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Desafio salgado: os limites de sal para alimentos industrializados

OMS lança guia que atualiza os limites máximos de sódio em alimentos industrializados. O objetivo é salvar vidas! Que tal olhar rótulos e fazer sua parte?

Por Goretti Tenorio
Atualizado em 23 jul 2021, 11h43 - Publicado em 18 jun 2021, 14h49
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  • O alarme soado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) vem de longa data: o excesso de sal causa uma série de estragos ao organismo, aumentando sobretudo o risco de doenças cardiovasculares. Também não são novos os esforços de promover a redução do sódio, componente principal do tempero e ingrediente básico nos alimentos industrializados. Em 2013, a OMS já reforçava a importância de ficar em 5 gramas de sal (o correspondente a 2 gramas de sódio) por dia. Agora, diante da dificuldade de alcançar esse objetivo — no Brasil, estima-se que ingerimos o dobro do recomendado —, a entidade lançou um documento que pede esforços para diminuir em 30% o consumo de sal até 2025, limitando especificamente o teor de sódio nos itens processados.

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    Mas o leitor pode pensar: se o sal é o ingrediente que mais contém sódio (muitas vezes são usados até como sinônimos!), não seria melhor incentivar a moderação no tempero? “A questão é que a presença de produtos industrializados à mesa é cada vez maior em comparação com os alimentos in natura”, explica a nutricionista Heloísa Guarita, diretora da RG Nutri, em São Paulo. Se é difícil calcular as pitadas salgadas nas receitas caseiras, não resta dúvida entre os especialistas de que quase 70% do sódio na alimentação vem dos chamados alimentos ultraprocessados — grupo que abrange de macarrão instantâneo a nuggets e biscoitos.

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    As estimativas:

    Segundo a OMS, esse cenário, nítido nos países de alta renda, vem se intensificando nas nações em desenvolvimento. Por isso, a instituição compilou dados técnicos das categorias de produtos mais comuns em 41 países, incluindo o Brasil, e, comparando a quantidade de sódio entre eles, estabeleceu novos limites de acordo com o menor valor encontrado entre os níveis máximos de sódio dos itens contemplados. “Isso torna mais viável o cumprimento das metas”, avalia a cardiologista Lilian Soares da Costa, diretora do Departamento de Hipertensão da Sociedade de Cardiologia do Estado do Rio de Janeiro (Socerj).

    “Se o Brasil consegue produzir um rocambole com o menor teor de sódio entre as máximas, todos os países podem fazer o mesmo”, exemplifica. “Esse guia, com alvos claros, é uma oportunidade de reconstruir o sistema de alimentos, do processamento ao consumo”, analisa a médica. “O documento ajudará a fortalecer políticas públicas de saúde, com impacto na mortalidade por doenças como hipertensão. O assunto até entrou na pauta de um grande congresso de cardiologia que acontecerá em agosto”, conta.

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    A relação entre a subida da pressão arterial e o exagero de sódio na dieta é fonte de preocupação dos especialistas em saúde pública há tempos. Para ter ideia, estima-se que 11 milhões de mortes ao redor do globo são causadas por dietas pobres, e 3 milhões podem ser atribuídas justamente a altas concentrações do mineral. “Na verdade, o abuso está relacionado a várias doenças, até mesmo com o câncer”, destaca o cardiologista Rui Póvoa, assessor científico da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo (Socesp).

    “A hipertensão chama a atenção porque é muito prevalente no mundo inteiro, sendo o principal fator de risco para AVC, insuficiência cardíaca e infarto, males responsáveis por 32% das mortes”, nota. O médico explica o mecanismo: o excesso de sódio leva à retenção de água e, como consequência, sobe o volume de sangue circulando. Isso exerce mais pressão nas paredes das artérias. Ao mesmo tempo, o mineral causa a constrição dos vasos, reduzindo o espaço interno. É a combinação perfeita para a pressão decolar.

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    “O problema, é bom que se diga, tem origem multifatorial, ou seja, não é possível apontar apenas o sal como vilão”, lembra Póvoa. “Em geral, quem usa o tempero em maior quantidade come bastante e, portanto, ingere mais gordura e pode ter obesidade. Há uma série de situações envolvendo o universo do sal no contexto das doenças cardíacas”, pondera. De qualquer maneira, o cardiologista cita o estudo Physa, feito em Portugal e publicado em 2014: “O trabalho mostrou que a iniciativa de cortar 30% do sódio do pãozinho, muito consumido pelos portugueses, diminuiu sensivelmente a mortalidade por AVC naquele país”.

    O abuso salgado tem potencial também para danificar os rins e piorar a resistência à insulina, contribuindo para o diabetes. “Hoje, com as dietas baseadas em industrializados, já vemos até crianças diagnosticadas com diabetes tipo 2, considerada, no passado, doença de adulto”, lamenta a nutróloga Alice Amaral, de Juiz de Fora (MG).

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    Vale lembrar que as guloseimas doces, que tanto atraem os pequenos, carregam sua carga de sódio, uma vez que o ingrediente tem diferentes funções na estabilidade dos produtos. “O mineral pode aparecer em aditivos usados em bolos e biscoitos doces recheados”, aponta a nutricionista Mirella Pasqualin, da RG Nutri.

