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Infarto e AVC: mais de 90% das pessoas em alto risco não se tratam direito

Estudo pioneiro utiliza base de dados com registros de milhões de pessoas e chega a conclusão alarmante sobre a saúde cardiovascular do brasileiro

Por Chloé Pinheiro
Atualizado em 19 jul 2023, 16h24 - Publicado em 19 jul 2023, 15h42

Em uma análise de dados de mais de 2 milhões de brasileiros, pesquisadores descobriram que apenas 6,7% das pessoas que já sofreram infarto ou acidente vascular cerebral (AVC) tomam estatinas, medicamentos que diminuem o risco de um segundo evento. 

A grande maioria dos indivíduos (97%) também não utilizava o ácido acetisalicílico, a famosa aspirina, que é prescrita de praxe nesse cenário para prevenir novas panes. 

E mais: 92,5% dos hipertensos que já tinham infartado ou tido um derrame não tomavam remédios recomendados para eles. A hipertensão é considerada o principal fator de risco para o AVC. 

Os achados estão publicados no periódico Lancet Regional Health. A pesquisa foi feita em parceria entre a empresa epHealth, a Novartis e o Hospital Israelita Albert Einstein. E se destaca pelo tamanho do público analisado. 

“Até onde sabemos, é um estudo pioneiro por sua abrangência, porque conseguimos usar dados de visitas domiciliares feitas por agentes comunitários de saúde”, explica a neurologista Julia Machline-Carrion, autora principal do artigo e diretora de assuntos médicos da epHealth.

O trabalho revelou ainda o perfil dos indivíduos que haviam sofrido um infarto ou derrame. Mais de 95% afirmavam ser sedentários e 12% fumavam.

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Em relação às doenças que acometiam os participantes, 77% declararam ser hipertensos e 29% tinham diabetes, entre outras condições. 

Um choque de realidade

O cardiologista Raul Dias dos Santos, do Instituto do Coração (Incor) e do Einstein, que também participa do levantamento, afirma “estar chocado” com os resultados.

“É a primeira vez que conseguimos fazer um estudo tão grande para avaliar se a população estava usando os medicamentos que deveria e da forma adequada”, comenta Santos. 

Dos 2 milhões de participantes, cerca de 35 mil haviam sofrido um infarto (33% da amostra) ou derrame (73% da amostra). Essa turma tem um risco de 4 a 6 vezes maior de ter um novo piripaque ou morrer de causas cardíacas. 

Entre os ajustes necessários para evitar que isso aconteça, além da prática de exercícios físicos e das mudanças na alimentação, está a prescrição das estatinas, comprimidos que reduzem os níveis de colesterol no sangue. 

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A categoria é usada há décadas, é barata e distribuída gratuitamente pelo governo. 

O colesterol alto é a principal causa de infarto e uma das principais de AVC, e as estatinas reduzem em 25% o risco de infarto, derrame ou morte”, explica Santos. 

+ Leia também: Saúde do coração: hábitos para manter o coração em dia

Não apenas a adesão, mas a dosagem e o tempo de uso chamaram a atenção dos cientistas. É que, na pesquisa, as pessoas usaram as estatinas por 90 dias em média, sendo que é um medicamento para a vida toda.

Quem já infartou ou teve AVC precisa ainda ingerir o remédio em alta dose para manter a taxa de colesterol no sangue pela metade em relação ao usual (50mg ante 100mg para a população em geral). “E somente 0,6% dos indivíduos avaliados usava as doses corretas”, lamenta Santos. 

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Outro ponto de preocupação é em relação à hipertensão.

Mais de 77% dos indivíduos nesse recorte eram hipertensos, mas só 2,3% tomavam remédios para controlar a pressão e 7,5% aderiram à aspirina, que também é recomendada”, aponta o cardiologista. 

Raul destaca que, quando a pessoa adere aos farmácos e controla fatores como hipertensão e diabetes, a redução de um segundo evento chega a 60%.  

