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Corra do fim do mundo: como se exercitar em dias quentes e poluídos?

Como é que fica a tão necessária atividade física em meio a um clima cada vez pior, com ondas de calor e tanta sujeira no ar?

Por Chloé Pinheiro (texto), Lucas Rocha (reportagem) e Laura Luduvig (design e ilustração)
Atualizado em 22 out 2024, 14h30 - Publicado em 21 out 2024, 09h37
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Poluição do ar aumentou nos últimos meses nas cidades brasileiras, exigindo atenção dos praticantes de atividade física (Quadros e ilustrações: Laura Luduvig/Veja Saúde)
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A autora desta matéria é praticante ferrenha de atividade física. Nem sempre foi assim, mas, desde que peguei gosto pela coisa e ritmo, faça chuva, faça sol, bato ponto na academia, na piscina ou na ciclovia.

Mas, no último mês de setembro, frente a altas temperaturas e à situação terrível das queimadas que deixaram o céu de São Paulo (ainda mais) poluído, me mordeu a dúvida. Será que eu deveria me exercitar mesmo assim? Fiquei aliviada em descobrir que havia pesquisadores prontos para responder à pergunta, embora ainda haja incertezas em torno do assunto.

O que os brasileiros viveram recentemente, vale esclarecer, foi uma situação atípica — mas que pode se tornar mais frequente se descuidarmos do meio ambiente.

Além dos poluentes emitidos pelos veículos e pelas indústrias, os moradores de áreas urbanas de diversas cidades passaram a inalar também os gases e partículas liberados nos incêndios em áreas rurais e florestais do interior paulista, do Centro-Oeste e da Amazônia.

As plumas gigantescas de fumaça tomaram o continente, cobriram o céu de cinza e penalizaram a respiração. “No estado de São Paulo, houve uma multiplicação em pelo menos seis vezes da concentração de material particulado [um tipo de poluente] no ar”, calcula o pneumologista Ubiratan de Paula Santos, chefe do Departamento de Doenças Respiratórias Ocupacionais e Ambientais do Instituto do Coração (InCor) da Faculdade de Medicina da USP.

O médico estuda há décadas os efeitos dessa sujeira atmosférica no organismo e já publicou trabalhos mostrando que os atendimentos em prontos-socorros para tratar doenças cardíacas aumentam conforme caem os indicadores de qualidade do ar.

Soma-se a isso o fato de que nosso planeta está cada vez mais quente, com o clima pendendo aos extremos, inclusive no quesito umidade relativa do ar. Durante semanas, municípios brasileiros ficaram mais secos do que o deserto do Saara — lá, aliás, choveu acima da média, uma amostra grátis das mudanças climáticas.

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Afinal, devo correr nesse (ou desse) fim de mundo?

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(Quadros e ilustrações: Laura Luduvig/Veja Saúde)

Atividade física x poluição: um equilíbrio delicado

A relação entre atividade física e qualidade do ar — um índice atualizado em sites e aplicativos — sempre foi vista como uma balança.

“De um lado, o exercício é reconhecido por sua enorme capacidade de reduzir a chance de adoecer por diversas causas, como doenças cardiovasculares e tumores. Do outro, a poluição aumenta o risco desses desfechos”, descreve o pneumologista Gustavo Prado, coordenador da Comissão de Câncer da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT) e coordenador de pneumologia do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, em São Paulo.

Se o exercício pode balancear os efeitos nocivos dessa exposição, uma pulga atrás da orelha surge quando se leva em conta que, durante um treino, respiramos com mais intensidade. “O volume de ar inalado aumenta em até cinco vezes e, consequentemente, cresce a inalação de partículas que podem gerar malefícios ao organismo”, diz a fisioterapeuta Izabela Cozza, especialista em reabilitação esportiva.

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+Leia também: Monóxido de carbono, ozônio, MP2,5: o que estamos respirando com a poluição?

Que sinuca, não? Bem, Izabela e Prado estudaram, na mesma época, o impacto dos poluentes em suas pesquisas de doutorado na USP. Constataram que, realmente, eles deflagram uma inflamação generalizada e diversas alterações que elevam o risco de problemas agudos e crônicos — a lista vai de infecções respiratórias a infarto, passando por câncer.

São achados preocupantes, mas calma lá… Nas últimas décadas, os cientistas, antes focados ou na poluição em si ou nos exercícios, passaram a investigar a relação entre os dois. E a conclusão principal, para deixar claro de cara, é a de que é melhor se mexer do que ficar parado.

Sim, o exercício promove uma faxina nos vasos sanguíneos, tem ação anti-inflamatória e deixa o corpo mais condicionado para lidar com diferentes fontes de estresse, incluindo os poluentes. “Estudos em nosso laboratório demonstraram que mesmo pessoas não treinadas têm mais benefícios do que prejuízos ao se exercitar no ar poluído por até uma hora. Depois disso, a situação se inverte”, relata o educador físico Rômulo Bertuzzi, chefe do Departamento de Esporte da Escola de Educação Física da USP.

+Leia também: Ciclismo na rua: benefícios superam efeitos indesejáveis da poluição

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Seu grupo de trabalho fez recentemente outra descoberta: a de que atletas experientes podem até ultrapassar esse limite temporal. “Analisamos ciclistas que pedalaram por mais de 50 quilômetros na ciclovia da Marginal Pinheiros e constatamos que, para eles, o benefício da atividade se mantém, como se o ar estivesse limpo”, detalha.

Nos testes comandados por Bertuzzi, o nível de poluição da capital paulista era alto, acima do preconizado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), mas, ainda assim, inferior ao de agora. E aí a coisa se complica: quanto maior a dose inalada, pior para o corpo.

