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Falhas na memória exigem investigação

Se entre os cabelos os brancos são normais com a idade, lá no cérebro despertam preocupação. Entenda por que lapsos nas lembranças pedem uma avaliação

Por Silvia Lisboa
Atualizado em 22 ago 2019, 10h40 - Publicado em 3 jan 2017, 18h00
sinais do alzheimer
Quando os brancos se tornam corriqueiros, vale a pena investigar o que está ocorrendo dentro do cérebro (Ilustração: Ana Matsusaki/)
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Após os 50 anos, falhas na hora de se lembrar das coisas costumam cair na conta do envelhecimento. Tanto que quase todo mundo já ouviu a frase “a culpa é da idade” para explicar o esquecimento de compromissos ou a dificuldade em executar duas tarefas simultâneas sem se embananar.

Contudo, nas últimas duas décadas, os médicos começaram a rever a história de que esses déficits na memória são naturais com o avançar do tempo. E daí emergiu o conceito de comprometimento cognitivo leve, conhecido pela sigla CCL. “Precisávamos diferenciar o que não é normal do que também não é uma demência”, define o neurologista André Palmini, chefe do Serviço de Neurologia do Hospital São Lucas, em Porto Alegre.

Apesar de ser novato nos manuais de medicina, o CCL atinge bastante gente. Estima-se que 13,2% dos idosos tenham a condição, segundo pesquisa de 2009 conduzida na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. E o drama é que, se nada for feito, ela pode progredir. “Pessoas com CCL têm uma probabilidade de dez a 12 vezes maior de desenvolver a doença de Alzheimer”, alerta o neurologista Paulo Bertolucci, chefe do Ambulatório de Neurologia do Comportamento do Hospital São Paulo.

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Felizmente, hoje se sabe que, com um diagnóstico precoce, é até possível estacionar ou reverter o quadro, dependendo de sua causa. “O paciente pode estar com depressão, hipertireoidismo ou um transtorno do sono, por exemplo”, detalha o neurologista Leonardo Cruz de Souza, da Universidade Federal de Minas Gerais. Ao remediar esses ou outros problemas que entorpecem o cérebro, o sujeito volta à normalidade.

Mesmo que não seja identificada uma origem, o declínio cognitivo não raro estabiliza. “Em um terço dos casos, ele deixa de evoluir”, calcula a neurologista Marcia Chaves, do Hospital de Clínicas de Porto Alegre. Os cientistas ainda não sabem o porquê, mas o fato de o CCL parar sozinho em episódios específicos alimenta as esperanças de que é possível ao menos postergar a progressão para uma demência com certas medidas.

Ao perceber que a cuca está trabalhando com o freio de mão puxado, o crucial é buscar apoio especializado. “Quando alguém está convicto de que sua memória não está boa, ela não está boa mesmo”, sentencia Bertolucci.

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Os sinais iniciais do comprometimento cognitivo leve

Memória: esquece eventos recentes e repete as mesmas perguntas ou relatos.

Planejamento: possui dificuldade para organizar tarefas, interpretar instruções e tomar decisões.

Atenção: perde com frequência o fio da meada durante conversas, filmes e leituras de livros.

Linguagem: demora para encontrar as palavras e se enrola ao longo dos diálogos.

Julgamento: torna-se mais impulsivo e sofre para avaliar questões do cotidiano.

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Visão: tem menor capacidade para determinar distâncias, por exemplo.

Brancos antes dos 50 anos

Falhas de memória abaixo dessa faixa etária em geral estão atreladas a estresse demais ou outras doenças – a chamada demência precoce é raríssima. “Menos de 5% dos casos de Alzheimer começam antes da terceira idade”, reforça a neurologista Marcia Chaves. Nos mais jovens, esquecimentos frequentes tendem a ser sintoma de tensão excessiva, ansiedade ou depressão. O abuso de drogas e desordens hormonais também fazem o cérebro fraquejar.

No dia a dia

O comprometimento cognitivo leve chega a atrapalhar um pouco o cotidiano, porém não tira a independência. Os portadores eventualmente se enrolam no meio do bate-papo, esquecem onde estacionaram o carro ou têm de anotar boa parte dos compromissos. Apesar disso, seguem praticamente com a mesma rotina. Essa é a principal diferença em relação à fase inicial do Alzheimer, em que os prejuízos são mais acentuados. “Em função disso, a vida muda consideravelmente”, compara Palmini.

Para distinguir de maneira precisa entre um e outro, os especialistas aplicam testes que analisam aspectos como memória, fluência verbal e raciocínio. Exames de sangue também entram em cena para identificar deficiências de vitaminas, desordens hormonais, hipertensão, diabete e outras enfermidades capazes de afetar o trabalho dos neurônios.

Agora, se o médico desconfiar que os esquecimentos são prenúncio de uma demência, pode requisitar até métodos de neuroimagem. Alterações no hipocampo, a área responsável pelas lembranças, e a deposição de placas de proteínas chamadas beta-amiloides indicam o Alzheimer, por exemplo.

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Leia mais: Um punhado de oleaginosas evita de diabete a Alzheimer

O tratamento é definido conforme a causa do CCL. Ele vai de suplementos para deficiências nutricionais a antidepressivos contra a melancolia profunda. Para todos os casos, no entanto, a conduta envolve a adoção de uma rotina equilibrada, até porque não existe um remédio específico para a condição.

Uma pesquisa finlandesa, publicada no periódico The Lancet, revelou que a união entre cardápio equilibrado, exercícios mentais e treinos físicos ajuda a preservar as lembranças dos pacientes. Os autores do levantamento destacam que a turma que aderiu a esse combo apresentou, ao final de dois anos, menos brancos em comparação ao grupo que serviu de controle.

Nas refeições, a recomendação é valorizar os ingredientes da dieta mediterrânea. Entre eles estão frutas, verduras, grãos, peixes, azeite de oliva e, com mais moderação, o vinho.

De acordo com um estudo da Universidade Colúmbia, nos Estados Unidos, idosos com CCL que adotam esse padrão alimentar ficam mais distantes do Alzheimer. “Uma das justificativas é que essa dieta diminui o risco de obstruções nos vasos sanguíneos que nutrem os neurônios e, assim, comprometem a cognição”, esclarece o neurologista Nikolaos Scarmeas, líder da pesquisa.

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Já um trabalho feito na China com mais de 5,4 mil adultos mostra que ver muita TV – um comportamento associado ao sedentarismo – eleva em 20% o risco de panes na memória. A investigação ainda ressalta que trocar a telinha por um livro ameniza esse prognóstico nebuloso.

Para ser exato, cada atividade intelectual reduz em 5% a possibilidade de apresentar lapsos. Aliás, existem treinos mentais que driblam as limitações do CCL. “O indivíduo aprende a usar estratégias de memorização”, resume a neuropsicóloga Mônica Yassuda, da Universidade de São Paulo. Para resguardar a mente, cultivar hábitos saudáveis e desafiar os neurônios é fundamental. Não se esqueça disso!

 

Goles contra a demência

Um suplemento à base de gorduras boas, vitaminas e antioxidantes ajudaria a adiar a evolução para esse quadro. Em formato de bebida pronta, o Souvenaid (da Danone) foi testado em um estudo europeu com vítimas de comprometimento cognitivo leve.

Os 311 voluntários que tomaram o líquido uma vez ao dia por dois anos exibiram uma menor atrofia do hipocampo, região do cérebro responsável pela memória recente. Os achados, porém, pedem cautela. “Precisamos de estudos independentes e com mais participantes”, ressalva a neuropsicóloga Mônica Yassuda.

 

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