O fígado aguenta décadas de agressões sem dar sintoma algum de esgotamento.
Se por um lado essa robustez é uma vantagem, por outro mascara uma doença que cresce assustadoramente: a esteatose hepática não alcoólica.
O que é a esteatose hepática?
Apesar do nome complicado, a condição nada mais é do que a popular gordura no fígado.
“Estima-se que ela já atinja 40% dos adultos que moram no Ocidente”, conta o hepatologista Raymundo Paraná, presidente da Associação Latino-Americana para o Estudo do Fígado.
Claro que esse fenômeno não vem sozinho: ele é resultado (e anda ao lado) de desgovernos em outras redondezas do corpo. Ora, de acordo com o Ministério da Saúde, 54% dos brasileiros estão acima do peso e 18% são considerados obesos — estatística que sobe a cada ano que passa.
“Isso se reflete num pacote de malefícios que chamamos de síndrome metabólica, com o aparecimento de alterações no colesterol, hipertensão, diabetes e a esteatose”, observa o gastroenterologista Fernando Wolff, do Hospital Moinhos de Vento, em Porto Alegre.
Condição silenciosa
O caráter silencioso, inclusive, faz o acúmulo de gordura no fígado ser uma condição ainda mais perigosa: como não há queixas, o sujeito vive anos sem se preocupar com o que se passa dentro do abdômen. Nesse meio-tempo, o risco de sofrer um ataque cardiovascular, como infarto ou AVC, duplica.
“Para piorar, 15% desses indivíduos evoluem para um quadro mais sério, a esteato-hepatite”, calcula Paraná. Nessas circunstâncias, o pobre fígado é refém de inflamação e lesões e não consegue trabalhar direito. Se nada for feito, um câncer ou uma cirrose são a próxima etapa.
A coisa está realmente feia mundo afora: nos Estados Unidos, a esteatose superou o alcoolismo e virou a segunda principal razão para fazer um transplante hepático — só fica atrás das hepatites virais. Um levantamento da Universidade Austral, na Argentina, mostra que os tumores provocados pela enfermidade aumentaram sete vezes na América Latina entre 2005 e 2012.
A boa notícia é que dá pra intervir bem antes de o fígado ir para o brejo. Basta fazer um ultrassom para ter o diagnóstico de esteatose hepática e, a partir daí, iniciar uma terapia simples e efetiva — sem a necessidade de tomar remédios! “O pilar do tratamento é emagrecer por meio de mudanças na dieta e prática de exercícios”, resume o hepatologista João Marcello de Araujo Neto, do Instituto Nacional de Câncer.
Descubra, nos tópicos abaixo, por que o fígado é tão importante e como ele desenvolve esse problema.
Para que serve o fígado?
- Produção da bile, substância que ajuda na digestão dos alimentos gordurosos.
- Fabricação das partículas que transportam colesterol (LDL, HDL…).
- Armazenamento e liberação de glicose, a nossa grande fonte de energia.
- Limpeza do organismo por meio da eliminação de resíduos tóxicos.
- Processamento e aproveitamento de medicamentos e hormônios.
- Destruição das células vermelhas do sangue que estão com algum defeito.
- Depósito das vitaminas A, B12, D e E e de minerais como ferro e cobre.
Como surge a esteatose hepática não alcoólica
1. Excesso de peso, sedentarismo e dieta desbalanceada fazem com que a quantidade de glicose no sangue suba demais.
2. Com o passar do tempo, esse cenário leva à resistência à insulina. Isto é, esse hormônio não consegue mais colocar o açúcar para dentro das células.
3. A sobrecarga de glicose vai parar no fígado. Em células chamadas hepatócitos, ela é transformada em triglicérides, um tipo de gordura.
4. Como o organismo já tem energia de sobra, esses triglicérides ficam armazenados nessas células, que se tornam cada vez mais gorduchas. É a esteatose hepática.
5. Com o tempo, os hepatócitos gorduchos perdem eficiência e parte de seu funcionamento.
6. A falta de células hepáticas em bom estado gera um estresse danado no fígado, que entra em estado de inflamação.
7. Vários hepatócitos morrem. Em seu lugar, surge um tecido fibroso parecido com uma cicatriz.
8. Esse processo pode terminar de dois jeitos ruins: ou aparece um câncer ou uma cirrose.
Como é feito o diagnóstico
Como a esteatose hepática não dá sintomas, o jeito é apelar aos exames de rotina para flagrá-lo:
Sangue: As enzimas ALT e AST (também conhecidas como TGO e TGP) estão elevadas? Sinal de que algo não está bem no fígado.
Ultrassom: Permite avaliar o estado da glândula e ver se há muita gordura por ali.
Biópsia: Necessária para determinar a gravidade e a extensão do quadro.
Como diminuir a gordura no fígado
1. Dieta e exercício fazem a pessoa perder peso. Isso derruba as taxas de glicose e alivia a resistência à insulina.
2. Com isso, os triglicérides são liberados aos poucos pela glândula na forma de VLDL, que serve de energia para várias partes do organismo.
3. O emagrecimento, contudo, precisa ser gradual. Assim, as reservas de gordura localizadas no abdômen são descartadas sob medida.
4. Uma perda de peso veloz faz muita gordura do tecido adiposo ser despejada e se encaminhar em bloco para o fígado, o que desencadeia uma inflamação.
O fígado também pode ser prejudicado por outros vilões
Álcool: O abuso na bebida segue como um dos principais causadores de cirrose no mundo.
Vírus: Os agentes infecciosos por trás das hepatites A, B e C são os mais preocupantes.
Remédios: Em longo prazo, o uso incorreto ou exagerado de medicamentos gera uma pane ali.
DNA: Já foram identificadas mutações genéticas que aumentam o risco de desenvolver a esteatose hepática.