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Ronco de tirar o fôlego

Quem tem apneia do sono pode ficar até 40 minutos sem respirar por noite e nem desconfia disso. Entenda como essa situação arruína o descanso e a saúde

Por André Bernardo
Atualizado em 31 mar 2023, 18h17 - Publicado em 20 mar 2023, 13h42

Cada qual à sua maneira, Karol Meyer e Rodrigo Capelo são apaixonados por esportes. Ela tem 54 anos, é natural do Recife e, desde jovem, pratica mergulho. Ele tem 34, é jornalista e, apesar de ter nascido em São Paulo, torce pelo Vasco.

Em 10 de julho de 2009, Karol entrou para o Guinness Book, o livro dos recordes, depois de atingir a impressionante marca de 18 minutos e 32 segundos em apneia estática — ou seja, sem equipamento de respiração debaixo d’água.

Em 31 de outubro de 2022, Capelo anunciou em suas redes sociais que foi diagnosticado com a síndrome da apneia obstrutiva do sono, distúrbio que, dependendo da gravidade, faz o sujeito ter pausas na respiração durante a noite e despertar no meio da madrugada com sensação de afogamento.

Somando o tempo sem inspirar o ar, tem gente que quebra, sem querer ou saber, o recorde de Karol. “Na minha ignorância, achava que era ronco. Incômodo, mas inofensivo. É muito pior”, escreveu o jornalista esportivo em seu perfil no Twitter.

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A palavra “apneia” vem do grego e significa “ausência de ar”. Dos distúrbios do sono, é a segunda mais prevalente, respondendo por 33% dos casos — só perde para a insônia (45%), segundo levantamento do Instituto do Sono.

“O problema é que ela quase não é diagnosticada. A maioria das pessoas não sabe que tem”, alerta a pneumologista Luciana Palombini, do instituto paulistano.

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A apneia do sono pode ser dividida em obstrutiva (a mais comum, com 84% dos casos), central e mista. Obstrutiva é quando há uma obstrução no nariz ou na garganta.

Pode ser desde uma amígdala inflamada até um desvio de septo nasal ou o excesso de gordura na região do pescoço. No caso de Capelo, o formato “achatado” de seu maxilar agravou o problema.

“De dia, faço força involuntária para puxá-lo pra frente e, assim, conseguir respirar. À noite, ele recua, comprime a faringe e tira o espaço por onde passa o ar”, descreveu no post.

O segundo tipo, menos comum, é a central: a suspensão momentânea de ar não é provocada por obstrução das vias aéreas, e sim por uma falha na comunicação entre os sistemas nervoso e respiratório.

Os médicos ainda não sabem dizer por que isso acontece, mas desconfiam que seja por causa de alguma lesão cerebral. O terceiro e último tipo, raríssimo, é a mista — que mistura características das duas anteriores.

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Há médicos que falam em uma quarta categoria, a postural, quando a pessoa sente a falta de ar quando dorme de barriga para cima — basta virar de lado e o desconforto dá uma trégua.

+ Leia também: Apneia do sono em crianças: o que é e como identificar

Em comum, pessoas com apneia não costumam se dar conta de que sofrem essas pequenas paradas na respiração e os despertares durante a madrugada.

Em 75% dos casos, quem percebe o problema é quem dorme ao lado — ou, pelo menos, tenta dormir — e precisa conviver com o barulho do ronco.

Seguido ou não de engasgo e sensação de sufocamento, o ronco é o principal sintoma da apneia do sono. Que tem tanto repercussões noturnas quanto diurnas. De noite, fora a respiração ruidosa, o repouso pode ser mais agitado, acompanhado de suor e até ranger dos dentes.

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Pela manhã, o sujeito sente sonolência excessiva, dor de cabeça, dificuldade de concentração e perda de memória.

“Dormir é essencial à vida. Tanto quanto comer ou respirar. Se você dorme mal, perde qualidade de vida”, ressalta o médico Vitor Codeço, do Departamento de Distúrbios Respiratórios do Sono da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT).

Apneia do sono: sinais
Apneia do sono: sinais (@danico_illustration/SAÚDE é Vital)

Embora a maioria das pessoas possa desenvolver apneia do sono ao longo da vida, há um grupo de maior risco para o distúrbio. Ele engloba homens, indivíduos mais velhos e acima do peso. Não significa que gente jovem ou magra esteja livre, principalmente quando a mandíbula é pequena ou a língua volumosa.

Mesmo crianças podem ter o problema, capaz de, entre outros prejuízos, atrasar o desenvolvimento da fala. O diagnóstico da apneia se baseia na história do paciente, seguido de exame físico e da polissonografia, teste que monitora o comportamento e as reações fisiológicas durante o sono.

