Corpo e mente no mesmo compasso: é possível?
Paciente com esclerose múltipla reflete sobre o impacto de doenças crônicas na saúde mental e vice-versa
Em 2000, eu recebi o diagnóstico de esclerose múltipla (EM), uma doença sem cura que pode provocar variados sintomas, de dificuldade de locomoção a um cansaço extremo.
Apesar dos bons tratamentos que temos hoje em dia, eu não vou negar que é desafiador lidar com uma doença como essa. Já sofri bastante e cheguei a ter depressão – hoje em dia, cuido muito de mim para preservar meu bem-estar mental.
Mas o curioso é que esse tipo de experiência – aliado ao meu trabalho nas ONGs Amigos Múltiplos pela Esclerose (AME) e Crônicos do Dia a Dia (CDD), no qual convivo diariamente com pessoas com diferentes doenças crônicas – também me abriu os olhos para o sentido oposto dessa relação entre doença crônica e saúde mental.
Ou seja, se a minha doença crônica pode afetar minha saúde mental, será que doenças psiquiátricas não são capazes de comprometer o bem-estar físico de quem as têm?
E a resposta é um sonoro sim. A própria Veja Saúde, que gentilmente cedeu esse espaço para as minhas palavras, já abordou o assunto em 2014, apontando como a depressão, por exemplo, pode comprometer a saúde cardiovascular.
Diversas outras reportagens e pesquisas científicas corroboram essa afirmação, para diferentes enfermidades, da esquizofrenia ao borderline.
Alguns estudos apontam, inclusive, fatores fisiológicos para isso, como possíveis processos inflamatórios desencadeados por transtornos psiquiátricos que reverberariam no resto do organismo.
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Mas deixo esse assunto para os especialistas na área. Do meu ponto de vista – de pessoa com uma doença crônica que busca compreender as jornadas de outras em situação parecida –, vale a pena destacar o efeito de uma condição psiquiátrica no dia a dia.
Antes de tudo, essas doenças dificultam a adoção de hábitos equilibrados. Algumas, como a depressão, podem tirar a motivação para se exercitar ou se alimentar bem. Outras, como o TDAH, comprometem a elaboração e a execução de planos, o que é importante para aderir a um estilo de vida saudável no longo prazo. O resultado é o risco elevado para diferentes enfermidades, de diabetes a hipertensão.
O estresse e as angústias de uma condição psiquiátrica também podem se manifestar no corpo. Não são incomuns os casos de pessoas que apresentam sintomas na pele, ou que têm quadros como de dermatite atópica piorados. Há ainda aqueles que desenvolvem infecções mais severas diante do alto grau de tensão psíquica que enfrentam.
Além disso – e muito por causa da discriminação –, pessoas com transtornos psiquiátricos têm dificuldade para se posicionar bem no mercado do trabalho. E, na nossa sociedade, a falta de recursos financeiros infelizmente é sinônimo de maior dificuldade para prevenir doenças ou para tratá-las adequadamente.
Mas acho importante trazermos uma mensagem otimista aqui – e, sim, isso é possível! Assim como o tratamento da minha esclerose múltipla me ajudou a ter uma vida plena, dentro das minhas individualidades, a abordagem adequada de doenças psiquiátricas aumenta as chances de as pessoas alcançarem a saúde integral.
Para isso, é importante buscar aconselhamento, informações de qualidade e profissionais de saúde.
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Também é necessário participar cada vez mais do debate público sobre a assistência em saúde no nosso país. Temos o Sistema Único de Saúde (SUS), que é uma conquista incrível, mas precisamos batalhar para aprimorá-lo e para que ele abra espaço, de fato, às pessoas com condições crônicas de saúde.
É por isso que, na CDD e na AME, atuamos firmemente com o advocacy e, inclusive, buscamos melhorias por meio de projetos como o “A Regra É Clara”. Também trazemos informações confiáveis e estamos abertos para ouvir todos – é só nos visitar no site ou nas redes sociais.
Por fim, quero deixar algumas estratégias que vêm me ajudando a manter o equilíbrio mental:
● Não se cobre ou se culpe tanto
● Seja produtivo no seu tempo dedicado ao trabalho. Quanto mais e melhor você fizer em uma hora, mais horas terá para si
● Compartilhe o que sente com quem você gosta
● Valorize atividades divertidas e relaxantes, como meditação, leitura, jogos etc.
● Procure orientação profissional
Um ótimo Janeiro Branco a todos!
*Bruna Rocha tem doutorado e pós-doutorado em Educação e mestrado em Comunicação Social, ambos na linha de estudos culturais, com pesquisas relacionadas à educação em saúde, condições crônicas de doença e compartilhamento de experiências pessoais. É vice presidenta da Amigos Múltiplos pela Esclerose (AME)e diretora da Crônicos do Dia a Dia (CDD)