    Para Lilian, outro destaque do guia da OMS é que ele traz a expectativa de que os rótulos também sejam mais acessíveis no que diz respeito à presença do mineral. “O compromisso vale para cardápios de restaurantes e bares, ajudando na conscientização da população”, afirma.

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    Do tamanho das letras à linguagem técnica, entender a rotulagem é de fato uma grande dificuldade ao escolher produtos industrializados. Ainda mais no caso do sódio. A gente já informou que o limite é de 5 gramas de sal ao dia, sendo que isso representa 2 gramas do mineral — que é o que aparece na embalagem. Tem um porém: todas as empresas trazem essa informação em miligramas. Ou seja, o limite máximo diário seria de 2 000 miligramas. Não para aí: o relatório da OMS sugere um patamar de sódio para cada 100 gramas dos alimentos. Já as tabelas nutricionais mostram os dados relativos a diferentes porções. Biscoitos recheados, por exemplo, indicam o teor para 30 gramas, ou três unidades. Haja matemática!

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    A boa notícia é que as coisas tendem a ficar um pouquinho mais fáceis, já que a Anvisa aprovou um novo padrão de rótulos. O formato deve entrar em vigor em outubro de 2022 e passará a expor os dados nutricionais também por 100 gramas. “Além disso, uma rotulagem frontal tornará mais simples identificar produtos com excesso do mineral. A informação não precisará de interpretação e será facilmente visualizada, com o aviso ‘alto em sódio’ dentro de uma lupa”, diz Laís Amaral, nutricionista do Programa de Alimentos do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec).

    A lupinha vai aparecer quando o produto tiver mais de 600 miligramas de sódio para cada porção. No caso das bebidas, o símbolo surgirá quando a quantidade ultrapassar 300 miligramas por 100 mililitros. “Essa informação vai facilitar comparações e fomentar escolhas mais saudáveis”, acredita a nutricionista Marcia Gowdak, diretora científica do Departamento de Nutrição da Socesp.

    “Mas apenas reduzir o consumo de sal não transforma uma dieta ruim em boa”, avisa. “O ideal nesse sentido é priorizar os alimentos frescos. Leite, frutas, verduras e legumes fornecem bastante potássio, nutriente que aumenta a excreção de sódio na urina e reduz sua absorção pelos rins”, ensina Marcia. “Os itens in natura, portanto, protegem o organismo do excesso de sal”, conclui a especialista, que também é responsável pela área de nutrição da Sociedade Brasileira de Hipertensão.

    O guia da OMS pode representar uma virada de jogo na luta contra o avanço dos problemas cardiovasculares — uma missão que, claro, depende do compromisso da indústria. Melhor ainda se, junto de sua aplicação, vier a conscientização da população em relação ao sódio e aos produtos ultraprocessados. Dosar nossas escolhas é o que fará diferença para uma rotina menos salgada e atribulada.

    As funções do sódio

    Ele tem múltiplos papéis na indústria alimentícia

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    Conservação
    O ingrediente ajuda na preservação dos alimentos. Nas carnes, por exemplo, inibe o crescimento de micro-organismos.

    Sabor
    Percebido pelas papilas gustativas, o sódio realça notas sensoriais específicas, inclusive de receitas doces, como bolos e biscoitos.

    Textura
    O mineral influencia as características físicas dos alimentos. Nos queijos, uma dose maior resulta em consistência mais firme.

    Fermentação
    O sal é essencial na panificação. Ele ajuda a controlar a velocidade da fermentação e confere crocância e cor à casca do pão.

    Conhecer as metas é o primeiro passo

    Para chegar às referências, a OMS esmiuçou os valores de sódio de 18 categorias e 97 subcategorias de processados. Veja exemplos:

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    Queijos

    No Brasil, a mussarela tem, em média, 395 mg de sódio em 100 g

    Cereais matinais

    No Brasil, o cereal de milho tem, em média, 400 mg de sódio em 100 g

    Snacks Salgados

    Aqui, a batata chips leva, em média, 800 mg de sódio em 100 g

    Pratos prontos

    No Brasil, o macarrão instantâneo reúne, em média, 1 900 mg de sódio em 100 g

    Sobremesas

    Aqui, o biscoito recheado oferta, em média, 265 mg de sódio em 100 g

    Manteiga e óleos

    No Brasil, a manteiga oferta, em média, 500 mg de sódio em 100 g

    Vegetais processados

    No Brasil, legumes enlatados reúnem, em média, 366 mg de sódio em 100 g

    Molhos

    O catchup tem, em média, 966 mg de sódio em 100 g

    Comidas plant-based

    No Brasil, o hambúrguer vegetal apresenta, em média, 376 mg de sódio em 100 g

    Carne processada, aves, peixes

    Aqui, a sardinha em lata soma, em média, 415 mg de sódio em 100 g

    Pães

    Já o pão de fôrma possui, em média, 450 mg de sódio em 100 g

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