitos colaterais do que a bagunça nas artérias em si. “Pacientes me perguntam se as estatinas são aquele comprimido que causa dores musculares. E eu respondo que esse é o remédio que previne infartos e as maiores causas de morte no Brasil”, insiste Couri.

+Leia também: Estatinas: entre novidades e fake news no tratamento do colesterol

Quando fazer exames para dosar o colesterol?

E quando é hora de começar a se preocupar com o colesterol?

A rigor, esses cuidados valem a vida toda, especialmente se o histórico familiar não for favorável. “Um perfil lipídico deve ser solicitado já na infância, em geral, dos 9 aos 11 anos, ou ainda mais cedo se houver casos de doença cardiovascular precoce na família”, orienta Viviane Giraldez, cardiologista da Unidade Clínica de Lípides do InCor. “Em adultos, não há uma determinação formal da frequência do exame, mas pode ser anual ou conforme solicitação médica.”

Quanto à Lp(a), a ideia é que, a partir do documento da SBC, os médicos passem a pedir a dosagem com maior frequência. Como ela não tende a mudar ao longo do tempo, uma única medição bastaria para determinar o risco e tomar precauções. “O ideal é mensurar a Lp(a) o mais cedo possível”, diz Zimerman.

Embora ainda não dê para derrubar intensamente as taxas dessa partícula, um maior rigor no controle do colesterol em geral, da pressão e de outros fatores fortalece a defesa das artérias.

Diante do inimigo número 1 da saúde pública, a diretriz da SBC endurece os limites e as medidas de contenção. Passa a indicar exames que não costumavam ser pedidos antes, como as dosagens de Lp(a) e Apo-B, e, para os casos mais graves, a recomendar a combinação de medicações, inclusive as de última geração, a fim de baixar drasticamente os níveis de lipídios, e em pouco tempo — isso vale sobretudo para quem já sofreu um infarto ou AVC.

Mais do que isso, o documento propõe uma mudança significativa na forma de olhar para o risco de cada indivíduo e delinear seu plano de cuidados.

As novas metas de colesterol

As metas específicas de colesterol adotadas até então — definidas de acordo com uma escala de risco classificado em “baixo”, “intermediário”, “alto” e “muito alto” — foram alteradas e ganharam até um novo patamar, o “risco extremo”, ensejando mais atenção do que no passado. Os números ajudam a visualizar.

Antes, uma pessoa considerada de baixo risco cardiovascular tinha como alvo manter o LDL abaixo da marca de 130 mg/dl. Agora, o limite é 115 mg/dl. “Os estudos mais recentes vêm mostrando que devemos ser mais rigorosos do que vínhamos sendo a fim de diminuir ainda mais o risco dos pacientes”, justifica Coimbra.

No lado oposto da escala, a diretriz até manteve a meta anterior para quem encara um risco “muito alto”: a ideia é não ultrapassar a barreira dos 50 mg/dl. No entanto, as pessoas enquadradas na inédita classificação “risco extremo” devem mirar um LDL abaixo de 40 mg/dl.

Veja como ficou:

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Clique na imagem para ampliar (Design: Letícia Raposo/Estúdio Coral/Veja Saúde)

Como saber meu grau de risco?

Ok, mas como saber em que ponto da escala o paciente está?

O médico é aconselhado agora a estimar o risco a partir de um escore validado internacionalmente e conhecido como PREVENT, baseado numa equação montada e publicada pela Associação Americana do Coração em 2024 — ela foi obtida após a avaliação de mais de 3 milhões de indivíduos e chancelada em pesquisas com um número semelhante de pacientes.

Esse escore calcula a chance de um evento cardiovascular grave ocorrer na próxima década para qualquer pessoa de 30 a 79 anos que não possua histórico de doença prévia.

Ele incorpora os fatores de risco tradicionais (sexo, idade, colesterol total e não HDL, pressão arterial, diabetes e tabagismo) a aspectos como o uso de estatinas, o índice de massa corporal (IMC) e a taxa de filtração glomerular estimada (TFGe), que avalia a função dos rins, entre outros indicadores opcionais.

Sim, o número de variáveis e marcadores foi ampliado. Cerca de 15 anos atrás, prevaleciam nos consultórios apenas registros como pressão e colesterol altos, deixando de lado uma gama de condições que também ditam a sorte das artérias. “A nova diretriz é mais contemporânea e extensiva ao usar o escore de risco para nortear a necessidade de tratamento e a intensidade dele”, afirma o cardiologista Andrei Sposito, diretor da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo (Socesp).