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(Ilustrações: Laura Luduvig/Veja Saúde)

Resistência tem limite

O patologista Paulo Saldiva, professor da USP, é uma referência na medicina brasileira, e uma de suas áreas de atuação é justamente o estudo das repercussões da poluição na saúde humana. Também é conhecido por ser um ciclista inveterado.

Nas últimas semanas, porém, tem preferido pedalar nos extremos do dia, horários de menor concentração de poluentes, que também são suas horas vagas, diga-se. “Com o tempo muito seco e poluído, não é conveniente se exercitar entre 10 e 17h, e o ideal seria evitar a atividade ao ar livre ou fazê-la em horários fora dos picos de trânsito e longe de avenidas”, ensina o especialista.

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Situações como as vividas no auge das queimadas entre agosto e setembro, ou a combinação constante de temperaturas altas e baixíssima umidade do ar, podem virar uma bomba-relógio até mesmo para pessoas bem condicionadas. “Todo mundo que treina na rua deve ter sentido algum desconforto ou uma dificuldade maior de cumprir suas metas”, nota Saldiva.

A principal razão para isso é um poluente chamado material particulado fino, o MP2,5. “Ele representa o que não foi queimado  adequadamente, e funciona como um Sedex, carregando para o fundo do pulmão uma série de moléculas nocivas, como os  hidrocarbonetos”, explica o professor.

No órgão, essas substâncias químicas desatam uma resposta do sistema imune. “Mas a poluição não é uma bactéria ou um vírus, então essa defesa não funciona tão bem. O resultado é um processo inflamatório que pode progredir e acabar reduzindo a capacidade de barrar patógenos reais”, detalha o pesquisador Ubiratan Santos.

De fato, os pulmões são os alvos mais afetados, mas tais poluentes ainda interferem em terminações nervosas importantes, que se conectam com o sistema nervoso autônomo, o mesmo que rege os batimentos cardíacos e a pressão arterial. A sujeira invisível ativa a rede de nervos que alerta e prepara o corpo para situações de emergência — e reduz a atividade do circuito que faz a regulagem oposta.

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“Esse desequilíbrio abre caminho a arritmia, angina e infarto”, sintetiza Gustavo Prado. Além disso, observa o pneumologista, as partículas finíssimas caem na corrente sanguínea e podem causar um processo parecido em outros órgãos.

Nas artérias, desestabilizam as placas de gordura que tendem a recobrir os vasos saguíneos com o avançar da idade. Esse descolamento, por sua vez, pode ser o estopim para um ataque cardíaco ou AVC.

+Leia tambémPoluição é o quarto principal fator de risco para a saúde do coração

Mesmo que o indivíduo treinado não sinta danos agudos do material particulado fino, as consequências de longo prazo assustam. A exposição assídua eleva o risco de câncer de pulmão e de bexiga.

É por tudo isso que, a partir de certo nível de poluição, indivíduos com doenças crônicas, como diabetes, hipertensão, insuficiência cardíaca e problemas respiratórios, a exemplo de asma e bronquite, são orientados a evitar exercícios ao ar livre. Mesmo se a condição estiver controlada e o tratamento em dia. É que o risco de descompensação é alto.

Tal cautela se aplica aos idosos, apesar de não existirem investigações específicas sobre a relação entre atividade física, qualidade do ar e saúde nessa fase da vida. Agora, numa situação calamitosa, como a enfrentada pelos brasileiros nos últimos meses, o alerta se estende até aos mais saudáveis e experientes.

A qualidade do ar — um índice que vale a pena conhecer melhor daqui pra frente — deve ser o fiel da balança na conta do risco-benefício. Assim como a temperatura e a umidade do ar. “Quando o clima está seco, respiramos mais pela boca, o que aumenta a entrada de poluentes, sem falar que desidratamos mais rápido, o que também aumenta a resposta inflamatória”, pontua Saldiva.

Só que nada disso, de novo, é desculpa para ficar totalmente parado. Salvo raras exceções, quase sempre é possível e recomendado se exercitar — tomando os devidos cuidados, claro. A recompensa é ganhar fôlego para encarar qualquer cenário apocalíptico no horizonte. Eu tô dentro, e você?

Índice de qualidade do ar (IQA)

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Clique na imagem para ampliar (Quadros e ilustrações: Laura Luduvig/Veja Saúde)

Efeitos do calor e da poluição no organismo

O estudo da termorregulação nunca se fez tão relevante quanto agora. Um novo livro, com a participação de cientistas brasileiros e estrangeiros, reúne o conhecimento acumulado ao longo de décadas de pesquisas na área.

A obra, chamada Regulação da Temperatura Corporal: Exercício Físico, Desempenho e Saúde (Appris, 2024 – Clique para comprar), é dedicada ao estudo de como o corpo humano responde durante a prática de exercícios físicos em diferentes ambientes térmicos, principalmente nos mais quentes.

“O livro é direcionado a todos os profissionais das áreas de saúde, principalmente aqueles diretamente envolvidos na prescrição de exercícios, como os de educação física. Ele foi pensado e escrito em uma linguagem que atenda aos estudantes de graduação. No entanto, muitas informações contidas poderão ser utilizadas também por profissionais que já estão no mercado de trabalho, pós-graduandos, especialistas de outras áreas, como gestores esportivos, dentre outros”, afirma Thales Nicolau Prímola-Gomes, professor associado do departamento de educação física da Universidade Federal de Viçosa (UFV) e um dos autores.

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Clique na imagem para ampliar (Quadros e ilustrações: Laura Luduvig/Veja Saúde)

Os principais poluentes que respiramos

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Clique na imagem para ampliar (Quadros e ilustrações: Laura Luduvig/Veja Saúde)

Fontes complementares: Guilherme Dilda, médico do esporte da Clínica Careclub e do Palmeiras

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