Os poderes do mindfulness
O poder de espantar a tensão
Uma pessoa que se atrasa para um compromisso de trabalho constata: “Estou atrasada”. Uma pessoa ansiosa, na mesma situação, antecipa uma catástrofe: “Vou perder meu emprego, vai ser horrível”. “Com mindfulness, você aprende a reconhecer que isso é só um pensamento”, explica a psicóloga Marcia Epstein, que coordena o curso Mindfulness e Compaixão do Instituto Sedes Sapientiae, em São Paulo.
A ideia é observar a experiência sem ser afetado pelo que está por vir. Não é fácil no começo, mas a prática conduz a um estado que nos blinda do estresse e da ansiedade, algo particularmente vantajoso se considerarmos a quantidade de problemas que o hábito de ruminar preocupações desencadeia. “Sabemos que a repetição de pensamentos negativos não é apenas consequência, mas também causa da depressão”, afirma o psiquiatra Paul Bernard, do Centro de Mindfulness da Universidade de Oxford, na Inglaterra.
Para combater a epidemia dessa doença, que atingirá 350 milhões de pessoas no mundo só em 2017, os britânicos apostam na Terapia Cognitiva Baseada em Mindfulness (MBCT), já aplicada em seu sistema público de saúde. Em um estudo tocado ali, 71% dos pacientes reduziram o uso de medicamentos antidepressivos. “O programa também se mostrou eficiente em casos de recaída”, nota Bernard, que apresentou um simpósio no último Encontro Internacional de Mindfulness, recém-ocorrido em São Paulo.
O bê-á-bá
Mindfulness é um estado de consciência e percepção: todos nós temos, mas ele pode (e deve) ser treinado
A base
Tudo começa com intenção e atenção. Sentado em posição confortável, você se propõe a focar em algo, como a respiração ou uma sensação tátil.
O mecanismo
A atitude é o que faz a diferença. É preciso estar aberto à experiência e deixar de lado os julgamentos prévios. Observe com curiosidade, sem expectativas.
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A consequência
Com o tempo, o resultado é o que os estudiosos chamam de equanimidade, uma sabedoria interna que permite agir sem se identificar com os dramas mentais.
A evolução
O mindfulness trabalha a capacidade de observar os próprios pensamentos, processo conhecido como metacognição. Mas só com a prática regular dá para chegar lá.
O poder de não se julgar
Não é preciso ser cientista para saber que o estado mental rege muito do nosso comportamento à mesa. Pois esse reflexo tem sido alvo de estratégias de mindfulness tanto para ajudar na perda de peso como para socorrer casos de compulsão alimentar, anorexia e bulimia. A proposta mais conhecida vem do Programa de Consciência Alimentar Baseado em Mindfulness (MB-EAT), o mindful eating, que preconiza uma ressignificação com a comida.
O lance aqui é dedicar atenção (de verdade) a esse ato que garante nossa sobrevivência: comer. Só que sem julgamentos, de fora ou de dentro. Não se deve pensar nesse modelo como uma nova dieta, mas numa mudança de postura diante das escolhas e exageros alimentares. “Emagrecer será uma consequência”, diz a nutricionista Manoela Figueiredo, do Instituto de Nutrição Comportamental, em São Paulo.
Essa reconexão consigo – e escudo contra modismos ou padrões que a sociedade impõe – é a arma usada contra os transtornos alimentares associados à imagem corporal. Katya Stübing, pesquisadora da Enfermaria de Comportamentos Alimentares do Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo, testou um programa de oito sessões específico para esses casos. Constatou que a técnica reduz níveis de ansiedade e depressão e propicia uma relação mais saudável com o prato e o espelho. “Por vezes o corpo tende à cura, mas nós nem sempre o ajudamos. Ao regular a atenção e as emoções, o mindfulness cria condições para que o organismo se recupere”, afirma Katya.
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O poder de se alimentar melhor
“As pessoas têm comido com uma carga de culpa muito grande”, observa Manoela Figueiredo. É uma paranoia que patrocina a compulsão alimentar. Isso porque encoraja o “efeito já que…”: já que você vai comer algo que não deve, que tal aproveitar o momento para abusar? “O que o mindful eating promove é um resgate dos sinais internos de fome e apetite”, defende a nutricionista.
É uma espécie de reconexão com um conhecimento intuitivo que permite perceber, por exemplo, quando estamos saciados – algo que varia bastante de um indivíduo para outro. Quando um atleta questiona a nutricionista Larissa Aguiar, que trabalha no São Paulo Futebol Clube, se pode comer brigadeiro antes da partida, ela devolve: “Não sei, você pode?”.