Por que a adesão é tão baixa?

Primeiro, essa não é exatamente uma novidade. “A Organização Mundial da Saúde (OMS) tem uma meta de que 50% da população-alvo tome esses medicamentos, mas vemos que isso só acontece, e com muita dificuldade, em países desenvolvidos”, comenta Julia.

Para nações de renda média-baixa, como a nossa, a expectativa era encontrar uma adesão na casa dos 15%, 20%, explica Santos. E a questão da renda é, aliás, uma das explicações para esse cenário pior do que o esperado. 

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“Pessoas brancas e que não estavam no norte do Brasil [região com desafios históricos no acesso à saúde] eram mais propensas a relatarem o uso dos medicamentos, isso indica influência da desigualdade social nos resultados”, destaca Santos.

Os dados utilizados vieram do Sistema Único de Saúde (SUS). 

O especialista destaca que muitas variáveis podem influenciar na adesão, mas que a falta de conhecimento da população é um desafio já conhecido.

“A maioria das pessoas não têm ideia da importância do colesterol e da pressão nos problemas cardiovasculares. Sem os remédios, você não controla esses dois fatores, mas se acredita que ‘baixou, não preciso mais tomar’”, comenta o médico. 

Por fim, Santos destaca o papel das notícias falsas. “As estatinas revolucionaram a cardiologia, são uma terapia eficaz e segura, mas, mesmo assim, encontramos muita gente falando mal delas na internet, num movimento anticiência”. 

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Como foi feito o estudo

O trabalho analisou dados de um aplicativo utilizado por agentes comunitários de saúde, que realizam visitas períodicas a casa de milhões de pessoas em todo o Brasil como parte da Estratégia de Saúde da Família (ESF). 

Nesses encontros, os usuários do SUS têm alguns parâmetros de saúde avaliados e são questionados sobre estilo de vida, presença de doenças e utilização de medicamentos. As informações são inseridas pelos profissionais no aplicativo. 

Esses dados foram extraídos e anonimizados, para garantir a privacidade dos participantes, seguindo uma norma ética desse tipo de pesquisa. Depois, analisados pelos pesquisadores com técnicas estatísticas. 

E o resultado foi uma evidência de mundo real, como dizem os pesquisadores. 

“Temos muitas informações que vêm de fontes hospitalares, mas vale lembrar que, no nosso país, 90% dos municípios são de pequeno porte, e muitos não têm hospitais, então uma camada grande a população não é contabilizada nesses dados”, comenta Julia. 

Evidências de mundo real

Com o avanço do uso da tecnologia, as evidências de mundo real têm ganhado destaque na comunidade científica. 

Entre as vantagens, estão o aproveitamento de dados que já são gerados pelo sistema de saúde, o baixo custo, o menor tempo de execução e a possibilidade de agregar mais diversidade às pesquisas clínicas

No trabalho protagonista da reportagem, mais de 70% dos indíviduos eram não-brancos, população que costuma ficar de fora dos estudos.  

Pesquisas do tipo dão pistas importantes, mas devem sempre ser confirmadas por outros ensaios mais “clássicos”, onde as informações são colhidas já com as perguntas a serem respondidas em mente. 

Isso é importante para entender se os resultados se confirmam num ambiente controlado e esclarecer os motivos por trás deles. 

“Neste caso, não sabemos se os medicamentos foram prescritos, se a pessoa deixou de tomar ou não encontrou em nenhum lugar, por exemplo”, explica Santos. 

Será preciso, ainda, verificar se a adesão é baixa assim em outros extratos sociais. “Se os dados condizerem com a realidade do Brasil, estamos diante de um problema sério”, alerta Santos. 

As doenças cardiovasculares são a principal causa de morte e incapacidade, e elas são preveníveis com o manejo adequado. 

Enquanto falamos de novos (e mais caros) tratamentos chegando para baixar o colesterol em casos mais complicados, as estratégias mais simples ainda não são aplicadas com sucesso. 

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