Relâmpago: Revista em casa a partir de 10,99

Esqueça os carneirinhos: novos recursos te ajudam a dormir melhor

A tecnologia está evoluindo para transformar as noites de sono, mas há pegadinhas. E o fator decisivo ainda está em suas mãos

Por Lucas Rocha (texto e reportagem) | Laura Luduvig (design e ilustração) | Liudmila Chernetska/Getty Images (foto)
7 abr 2025, 10h45
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A tecnologia pode ser uma aliada e tanto do sono de qualidade (Foto: Liudmila Chernetska/Getty images | Design e ilustração: Laura Luduvig/Veja Saúde)
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Distante, misterioso e inacessível: assim o mundo do sono foi encarado durante séculos. O que se sabia a respeito dele se limitava a mera observação ou a relatos da própria experiência ao pregar os olhos, entre sonhos e pesadelos.

As coisas começaram a mudar a partir do século 19, quando o médico alemão Ernst Kohlschütter passou a investigar de maneira sistemática a mudança dos limiares do despertar ao longo da noite a partir de estímulos acústicos.

O avanço científico nas décadas seguintes permitiu analisar processos fisiológicos na calada da noite, tais como a circulação sanguínea e o repouso muscular.

Mas o salto no conhecimento só foi dado com o desenvolvimento de instrumentos capazes de desvendar os mecanismos cerebrais, com destaque para o eletroencefalograma, engenhoca inventada nos anos 1920 por outro alemão, o neurologista Hans Berger, que tornou possível ler a atividade elétrica dentro do crânio.

As descobertas que vieram à tona desde então — e por meio de outros experimentos e equipamentos — abriram as portas para a compreensão da biologia do sono humano, de seus diferentes estágios e dos distúrbios típicos do período em que passamos cerca de um terço de nossa vida.

Como em ciência nada acontece da noite para o dia, foram necessários inúmeros esforços, investimentos e estudos até se desenhar uma especialidade chamada medicina do sono, que, a partir da segunda metade do século 20, passaria a galgar passos à medida que o padrão de sono e o estilo de vida nas grandes cidades também sofriam uma revolução.

“Os distúrbios do sono começaram a ganhar maior importância a partir dos anos 1960 e 70, quando a sociedade passava por transformações cada vez mais estressantes, com reflexos físicos e mentais”, explica Gabriel Pires, professor de medicina do sono da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

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Com mais gente se queixando de insônia, roncos e demais perrengues, outras profissões pediram passagem para investigar e solucionar as demandas, tanto que hoje os dilemas do sono são abordados por psicólogos, fonoaudiólogos, dentistas etc.

Em paralelo a esse movimento, a tecnologia também se aprimorou na esteira das pesquisas focadas em parâmetros do repouso noturno, nos ciclos do sono e na relação entre eles e problemas de saúde.

Agora, além de um rol de exames mais específicos (alguns até feitos em casa), aplicativos e dispositivos eletrônicos oferecem um admirável novo mundo de saídas para mensurar e melhorar a qualidade do descanso e também tornar mais efetivo o tratamento de condições extremamente prevalentes, como insônia e apneia.

De acordo com uma análise da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), 72% dos brasileiros apresentam alterações de sono potencialmente prejudiciais. Sim, é muita gente! E é a elas que se destinam lançamentos que, em ritmo impressionante, brotam no mercado prometendo substituir velhos métodos, como contar carneirinhos, ou acabar com os despertares e ruídos noturnos.

Programas de celular, relógios e anéis inteligentes, máscaras, remédios e até sprays pipocam por aí. Resta saber o que realmente faz diferença nas altas horas.

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Hoje existem dezenas de aplicativos para baixar no celular. Entre os mais recomendados, está o Vigilantes do Sono, que tem como foco a mudança de hábitos a partir da utilização de recursos da terapia cognitivo-comportamental para insônia. O app SleepUp, por sua vez, consiste em uma plataforma com programas personalizados obtidos por meio de dados do usuário.