A ideia é que, gradualmente, os jogadores mesmos percebam o que é mais adequado e saibam administrar a vontade de comer impulsionada por emoções ou pressões externas. Nessa linha, o método também nos ajuda a identificar quem está acionando a fome: é o estômago mesmo ou são os olhos, o nariz ou a mente? A toada do mindfulness vai em direção contrária ao que apregoam as dietas restritivas, apoiadas na autocrítica constante e na sensação de fracasso quando as metas não são cumpridas.
O sucesso depende, portanto, de ter consciência que não se trata de um plano com começo, meio e fim e requer um gerenciamento das expectativas. Ou seja, o mindfulness ensina a aliar o autocontrole à coisa mais gostosa que existe, o prazer.
Para uma refeição plenamente atenta
Alguns conselhos do mindful eating, que ajuda a ter melhores escolhas à mesa – e a não abusar
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Sente-se
Nada de almoçar em pé, no carro, correndo de um lugar para outro. Sentar nos faz lembrar que é preciso parar. E não ficar fazendo outras coisas em conjunto.
Observe
Tanto o aroma, a textura e o sabor dos alimentos como as suas próprias sensações e sentimentos. Durante a refeição, faça uma autoanálise: de zero a dez, qual é o seu grau de saciedade?
Concentre-se
Nem é preciso dizer que as tecnologias são a maior fonte de distração. Desligue a TV e coloque o celular no modo silencioso – de preferência, longe da mesa.
Desacelere
A pressa é um caminho para a desatenção. Uma dica para diminuir o ritmo é comer com a mão não dominante – a esquerda, se você é destro, ou a direita, se é canhoto.
Só coma
Tenha foco exclusivo na refeição e deixe o resto para depois. Procure estar envolvido com tudo o que acontece à mesa, sem deixar os pensamentos passearem ou reféns de aflições.
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O poder de viver mais (e feliz)
É de se perder de vista o número de potenciais aplicações do mindfulness não só na prevenção mas como elemento coadjuvante no controle de doenças crônicas. O assunto tem visitado, com cada vez mais destaque, congressos de oncologia, neurologia e cardiologia. “Ainda existe uma resistência a esse tipo de abordagem, mas ela já foi bem maior”, avalia o médico Mário Borba, do Grupo de Estudos em Espiritualidade e Medicina Cardiovascular da Sociedade Brasileira de Cardiologia.
Multiplicam-se os indícios de que a prática – sobretudo quando orientada por um profissional capacitado – melhora o padrão de sono e até mesmo os níveis de pressão arterial. Dá pra dizer que mindfulness (ou meditação) é pré-requisito para quem quer ampliar sua expectativa de vida. Palavra de Prêmio Nobel de medicina. “Pessoas que tendem a concentrar mais suas mentes no que estão fazendo têm telômeros mais longos que aquelas cujas mentes divagam mais”, revela a americana Elizabeth Blackburn, que recebeu a honraria em 2009.
Foi ela quem descortinou o elo entre o comprimento dos telômeros – a extremidade dos cromossomos das nossas células -, o papel de uma enzima chamada telomerase na proteção dessas estruturas e a longevidade. Um experimento com o programa de mindfulness MBSR mostrou que os praticantes tiveram um aumento de 17% nos níveis dessa enzima antienvelhecimento. “O foco mental é uma habilidade que qualquer pessoa pode cultivar. Tudo que você precisa é praticar”, afirma a Prêmio Nobel.
A mente muda, o corpo responde
Além dos efeitos psíquicos, as práticas meditativas têm repercussões fisiológicas
Melhora o sono
Ao avaliar a eficácia de mindfulness em pacientes com câncer, notou-se que o método também aprimorava o estado de humor e a qualidade do sono. Um estudo recente constatou esse tipo de efeito especialmente em gente acima de 55 anos.
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Protege o coração
Existem evidências de que a prática de atenção plena regula a frequência cardíaca, reduz processos inflamatórios e baixa a pressão arterial, fatores que auxiliam a controlar a hipertensão e prevenir os problemas cardiovasculares.
Alivia as dores
Desde que Kabat-Zinn desenvolveu o primeiro programa estruturado, em 1979, a atenção plena é usada para tratar condições como fibromialgia, lombalgia e artrite. Com a prática, há uma diminuição da intensidade da dor e de outras limitações ligadas a ela.