Embora a equação do PREVENT derive de estudos com populações de outros países, os especialistas preveem que o cálculo será refinado nos próximos anos para considerar as características do povo brasileiro. Por ora, é a melhor ferramenta disponível, ainda que seja passível de ajustes à nossa realidade.

Quais são os exames essenciais para proteger o coração?

Além da escala de risco, outros exames complementares podem contribuir para uma classificação mais precisa, personalizando ainda mais o tratamento.

A dosagem da proteína C-reativa, por exemplo, é medida com uma amostra de sangue e ajuda a entender o grau de inflamação do organismo — mais um fator que pesa no entupimento dos vasos.

Outro método útil em alguns contextos é o escore de cálcio coronário, um exame de imagem que permite avaliar placas calcificadas nas artérias do coração. Ele é capaz de detectar a chamada aterosclerose silenciosa, que não ocorre junto a um colesterol tão elevado à primeira vista e costuma estar associada a outros fatores, como diabetes, obesidade e tabagismo.

Essa somatória de medidas e o escore de risco como um todo até tornam a avaliação do paciente mais complexa, mas propiciam indicações mais precisas e assertivas no tratamento do colesterol alto.

Inclusive por levar em conta situações que, com frequência, andam ao lado dele — de hábitos pouco saudáveis a quadros de hipertensão, diabetes e companhia. “Cada pessoa tolera um nível de LDL sem desenvolver a aterosclerose. Mas outros fatores, como pressão alta, tabagismo e sedentarismo, também facilitam o aparecimento da doença”, elucida Sposito, que é professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

“Na prática, agora as pessoas poderão ser tratadas mesmo sem ter o colesterol tão elevado, justamente em função desses outros aspectos que contribuem para o maior risco cardiovascular”, completa o cardiologista. Em outras palavras: não basta olhar o colesterol sozinho e os números do resultado do exame de sangue; é preciso fazer uma análise global do paciente.

O escore de risco, saudado por especialistas como uma das medidas mais importantes da nova diretriz, ajudará os médicos a ter mais clareza de quando, como e com o que tratar cada cidadão. E isso não é pouca coisa. “Saímos de um cenário em que só havia estatinas para controlar o colesterol e entramos em outro com múltiplas terapias”, celebra Sposito.

+Leia também: O que explica tantos jovens com colesterol alto no Brasil?

Os tratamentos cada vez mais modernos para domar o colesterol

Sim, hoje há um amplo arsenal para domar as taxas de gordura circulante e mitigar a ameaça cardiovascular. Além das estatinas, a classe mais popular e usada, hoje entram em cena a ezetimiba, o ácido bempedoico, os inibidores de PCSK9 e um tratamento à base de RNA de interferência.

Não se assuste com os nomes. Eles estão aí, depois de anos de estudos, para espantar os fantasmas das artérias. Enquanto as estatinas e o ácido bempedoico impedem etapas da síntese do colesterol no fígado, a ezetimiba reduz a absorção do colesterol no intestino.

Já os inibidores de PCSK9 são injeções mensais ou quinzenais que baixam expressivamente os níveis no sangue. E, com uma proposta parecida, mas por outro meio, o inclisirana, baseado em um RNA de interferência, é uma terapia semestral que busca manter as taxas de LDL lá embaixo para não causar perrengues cardíacos.

Com essa oferta de medicamentos, a forma de conduzir o tratamento também mudou. Antes, o médico começava com doses baixas de estatinas, que eram ajustadas ao longo dos anos. Havia casos ainda mais perigosos em que esse ajuste era feito gradualmente ou só após um infarto, deixando o paciente correr um risco desnecessário.

“Às vezes, passavam-se anos em uma inércia terapêutica, em que não se buscava reduzir as taxas de colesterol imediatamente”, relata Zimerman. As novas recomendações rompem com essa inércia e sugerem, nos casos de maior risco, não esperar para combinar terapias. “A estatina chega ao seu limite nos 50% de redução de colesterol. Para quem precisa baixar mais, já devemos iniciar uma terapia combinada”, detalha Sposito.

A abordagem segue uma lógica já aplicada a outras doenças crônicas, como diabetes, hipertensão e asma. O objetivo é prescrever a dose suficiente para segurar o colesterol conforme a meta estabelecida pelo escore de risco de cada pessoa.