Esse exame, considerado essencial, é feito em um laboratório especializado, sob supervisão de um técnico. Sim, você precisa passar a noite lá. É a polissonografia que vai determinar, de acordo com o número de episódios por hora de sono, a gravidade da apneia.

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Abaixo de cinco, é considerado “normal”. Entre seis e 14, “moderada”. Acima de 30, “grave”. “Cada parada dura, no mínimo, dez segundos. Já vimos casos em que chegou a 60 segundos”, conta o otorrino Edilson Zancanella, presidente da Associação Brasileira de Medicina do Sono (ABMS).

Hoje a tecnologia coloca à disposição outra forma de averiguar a situação, mas que ainda não substitui completamente a polissonografia. “O paciente leva para casa um oxímetro de alta precisão e baixa um aplicativo que transforma o celular em polígrafo”, explica o pneumologista Geraldo Lorenzi, diretor do Laboratório do Sono do Instituto do Coração (InCor), em São Paulo.

“Fiz o teste do sono em casa, com um equipamento no dedo. Foi esse exame que detectou minha apneia em estágio grave”, relatou Capelo.

+ Leia também: Dá para flagrar a apneia do sono em casa

Façamos um cálculo: considerando que cada episódio de pausa respiratória dura pelo menos uns dez segundos e o cidadão que sofre de apneia grave (caso do jornalista esportivo) dorme uma média de oito horas por noite, ele pode ficar até 40 minutos sem respirar. E dorme mesmo? Para cada apneia, há um microdespertar.

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Isso acontece porque, quando repousamos, a musculatura relaxa e as pessoas com um estreitamento na garganta — por razões anatômicas ou acúmulo de gordura, por exemplo — apresentam a obstrução. Para não morrer de falta de ar, o corpo induz o sujeito a acordar. Ou quase.

“O despertar é tão rápido que, na maioria das vezes, passa despercebido”, afirma Codeço. É por isso que quem tem apneia e não recebeu o diagnóstico nem começou o tratamento tende a acordar mais cansado do que na noite anterior. Pensa que dormiu. Só que, de profundo e reparador, aquele sono não teve nada.

Antes o problema se resumisse à canseira. Há estragos de curto, médio e longo prazo — e males inimagináveis à saúde. No início, o cara acorda de mau humor, não consegue se concentrar e até cochila pelos cantos.

“O sono fragmentado pode inclusive aumentar o risco de acidentes de trânsito e de trabalho”, adverte a pneumologista Erika Treptow, pesquisadora do Instituto do Sono.

Com o tempo, podem aparecer coisas que nem relacionamos à qualidade das noites, como pressão alta e diabetes. Em alguns anos, há consequências de perder o sono: impotência sexual, infarto e acidente vascular cerebral (AVC).

Por incrível que pareça, o órgão que mais padece com a apneia é o coração. Toda vez que o sujeito para de respirar há uma queda nos níveis de oxigênio no sangue, e, como reação, ocorre uma descarga de adrenalina e o aumento na frequência cardíaca.

“Na hora em que deveria estar descansando, o coração é obrigado a correr uma minimaratona”, compara a neurologista Leticia Azevedo Soster, do Hospital Israelita Albert Einstein, na capital paulista.

Apneia do Sono: soluções
Apneia do Sono: soluções (@danico_illustration/SAÚDE é Vital)

Os pulmões também são maltratados. Um estudo recente, feito na Universidade de Uppsala, na Suécia, com 4,2 mil participantes, sugere que roncadores contumazes têm risco aumentado para câncer de pulmão.

Outra pesquisa, conduzida por médicos do Hospital Universitário de Lausanne, na Suíça, indica que a apneia acelera também o declínio cognitivo em idosos.

“Sabemos que ter apneia grave, com queda intermitente de oxigênio todas as noites, e associada a comorbidades como diabetes ou hipertensão aumenta o risco de morte”, alerta a neurologista Andrea Bacelar, diretora da Associação Brasileira do Sono (ABS).

Pelas redes sociais, Capelo avisou que precisaria se ausentar do trabalho por algumas semanas para se submeter a uma cirurgia ortognática. “O cirurgião vai quebrar o maxilar para puxá-lo milímetros para a frente, abrir espaço no nariz e tirar quatro dentes do siso”, descreveu o jornalista.

O procedimento que corrige os ossos da mandíbula é um dos possíveis tratamentos cirúrgicos disponíveis para a apneia. Há outras indicações, bastante específicas, como a retirada das amígdalas ou da adenoide (tecido no interior do nariz) e a correção do desvio de septo nasal. Nem sempre, porém, a solução é operar.