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Distúrbios do sono atrapalham a qualidade de vida (Foto: Liudmila Chernetska/Getty images | Design e ilustração: Laura Luduvig/Veja Saúde)

Os vilões do sono

Os problemas para dormir geralmente se encaixam em três grandes frentes de batalha. Há pessoas que sofrem com os golpes duros da insônia, outras que enfrentam a apneia obstrutiva e aquelas que travam uma luta ferrenha contra a sonolência durante o dia.

Imagine que você está no meio de um sonho tranquilo e, de repente, surge uma vilã de novela, tal como a icônica Nazaré Tedesco, tentando sufocá-lo com um travesseiro. De tirar o fôlego, né? Literalmente. Essa é a sensação de quem convive com a apneia do sono, um quadro associado a sucessivos bloqueios na respiração ao longo da noite.

A condição afeta cerca de 1 bilhão de pessoas no mundo, de acordo com um amplo estudo publicado no periódico científico The Lancet Respiratory Medicine, levando a perdas significativas para a qualidade de vida e a um maior risco de doenças.

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Esse é justamente o fantasma que assombra as noites do músico paulista Felipe Bernardo, de 37 anos. Ele percebeu indícios do problema há cerca de dois anos por roncar e acordar sentindo falta de ar. Desde então, já tentou de tudo: chás, remédios e dilatadores nasais, e só pulou a meditação por falta de paciência.

“Cheguei a fazer uma consulta com um médico, que prescreveu um relaxante muscular para ajudar, mas ainda preciso fazer uma polissonografia”, conta, referindo-se ao exame realizado em clínicas especializadas que monitora o sono.

Para o músico, adormecer não é lá um desafio. Porém, a qualidade do descanso é comprometida devido às adversidades respiratórias da apneia.

“Quase sempre acordo cansado no dia seguinte. Às vezes, uso um acessório metálico no nariz, que melhora a respiração, mas é bastante incômodo”, relata. Dividindo-se entre atividades de trabalho e estudos, Bernardo diz que pretende retornar ao médico em breve, assim que conseguir uma pausa na rotina atribulada.

Porém, enquanto isso, a saúde vai pagando um pedágio. De noite e de dia.

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Casos como o do músico paulista são bastante comuns, devido à percepção equivocada de que distúrbios do sono são questões corriqueiras (o famoso “é normal!”) ou passageiras.

O raciocínio é compreensível. Em parte, as encrencas noturnas estão relacionadas ao estresse cotidiano. O que leva à falsa sensação de que basta a vida entrar nos eixos que a paz voltará. Mas não é bem assim… Nem para a apneia nem para a insônia, outra assombração em alta.

Nesse caso, as causas e consequências, bem como as manifestações, variam de pessoa para pessoa. Embora um quadro agudo possa se instalar após uma situação de tensão ou ansiedade, a insônia pode se tornar crônica quando a batalha para pregar os olhos permanece mesmo após sumirem os contratempos que serviram de gatilho.

“Significa que a pessoa continua sendo incapaz de dormir, mesmo que o estresse já tenha passado e, com frequência, o sujeito não procura ajuda especializada e deixa aquela situação evoluir a ponto de virar uma parte da personalidade dele”, conta Pires, que também é membro da Academia Brasileira do Sono.

Nesse contexto, não são poucos que acabam recorrendo a receitas caseiras, remédios por conta própria e a todo tipo de invencionice espalhada pelas redes sociais. Quase sempre sem sucesso.

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E isso quando não deparam com efeitos colaterais da automedicação — certas drogas podem gerar dependência e atrapalhar uma série de processos fisiológicos.

Nessas condições, negligenciar o apoio médico, com o diagnóstico e o tratamento corretos, pode render consequências desastrosas, de impactos imediatos, como cansaço e sonolência diurna e alterações de humor, aos de médio e longo prazo, caso de doenças cardiovasculares.