Como nem sempre o colesterol vem sozinho, nos casos em que o paciente também convive com diabetes ou obesidade, uma nova opção terapêutica a favor das artérias são as canetas dos análogos de GLP-1 — sim, estamos falando dos famosos Ozempic e Mounjaro. “Eles não mudam em nada o colesterol em si, mas diminuem consideravelmente o risco cardiovascular”, explica Sposito. “Estudos clínicos documentam uma redução de 15 a 20% na probabilidade de ter um infarto e AVC.”

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Aliás, a influência do peso corporal é outro ponto de atenção no tratamento. “As opções de intervenção contra o colesterol são as mesmas em pessoas com ou sem obesidade”, afirma a endocrinologista Cynthia Valerio, diretora da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica (Abeso).

“O que vai mudar é a meta dos pacientes acima do peso”, pontua. Isso significa que, de acordo com o escore de risco, essas pessoas terão de buscar um LDL ainda mais baixo — a obesidade, vale registrar, nutre um estado inflamatório nocivo aos vasos.

Agora, a pergunta que não quer calar é: e o colesterol amaldiçoado? Tem remédio contra ele? Ainda não, apesar de pesquisas com os inibidores de PCSK9 indicarem uma redução limitada a cerca de 20% nos níveis de Lp(a). Mas esse cenário deve mudar em breve.

Ao menos três medicações em teste, baseadas nas tecnologias de RNA, são capazes de baixar em mais de 90% as taxas. Elas entraram na última etapa dos ensaios clínicos, cujos resultados são esperados para 2026. “Estamos entrando em uma nova era, a da medicina de precisão. Uma era em que vamos direcionar terapias, especialmente aquelas caras e de acesso limitado, às pessoas que realmente podem se beneficiar delas”, disse a VEJA SAÚDE o cardiologista americano Peter Libby, professor da Universidade de Harvard e referência na área.

Um dos médicos mais influentes do mundo, Libby esteve recentemente no Clinical Research Summit, evento promovido pelo Hospital Moinhos de Vento, em Porto Alegre, para falar sobre o papel da inflamação como origem comum a muitas doenças, do infarto ao câncer.

No intervalo da palestra, refletiu com entusiasmo sobre como as descobertas da genética poderão prevenir e melhorar o tratamento de famílias que convivem com a Lp(a) elevada. “Se tenho um paciente que sofreu infarto precoce e sei que sua Lp(a) é alta, posso examinar seus filhos e intervir de forma mais intensiva”, expõe.

E o decano celebra a perspectiva de novos tratamentos no horizonte. “Não podemos abrir o champanhe ainda, mas já dá para colocá-lo para gelar”, brinca. É a ciência, que denunciou o colesterol amaldiçoado e seus comparsas, e hoje guia a novíssima diretriz brasileira, provendo bênçãos à humanidade.

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O que faz o colesterol subir?

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Clique na imagem para ampliar (Design: Letícia Raposo/Estúdio Coral/Veja Saúde)

A hipercolesterolemia familiar

Antes de a Lp(a) entrar no radar, já se sabia que algumas pessoas tinham maior propensão a apresentar níveis de colesterol muito elevados: é a hipercolesterolemia familiar (HF), que, como o nome indica, atravessa gerações de forma hereditária.

Ela é determinada por alterações no DNA diferentes daquelas que levam a Lp(a) às alturas, afetando os receptores de LDL nas células. Na prática, isso provoca um acúmulo maior do colesterol “ruim”. Quem tem histórico de HF deve realizar monitoramento desde cedo para avaliar os riscos e iniciar o tratamento quanto antes.

Os dois problemas não têm relação direta, mas podem se somar.

Dicionário gorduroso

Um resumo do beabá do colesterol e suas novas letrinhas a serem dosadas em exames:

Lipídios 
Nome amplo dado aos diferentes tipos de partículas gordurosas circulando no corpo, incluindo o colesterol.

Colesterol
Molécula essencial para o organismo, mas que aumenta o risco de doenças quando aparece em altos níveis.

LDL
Lipoproteína de baixa densidade, é o colesterol “ruim”, que pode se acumular e entupir as artérias. Eis o perigo.

HDL
A lipoproteína de alta densidade é o colesterol “bom”, que ajuda a remover o excesso de gordura dos vasos.

Triglicérides
Principal tipo de gordura no nosso corpo, serve como reserva de energia, mas também deve ser controlado.

Lp(a)
Quando presente, a lipoproteína (a) aumenta muito a propensão a problemas cardiovasculares.

Apo-B
A apolipoproteína-B é um marcador associado ao colesterol ruim que ajuda a medir com mais precisão os riscos do LDL.

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