+ Leia também: Um mini-dispositivo contra a apneia

Uma das formas de driblar a apneia é adotar próteses intraorais desenvolvidas sob medida para serem usadas à noite. Elas deslocam o maxilar inferior para a frente e ampliam a passagem de ar pela garganta. Mas são destinadas a casos não tão severos. Porque o padrão ouro do tratamento nos quadros moderados e graves são os aparelhos de pressão positiva contínua, mais conhecidos pela sigla CPAP.

O dispositivo mantém as vias aéreas desobstruídas por meio do bombeamento constante de ar através de uma máscara adaptada ao rosto do paciente — e hoje existem modelos cada vez mais discretos.

“O CPAP é o método mais seguro e eficaz que existe. No entanto, muitos pacientes não aderem como deveriam. Precisamos identificar os motivos e resolvê-los individualmente”, argumenta Andrea

A falta de engajamento não raro acontece por questões financeiras: um aparelho custa em torno de 3 mil reais, e alugá-lo não sai por menos de 300 por mês. Mas a ABS pensou numa saída, o projeto piloto CPAP Solidário.

Pacientes com diagnóstico de apneia obstrutiva do sono grave que não têm recursos para comprar ou alugar o dispositivo podem baixar um aplicativo desenvolvido pela associação, fazer o cadastro, enviar a documentação e um pedido médico do Sistema Único de Saúde (SUS) para receber a máquina gratuitamente.

O melhor tratamento, observa a neurologista e especialista em sono Rosana Cardoso Alves, do Fleury Medicina e Saúde, vai depender dos sintomas do paciente e da análise dada pela polissonografia.

Capelo até chegou a usar o CPAP, mas diz que o aparelho funcionou “só até certo ponto”. “Quando durmo, consigo dormir por mais horas. Mas não resolveu”, contou. Para muitos usuários, porém, ele muda a vida “da água para o vinho”. E a maior prova disso é a disposição no dia a dia.

Às voltas com novas alternativas para silenciar a apneia, pesquisadores da Universidade de Gotemburgo, na Suécia, testaram um medicamento para reduzir as quebras no fluxo respiratório durante a noite.

+ Leia também: Melatonina: tudo sobre o hormônio do sono

Os 59 participantes do experimento foram divididos em três grupos. Dois receberam o remédio à base de sultiame e o terceiro, um placebo. Ao fim de quatro semanas, a ala que recebeu 400 mg da medicação, que é um anticonvulsivante, apresentou uma redução de 41% no número de episódios noturnos, e a que recebeu 200 mg, diminuição de 32%, ambos no comparativo com os comprimidos sem princípio ativo.

Segundo Jan Hedner, o médico coordenador do estudo, não foram registrados efeitos adversos graves. Mas novas rodadas de pesquisa, com mais pacientes e feitas em outros centros, são necessárias para comprovar a ação do remédio.

“Hoje não há evidências de que medicamentos, sprays ou dilatadores nasais sejam vantajosos no tratamento do distúrbio”, afirma a neurologista Rosa Hasan, do Alta Diagnósticos.

Para desarmar a apneia, além dos tratamentos citados, os especialistas podem prescrever terapia miofacial, que fortalece a musculatura da face e do pescoço, e mudanças no estilo de vida.

As principais: perder peso, exercitar-se, evitar uso de sedativos e consumo de álcool à noite. Nos casos leves, tais medidas, aliadas a táticas como dormir de lado e com travesseiro mais alto, chegam a zerar o estorvo.

“Podemos tratar a apneia, mas nem sempre curá-la”, pontua Zancanella. Tem gente que emagrece e aparentemente se libertou dela,  só que basta engordar para a sinfonia retornar.

Quanto a Capelo, o jornalista já voltou a dar o ar da graça. A cirurgia foi bem-sucedida, ele perdeu 7 quilos, mudou a dieta e passou a praticar atividade física.

“Insônia ainda é um problema. Mas, quando durmo, durmo várias horas seguidas, sonho e acordo descansado. Não ronco mais nem tenho dificuldade para respirar”, festeja.

“RONCO NÃO É PIADA!”

A frase foi tema de campanha do Dia Mundial do Sono (março) da Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico–Facial.

Muita coisa pode fazer alguém roncar. Em geral, o ruído vem quando o ar passa por certos pontos entre o céu da boca e a campainha.

Quanto maior o esforço para captar o ar, mais barulhenta a respiração à noite. “Quem tem apneia normalmente ronca. Mas há pessoas que roncam e não têm o distúrbio”, diz o otorrino André Mateus, do Hospital Alemão Oswaldo Cruz (SP).

Também há casos raros de gente que tem apneia mas não ronca. Na dúvida, procure um especialista.

 

Apneia do sono: dados
Apneia do sono: dados (@danico_illustration/SAÚDE é Vital)
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