Fora a privação intencional, distúrbios comuns prejudicam as noites… e os dias.

Apneia: envolve a diminuição ou bloqueio do fluxo de ar. Pausas duram de 10 a 30 segundos, arruinando a oxigenação e o descanso.

Narcolepsia: o problema crônico causa sonolência excessiva durante o dia e afeta intensamente as atividades cotidianas.

• Sonambulismo: condição se manifesta na fase mais profunda do sono, com a realização de atividades sem a plena consciência.

Síndrome das pernas inquietas: uma necessidade incontrolável de se movimentar para aliviar uma sensação de desconforto.

• Insônia: é a dificuldade persistente para iniciar ou manter o sono, mesmo em condições adequadas.

• Bruxismo: excesso de tensão nos músculos da região da face, leva ao choque entre os dentes, provocando desgaste.

Paralisia do sono: é uma impossibilidade temporária de se mexer ou falar na transição entre o sono e a vigília. Pode ser traumática.

Soluções remotas

A polissonografia, exame feito em clínicas durante uma noite para avaliar o sono, é o padrão ouro na identificação de problemas como a apneia. Mas o avanço está chegando… às nossas casas.

Um dispositivo criado pela Biologix, embora não substitua por completo o desconfortável teste, já permite inspecionar a qualidade do sono por meio de um sensor no dedo conectado ao celular.

Relógios, discos e anéis com sensores

O monitoramento do sono pelo próprio usuário por meio de gadgets está virando tendência. Os dados obtidos são interessantes, desde que se entenda que não realizam diagnóstico nem substituem o médico.

Tampouco são úteis se você não mudar hábitos negativos. Exemplos disponíveis são os relógios da Polar, o dispositivo Halo Rise (Amazon) e o anel Galaxy Ring (Samsung).

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Aparelhos para tratamento da apneia estão cada vez mais aprimorados (Foto: Liudmila Chernetska/Getty images | Design e ilustração: Laura Luduvig/Veja Saúde)

Fases do sono

Durante a noite, passamos por quatro estágios, repetidas vezes, e em ciclos.

Sono leve

É o início do período de transição entre a vigília e o sono. Batimentos cardíacos, respiração e movimento dos olhos ficam lentos. Dura poucos minutos.

Etapa intermediária

Há um aumento do relaxamento e queda da temperatura corporal. A atividade das ondas cerebrais diminui. Dura de 10 a 25 minutos no primeiro ciclo.

Sono profundo

Pode durar de 20 a 40 minutos nos ciclos da primeira metade da noite. Depois, acontece em períodos mais curtos. Precisamos dele para acordar dispostos.

Sono REM

Marcado pelo rápido movimento dos olhos e ondas cerebrais, respiração e frequência cardíaca semelhantes às da vigília… Importante para preservar a cognição.

+ Leia também: Saiba a melhor posição para dormir e evitar apneia, ronco e dores nas costas

Autoconhecimento

Conhecer melhor o próprio corpo é um passo decisivo para o desenvolvimento de uma rotina saudável. E esse pressuposto se aplica ao sono.

Nesse sentido, a tecnologia, que tanto espanta o sono hoje com a luz e os feeds nas telas, pode se transformar em aliada com uma nova geração de sensores, rastreadores e relógios inteligentes. São ferramentas que avaliam movimentos corporais, gravam áudios para detectar roncos e até tocam música para relaxar.

Contudo, esses recursos não dispensam as orientações médicas e as boas práticas de higiene do sono — aquelas regrinhas que incluem evitar celular e TV antes de dormir, não ir para a cama de estômago cheio e criar no quarto um ambiente tranquilo.

É o que defende o pneumologista Gleison Guimarães, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e autor do livro Supersono (Gente Editora – clique para comprar).

