O ano de 1903 não foi dos melhores para o presidente Rodrigues Alves. Na economia, o Brasil ia de mal a pior, pois investidores se recusavam a vir para os nossos portos buscar grãos de café, principal produto de exportação nacional. Na vida pessoal, ele passou pela amarga experiência de encarar a morte de sua própria filha. O curioso desses dois fatos é que a culpa pode ser atribuída ao mesmo agente: o Aedes aegypti. Muito antes de o mosquito transmitir dengue, zika e chikungunya em terras brasileiras, ele era responsável por uma epidemia de febre amarela que atingia as grandes cidades do país.
As ameaças de serem infectados por esse vírus afugentaram os empresários gringos dos portos do Rio de Janeiro e de Santos, os dois pontos de saída do café para o estrangeiro. Foi essa mesma doença que matou a filha do quinto presidente da República.
Rodrigues Alves resolveu dar um basta na situação e convocou Francisco Pereira Passos, prefeito do Rio de Janeiro, para montar um plano de reestruturação da cidade. O saneamento básico era um desastre na então capital do Brasil. A coleta de lixo não funcionava. Grande parte da população vivia em cortiços. Quer cenário mais perfeito para a proliferação não só de febre amarela, mas também de tuberculose, tifo, peste bubônica e diversos outros males infecciosos?
Passos promoveu uma gigantesca reforma na cidade: alargou ruas e avenidas, destruiu os barracos e começou a estruturar um projeto de saneamento condizente com o tamanho da capital fluminense. Para comandar a missão na área da saúde, o time ganhou um reforço de peso: o sanitarista Oswaldo Cruz. E ele “chegou chegando”, como se diz no popular: logo em seus primeiros discursos, prometeu erradicar a febre amarela da Cidade Maravilhosa em três anos.
Ao contrário de outros especialistas, que acreditavam que a infecção passava por meio do contato com roupas e colchões contaminados, Cruz apostava na ideia de que a doença era transmitida pela picada do Aedes. Apesar de ter sido ridicularizado por seus pares e pelos jornais da época, o expert acertou na mosca (ou, melhor, no mosquito).
Guerra Civil
O sanitarista recrutou soldados do exército e prisioneiros para fazer uma verdadeira faxina. Os agentes, apelidados de “mata-mosquitos”, tinham permissão para entrar nas casas (mesmo sem a autorização dos moradores) e até internar compulsoriamente aqueles indivíduos que aparentavam sintomas da moléstia. Todos os 65 mil prédios do Rio de Janeiro passaram por uma vasculha. Vários foram considerados insalubres e muitos acabaram demolidos.
É óbvio que a ação gerou grande polêmica e foi um dos motivos para a eclosão da famosa “Revolta da Vacina” entre os dias 10 e 16 de novembro de 1904. Além de toda a bagunça e a intromissão em seus lares, todos os cidadãos eram obrigados a tomar a vacina contra a varíola numa época que não existia campanha nenhuma deste tipo. Claro que o povo ficou possesso e saiu para protestar, com direito a barricadas, batalhas nas ruas e decreto de estado de sítio.
Apesar de tanta briga, os resultados da campanha de Oswaldo Cruz são incontestáveis: em 1903, a febre amarela causou a morte de 469 pessoas. Um ano depois, os números caíram para 39 óbitos, segundo informações do Acervo Estadão. Em 1907, a doença estava oficialmente erradicada do Rio de Janeiro. Em algumas décadas, ela seria expulsa para sempre de todas as cidades do Brasil. O último caso urbano foi registrado em 1942, no Acre. Oswaldo Cruz saiu vencedor dessa batalha e ganhou tudo que é homenagem aqui e no exterior.
Volta ao passado?
Passados 114 anos dessa história, a febre amarela volta a nos assombrar. Que fique claro: por ora, não foi registrado nenhuma transmissão urbana da doença. Por enquanto, todos os casos estão relacionados à versão silvestre, transmitida pelos mosquitos Haemagogus e Sabethes. A crise atual se iniciou por Minas Gerais e se espalhou pelos estados vizinhos.
Nesse cenário, chama a atenção a falta de preparo e planejamento de nossas autoridades em lidar com a questão de maneira mais ágil e organizada. Será que a situação justifica a formação de filas quilométricas na frente dos postos de saúde para tomar a vacina? Será que não era possível organizar uma campanha de imunização desde o ano passado, para que as pessoas fossem atendidas aos poucos e com dignidade?
Nos últimos dias, começaram as campanhas com doses de vacina fracionadas. A ideia é proteger toda a população, e não só aqueles que se encontram em áreas de risco. Se a estratégia der certo e tiver a adesão de todos nós, os números de casos vão cair drasticamente e a febre amarela voltará a ser uma ameaça do passado. Lugar, aliás, de onde ela nunca deveria (nem precisaria) ter saído.
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