Em um capítulo sobre tecnologias, o especialista em medicina do sono destaca como apps e devices podem ser úteis, desde que sejam somados à avaliação clínica e a medidas sabidamente eficazes. “A chave é manter um bom estilo de vida e garantir ambientes propícios para dormir, mantendo uma rotina consistente”, frisa.

Só que, na internet e mesmo nas prateleiras das farmácias, está disponível toda sorte de artifícios para a suposta noite perfeita, como dilatadores nasais, suplementos e compostos naturais.

Os especialistas ponderam que, embora alguns produtos possam apresentar certa melhora da insônia ou alívio do desconforto respiratório, a adesão pode adiar o diagnóstico da origem do problema e atrapalhar o cuidado adequado, prolongando o transtorno e suas consequências.

“As fitas nasais, por exemplo, esquivam a pessoa de buscar um tratamento de verdade. Não passam de um paliativo”, alerta a médica do sono Leticia Soster, do Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo. Ou seja, se atenuam um pouco o ronco, não vão dar conta de uma apneia que está por trás dele.

O barulho, na realidade, surge a partir da vibração de estruturas da faringe, na região da garganta, durante a passagem de ar oprimida quando o indivíduo relaxa. Além da apneia, bastante ligada ao excesso de peso, o quadro é derivado de inchaço nas amígdalas, desvio de septo nasal e alterações hormonais.

Na tentativa de aplacar o ruído, há quem parta para saídas como dilatadores e sprays recém-lançados. Mas, se a raiz do problema não for cortada, ele continuará a dar sonoros e perigosos frutos.

Privar-se de um bom sono, de forma intencional ou em decorrência de um distúrbio, não é mero detalhe no quadro da saúde. Já é considerado um fator de risco para a mortalidade precoce.

“Conhecer o tempo e a qualidade do sono dos pacientes, bem como a relação entre eles e o adoecimento, deveria fazer parte de todas as especialidades médicas”, afirma o cardiologista Rafael Amorim, do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, na capital paulista.

O plano para criar noites melhores é amplo, e, além das consultas com profissionais de saúde, passa pela incorporação de hábitos equilibrados, pela escolha de um travesseiro e um colchão adequados — uma seara que também passou por inovações em termos de design e material — e, se necessário, pela adesão a tratamentos comprovadamente seguros e eficazes.

É um melhor investimento do que apostar em modismos, como a contagem dos ciclos do sono com apoio de inteligência artificial que viralizou nas redes sociais. Em pleno século 21, não há dúvida de que a tecnologia pode dar uma mão para compreendermos e aprimorarmos o sono — mas tem que ser a tecnologia certa, usada do jeito certo.

Primeiro remédio para apneia

A Food and Drug Administration (FDA), agência regulatória dos Estados Unidos, aprovou o remédio para perda de peso tirzepatida para o tratamento de apneia em adultos com obesidade.

A ideia é combiná-lo a dieta e atividade física para mitigar a gordura e o ronco. Trata-se da primeira opção de terapia medicamentosa para boa parte dos pacientes.

Alívio para os roncos?

Um novo spray nasal, chamado Roncolliv, promete reduzir o ruído durante a noite por meio da lubrificação das vias aéreas. Cabe uma ponderação: pessoas que sofrem com esses sintomas devem buscar avaliação médica para tratar a origem do problema, e não apenas diminuir a barulheira.

Menos é mais

O aparelho de pressão positiva contínua (CPAP), considerado padrão ouro para o tratamento da apneia, gera um fluxo de ar constante por meio de uma máscara. A máquina ganha versões cada vez mais compactas, confortáveis e que nada se parecem com os modelos iniciais da década de 1980.

O que o futuro reserva

A modulação do sono por meio da estimulação cerebral é uma das promessas no tratamento da insônia. Trata-se de um equipamento capaz de regular ondas cerebrais por meio de pulsos eletromagnéticos controlados. Mas ainda há bastante chão até que vire uma realidade.

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